André Sousa, o jovem que deu a volta à América do Sul numa mota de baixa cilindrada

Texto de Sara Dias Oliveira

Não foi uma aventura qualquer e não foi apenas mais uma viagem. Foi uma viagem de vida, para toda a vida. André Sousa, 23 anos acabadinhos de fazer, apaixonadíssimo por veículos de duas rodas, piloto profissional do campeonato nacional de velocidade 600cc, membro da equipa do Clube Motorizado do Troço, meteu na cabeça que seria o primeiro do Mundo a dar a volta à América do Sul numa moto de baixa cilindrada, de 125cc.

E foi. Assim mesmo. Tintim por tintim. Sempre na estrada, sempre por terra. Andou pelo deserto mais árido do planeta, pelas cordilheiras mais extensas, pela estrada da morte, esteve em Machu Pichu e acampou numa quinta que pertenceu a Pablo Escobar. O jovem de Oliveira de Azeméis realizou um sonho e fez algo nunca antes feito.

“O mais importante não é chegar, mas sim aproveitar o caminho. Sair da tenda com o desejo de aproveitar cada instante, de aprender com cada obstáculo que surja e vivenciar cada quilómetro passado como se fosse o último”, conta. Licenciado em Direção e Administração na Coimbra Business School, a frequentar o Mestrado em Gestão Empresarial, as viagens já fazem parte do seu currículo. Fez Erasmus na Eslováquia em 2016 e, neste ano, esteve num intercâmbio, incluído no mestrado, em Florianópolis, no Brasil. Já andou à boleia e em regime couchsurfing, de sofá em sofá, de casa em casa, por nove países balcânicos.

Em duas rodas, foi quarto classificado no Campeonato Nacional de Velocidade em 125cc em 2013, vice-campeão por equipas e oitavo na geral em 600cc em 2014, e já entrou em provas do Campeonato Espanhol de Velocidade. A sua mota é constantemente colocada à prova e tem-se portado bem. A viagem pela América do Sul começou a 25 de maio deste ano e terminou a 21 de setembro. Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Paraguai, Colômbia, Equador, Venezuela e Guiana. Onze países no corpo e na alma. Sempre com a bandeira portuguesa por perto. E, no final da jornada, com a aventura tatuada no braço.

Nas zonas mais desertas, longe das cidades, fazia campismo selvagem. montava a tenda em lugares com paisagens inesquecíveis.

A sua máquina aguentou-se bem, obstáculo a obstáculo. Passou a cordilheira dos Andes em pleno inverno, a mais de 5 000 metros de altitude e sem estradas pavimentadas por perto. “Toda a viagem foi um sucesso do princípio ao fim, muito pela ajuda prestada pelos motociclistas e moto clubes em todos os países que percorri”, adianta. O espírito motociclista é uma das mais bonitas recordações. Encontrou braços abertos, dormida, comida, boa disposição. “E curiosidade de ouvir mais sobre a minha viagem e sobre este recorde louco”, refere.

Foram 120 dias inesquecíveis com muitas paisagens de postal. Indescritíveis. Esteve no parque de Aconcágua na Argentina, na cordilheira dos Andes, no deserto de Atacama, no lago Titicaca, o mais alto do mundo, nas cataratas do Iguaçu, na Estrada da Morte na Bolívia, a mais perigosa do universo rodeada de precipícios, na Amazónia boliviana, no território de Pablo Escobar em Medellín, entrou na Venezuela e saiu com vida.

André Sousa e a sua Honda CG 125i Fan 2018, de cinco velocidades, a gasolina, não pararam. Partiu de Florianópolis, no Brasil, com direito a festa de despedida. Espetáculo pirotécnico de tochas de fumo com as cores da bandeira portuguesa e três minutos de fogo-de-artifício. Os amigos fizeram questão de desejar-lhe a maior sorte do mundo. No entanto, a partida foi complicada. Dia de greve geral no Brasil. O país estava bloqueado.

“Não existia combustível em lado nenhum, certas comidas estavam a escassear, fui ao supermercado e só deixavam levar cinco produtos por pessoa. Muitas estradas estavam cortadas com bloqueios de pneus a arder”, recorda. Havia manifestações por todo o lado. “Consegui fazer grande parte do caminho no primeiro dia, até ao final da noite, e no segundo dia de manhã, por milagre, encontrei um posto de combustível.” Uma hora na fila e gasolina necessária para fazer os últimos quilómetros até às cataratas do Iguaçu do lado brasileiro, onde chegou a meio da tarde.

Uma viagem com 11 países: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Paraguai, Colômbia, Equador, Venezuela e Guiana.

Rumo ao Uruguai e mais um percalço. A cerca de 100 quilómetros da fronteira, André olhou para a mota e uma das malas estava aberta. Voaram documentos, luvas, carregadores. Recuou 90 quilómetros e ainda conseguiu recuperar alguns documentos, um carregador, e gasolina para seguir viagem.

Ao vigésimo dia, estava na Casa Museu Che Guevara, na Argentina. Ao final da tarde, seguiu em direção a Mendoza, que ficava a cerca de 750 quilómetros. “Antes dos 200 quilómetros percorridos já era de noite, e eu não aguentava mais, estavam menos de zero graus.” Parou numa povoação com 60 habitantes, sem internet, sem sítio para dormir, até que encontrou um café que tinha quartos na garagem. Descanso para voltar à estrada.

A temperatura esfriou, tempestade polar, 26 graus negativos, vento forte. A mota, a fundo, não passava dos 65 quilómetros por hora. Chegada a Santiago, Chile, mais uma fronteira, mais um país para conhecer. “Parti bem pela manhã, rumo ao Paso Los Libertadores, uma viagem fenomenal, mesmo com o gelo na estrada, as temperaturas negativas, e altitude, que fazia com que a mota subisse a 40 km/h a fundo, sem dúvida uma das estradas mais bonitas onde já passei.” Não havia frio que esfriasse a vontade de dar a volta à América do Sul por terra.

Ao 36.º dia de viagem estava no deserto de Atacama com vento forte e que lhe batia de frente – e que conseguiu derrubar a mota, mesmo com o descanso central. E La Paz, capital da Bolívia, ao 60.º dia. Numa das suas cidades favoritas, um reencontro inesperado com um jogador português de râguebi que tinha conhecido em Florianópolis. Uma diversão. E a viagem prosseguiu. Mais aventuras para viver e para contar. Conseguiu arranjar um guia para fazer cinco dias de sobrevivência no meio da Amazónia. Sem comida, água, cama. “Todos os dias, tinha de construir o local onde dormir, no chão, encontrar animais e plantas para comer, procurar água para beber”, lembra. Estava na Amazónia, no pulmão do Mundo.

Passou cinco dias na Amazónia boliviana sem comida, sem água, sem cama. Uma experiência para nunca mais esquecer.

Experiência superada antes de mais uma aventura, a aventura de percorrer a Estrada da Morte, na Bolívia, com 70 quilómetros de comprimento e a subir de altitude. “Na parte mais alta estava um tempo horrível, chuva forte, cerca de 0 graus e um nevoeiro que realmente facilitava a morte… No final da estrada, sol e calor.” E mais asfalto pela frente. Dias depois, era hora de saltar no Bungee Jumping mais alto da América Latina com 122 metros. Estava no Peru.

Ao 76.º dia, Machu Picchu, uma das sete maravilhas do Mundo e uma sessão fotográfica para relembrar o momento. Ao 100.º dia estava a montar uma tenda numa antiga quinta de Pablo Escobar, um dos narcotraficantes mais conhecidos do mundo. Nessa altura, André Sousa já tinha 19 mil quilómetros no corpo. Catorze dias depois, entrava na Venezuela com algum perigo à mistura, fronteira encerrada, homens de metralhadora na mão, entrada sem autorização. “No lado da Venezuela, os motards de San Cristobal fizeram questão de fazer 80 quilómetros para me escoltar todo o caminho até à sua cidade, visto que este país está um verdadeiro caos e super perigoso.” “No dia seguinte voltaram a escoltar-me até passar uma barreira policial.”

Sobreviveu e em Caracas, provavelmente a cidade mais perigosa do Mundo neste momento, decidiu tatuar no braço o símbolo da sua grande experiência. Uma imagem gráfica com a aventura do último moicano. “Consegui o meu objetivo inicial, algo que grande maioria tomou como impossível, poucos foram os que acreditaram, mas fez-se a história. Esta vitória é de Portugal!” No coração, uma viagem, dias intensos, muitos amigos. “Nunca me esquecerei de todos os que fizeram parte deste projeto e com certeza teremos mais momentos para compartilhar em conjunto”, garante.