Ana Cardoso: «Nenhuma mãe cansada e infeliz vai criar um filho feliz»

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografia de Giselle Sauer

Está calor no Brasil e Ana Cardoso está com as filhas, Anita de 13 anos e Aurora de 5, num quarto de hotel, enquanto o marido, Marcos Piangers, jornalista e autor do livro O Papai É Pop, que envolve e emociona plateias com histórias de paternidade, participa numa conferência.

Dali a pouco, estarão todos juntos e partirão para Bonito, cidade e centro de ecoturismo no Mato Grosso do Sul. Anita está a faltar à escola para acompanhar a família nesta viagem em que mergulhará em nascentes de água translúcida, verá plantações de milho e de soja, observará rochas calcárias, plantas subaquáticas, estalactites. Perceberá o que é pecuária, de onde vem o bife, o que são lençóis freáticos, e calculará distâncias entre cidades a partir da velocidade do carro. Verá araras e tucanos e conhecerá várias espécies de peixes.

«Nada substitui a escola, eu amo a escola. Mas ninguém pode mostrar a vida para os nossos filhos melhor do que nós mesmos. Dê o melhor de si, ensine coisas que sabe para os seus filhos, não espere que a escola faça milagres.»

Ana acaba de partilhar essa aventura num post no Facebook. «Nada substitui a escola, eu amo a escola. Mas ninguém pode mostrar a vida para os nossos filhos melhor do que nós mesmos. Dê o melhor de si, ensine coisas que sabe para os seus filhos, não espere que a escola faça milagres.»

Durante uma semana, não houve livros abertos nem trabalhos de casa, a escola foi ao ar livre, na rua, na estrada. «Tudo o que se ensina em casa tem um impacto muito grande, não adianta colocar um filho na melhor escola e não estar presente», diz à Notícias Magazine.

[Ana Cardoso lançará o seu livro a 5 de maio na Conferência da Notícias Magazine. Saiba mais aqui]

Em 2016, Ana Cardoso, jornalista e mestre em Sociologia Política, lançou o seu livro A Mamãe É Rock no Brasil e que chega agora a Portugal com o título A Mãe É Top. De 30 de abril a 6 de maio, Ana estará no nosso país, com a família, para apresentar o seu livro sobre maternidade em que descreve, sem filtros, os seus dias.

«Percebi que escrever um livro, como este, tornaria a vida de outras mães mais fácil, mais leve», diz Ana Cardoso sobre A Mãe é Top.

Não é um livro de lamentos, é um livro de crónicas sinceras. Antes de chegar a Portugal, ainda do outro lado do Atlântico, Ana conversou com a Notícias Magazine sobre a vida, as filhas, o papel da mulher, a crueldade da sociedade que perpetua modelos de perfeição, o peso das responsabilidades, a divisão de tarefas, as novas tecnologias, a felicidade. Temas que, de várias formas, cabem no seu livro.

A Mãe É Top (Editorial Presença) é um livro de histórias reais contadas com humor por uma mãe, jornalista, feminista, que escreve para a revista Pais & Filhos do Brasil, que concilia trabalho e família, que não tem paciência para festas de aniversário de crianças, para filas de trânsito a caminho da escola ou para preparar lanches saudáveis.

Uma mãe que admite que não gosta muito de brincar e que detesta a lista do material escolar. «Percebi que escrever um livro, como este, tornaria a vida de outras mães mais fácil, mais leve», confessa.

«Quem quer elogios dos outros está fadado ao fracasso. O importante é fazer o que nos faz bem», defende.

É uma mãe relaxada, que confia nas filhas. «Não acho que tudo o que acontece com as minhas filhas é responsabilidade minha. Gosto de dividir responsabilidades e dar­-lhes autonomia. Se a minha filha tira uma má nota na escola, não me vou sentir mal. Vou conversar com ela e cabe a ela se sentir mal ou não, e tomar uma atitude. A maioria das mães puxa tudo para si», diz. Pensar no que os outros vão pensar não é uma boa estratégia. «Quem quer elogios dos outros está fadado ao fracasso. O importante é fazer o que nos faz bem», defende.

Durante anos, ser mãe não fazia parte dos seus planos. Depois, tornou­‑se uma decisão consciente. E a vida mudou. «Ninguém é obrigado a ser mãe, mas a partir do momento em que decide ser mãe tem de ser muito responsável porque criar uma pessoa é a tarefa mais importante da vida.» A maior de todas.

«É uma vida que vai depender de nós e, de acordo com a educação que damos para os nossos filhos, pode ser feliz ou triste, bem­‑sucedida ou uma tragédia completa, uma pessoa que pode tornar um mundo melhor ou fazer da vida das pessoas à sua volta um inferno.» Um desafio e uma responsabilidade tremendos.

«Um dia, o autocarro avaria­‑se, a chucha cai na sarjeta e os nossos ombros pesam­-nos. No outro, um sorriso com o olhar e um par de mãozinhas que nos apertam com força fazem-nos sentir fortes e importantes.»

Ter filhos é um eterno curso de superação, uma aprendizagem constante, uma gestão logística diária. É saber cada passo, cada batida do coração. É viver num estado permanente de alerta. «E quando vai dormir sabe o que cada filho comeu, a que horas acordou, se fez cocó, se tem frio, se está bem, se está mal.» «Não vivemos só o nosso dia, vivemos o dia de cada filho.

E para termos essa capacidade de vivermos a nossa própria vida e a dos filhos, temos de desenvolver uma série de habilidades socioemocionais para não ficar stressada, conseguir prestar atenção em tudo o que está acontecendo e conciliar esses diversos papéis que a gente passa a ter quando é mãe.» Sem colocar os filhos na frente de tudo e esquecer tudo o resto porque, avisa, «não é assim que a vida funciona».

Tabela de sobrevivência para casais modernos

Famílias perfeitas, mães maravilhosas, crianças sempre felizes? Não há. Mães lindas e doces, com os filhos sempre calmos, limpinhos e arrumadinhos, ultraeficazes em casa e no trabalho? Também não. Contudo, a pressão existe.

«Uma mulher bem­‑sucedida na carreira ainda se cobra mais, como se não fosse para estar ocupando aquele lugar de sucesso. Então ela tem de compensar isso, tem de ser ainda melhor em casa, tem de ser uma esposa mais maravilhosa, humorada, bem­‑disposta, competente, boa dona de casa. E é impossível.»

«A sociedade é muito cruel com as mulheres. No Brasil, ainda há uma questão estética terrível, parece que a brasileira tem de ser sempre magra, linda e jovem. É proibido envelhecer no Brasil.»

Os modelos de perfeição constroem­‑se, os padrões estabelecem regras, a sociedade está atenta e não facilita. «A sociedade é muito cruel com as mulheres. No Brasil, ainda há uma questão estética terrível, parece que a brasileira tem de ser sempre magra, linda e jovem. É proibido envelhecer no Brasil. É uma questão universal de cobrança em cima da mulher, do corpo da mulher, da vida da mulher. E o que é triste é que são as mulheres que ajudam a reproduzir isso.»

Ana Cardoso considera injusta esta dificuldade, acrescida para as mulheres, de conciliar carreira e maternidade. «Gerar um filho e cuidar dele nos primeiros meses é uma tarefa linda. A gente é responsável pela perpetuação da espécie humana e precisa de ter segurança e tranquilidade e não sentir que a vida vai ser prejudicada por isso», diz.

«Às vezes, chegamos a casa supercansadas e, se essas tarefas não são divididas, são trabalho invisível. Quem nunca limpou um banheiro não imagina o tempo que demora.»

No início do livro, Ana colocou a «tabela de sobrevivência para casamentos do século XXI» com uma lista de tarefas domésticas e do cuidar dos filhos com o espaço em branco para quem faz cada coisa ­– desde aspirar, mudar os lençóis, cozinhar, levar os filhos à escola, dar­‑lhes banho, adormecê­‑los. Um estudo que leu há uns anos dizia que a maioria dos casamentos não terminava por traição, mas sim por falta de cumplicidade.

A tabela que parece uma brincadeira é um assunto bastante sério. «Às vezes, chegamos a casa supercansadas e se essas tarefas não são divididas são invisíveis, é um trabalho invisível. Quem nunca limpou um banheiro não imagina o tempo que demora.»

Depois de um dia complicado, abre­‑se a porta de casa e só se pensa em tomar banho, jantar, dormir. «Mas é preciso dar banho aos filhos, pendurar a roupa, lavar a louça, tirar o lixo. É cansativo. Não tem como não ser uma pessoa cansada, stressada, e que não está feliz com aquela vida.» E quem não está feliz não tem felicidade para partilhar. «Nenhuma mãe cansada e infeliz vai criar um filho feliz», garante.

Respeito, empatia, saber olhar o mundo

Os pratos da balança deveriam estar equilibrados, o que nem sempre acontece. Maternidade e paternidade são funções a tempo inteiro. «Uma mãe que tem um pai do lado, mas cria um filho sozinha, que recado está dando para o seu filho ou para a sua filha? Que cabe às mulheres cuidarem e aos homens trabalharem. Que a rua, o espaço público, é do homem, e a casa é da mulher.»

E o que é realmente importante para a felicidade dos filhos? Pais preparados para um futuro que será muito diferente do presente é um bom começo. Um futuro com robôs, inteligência artificial, cada vez mais tecnológico. A educação é fundamental. A transmissão de conhecimentos, de valores, saber compreender o mundo. O que, para Ana, passa por uma visão sistémica das situações, saber lidar com pessoas, respeitar a natureza humana, seguir a intuição. E ouvir o outro.

«O desafio é não criar pessoas egoístas, autocentradas e que fiquem fechadas no seu próprio mundinho, e sim criar pessoas que compreendam a sociedade, o mundo, o outro»

Nesta geração de crianças e adolescentes, a escritora brasileira defende que é preciso insistir e desenvolver qualidades humanas como «o respeito, a responsabilidade, a empatia, o saber olhar para o mundo». «O desafio é não criar pessoas egoístas, autocentradas e que fiquem fechadas no seu próprio mundinho, e sim criar pessoas que compreendam a sociedade, o mundo, o outro», acrescenta. O que é difícil, mas não impossível.

Seja como for, as novas tecnologias estão aí, não há caminho de retorno. «A tecnologia tem uma série de vantagens, mas ela precisa de limites, tanto para adultos como para crianças. As crianças precisam de viver a vida real, ao ar livre, brincar com outras crianças, porque a tecnologia seduz, prende.»

Estar de verdade com os filhos. É isso que realmente importa para uma mãe. Top ou rock. O que for.

E quando prende, aumenta o stress, mais e-mails para responder, mais tarefas para executar. «É um negócio que vai drenando energia e deixa­‑se de ler, de passear, de
exercitar, de ficar de verdade com os filhos.»

Estar de verdade com os filhos. É isso que realmente importa para uma mãe. Top ou rock. O que for.

A Mãe É Top (ed. Presença, 12 euros) é a versão portuguesa do primeiro livro de Ana, A Mamãe É Rock.

A mãe é rock e é punk

No Brasil, Ana Cardoso acaba de lançar A Mamãe É Punk, um livro sobre a adolescência. Antes de escrever, estudou como o cérebro dos jovens funciona, falou com psicólogos, conversou com 200 mães de adolescentes.

Não há uma fórmula exata para mães e pais lidarem com esta fase cheia de medos: da violência, das más companhias, de substâncias ilícitas, do futuro. Mas há formas de estar. Basta pedir que tirem os auscultadores dos ouvidos para conversar com pais sérios e desinibidos, modernos e responsáveis, amigos e protetores, sinceros e divertidos. Sem julgamentos.

«O cérebro do adolescente ainda não está funcionando no ritmo que lhe permita tomar as decisões mais acertadas». Ana aconselha a estar próximo, escutar, dar atenção. «O adolescente ainda é uma criança, quer a gente por perto. A gente só tem de encontrar a forma correta de se relacionar.» A Mãe É Top (ed. Presença, 12 euros) é a versão portuguesa do primeiro livro de Ana, A Mamãe É Rock.