Amores em tempo de guerra

Há histórias de amor e de guerra que não aparecem nos livros. Agentes da PVDE que se apaixonaram por mulheres fugidas do franquismo. Mulheres da raia que se juntaram com rebeldes. Memórias que já só podem ser recordadas pelos filhos, pelos familiares e pelos amigos. Histórias que são como lendas, que ajudam a manter vivo um espírito único na cunha montanhosa que ocupa o vasto território que vai do rio Minho ao rio Lima.

Dizem que o Rodeiro, em Castro Laboreiro, é o fim do Mundo. Quando acaba, acaba mesmo. Não há mais estrada. Dalí vê-se o planalto. A raia seca. É Portugal do lado de cá e Espanha do lado de lá, mas é terreno com terreno. Caminhos esbatidos para os que há séculos ali convivem. Foi por esses marcos, que não falam, que passaram contrabandistas e refugiados.

Depois da fronteira encontraram o amor, essa casa onde muitos se aninharam nos tempos da Guerra Civil espanhola. Mergulharam a cabeça da mais nova nas frias águas do rio. “Onde estão escondidos os galegos?” Nada. As agressões continuaram em casa. Pontapearam e bateram em António Domingos Rendeiro, o pai da pequena. “Onde esconderam os galegos?” Nada. A tortura já durava há algum tempo e continuaria, mas Eudosia Lorenzo Diz não suportava mais. Saiu do fosso cavado na pedra, sob a lareira da cozinha, onde ela e os pais se tinham refugiado, ali no Rodeiro. “Não batam mais no homem, que ele não tem culpa.”

Os métodos violentos dos agentes da PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – não constam do relatório de 17 de maio de 1938, o dia em que fugitivos espanhóis foram encontrados. Tampouco mostram o deslumbramento de João Guilherme da Cunha, o chefe do posto de Melgaço que, naquela data, tinha ido com mais seis guardas à casa dos Rendeiros com o intuito de capturar pai, mãe e filha. No caminho que fizeram a pé, pelo monte, do Rodeiro até à prisão de Melgaço, Eudosia contou ao seu carrasco a história que os tinha levado ali. Tudo tinha começado dois anos antes.

Agustin Lorenzo Puga era capador na zona do Grou e na serra portuguesa. Vivia em Fradalvite, Ourense, e era conhecido como o Masidario. Basilisa Diz Gonzales, a mulher, era lavradora. Tinham três filhos: dois rapazes e a jovem professora Eudosia.

Numa noite de junho de 1936, um mês antes do golpe de Estado falhado contra o governo da Segunda República espanhola que conduziu à Guerra Civil, o Masidario regressava a casa no seu cavalo quando foi vítima de uma tentativa de extorsão. Armado livrou-se dos agressores disparando para o ar.

Na sequência desse acontecimento, Agustin é obrigado a entregar a pistola às autoridades municipais. Dias depois recebe em casa uma carta dos falangistas. Queriam que pagasse 50 mil pesetas, um imposto revolucionário, caso contrário ele e a família iriam sofrer. A decisão foi tomada na hora: cada um preparou uma mochila com a roupa indispensável e saíram separadamente de casa para não levantar suspeitas. O destino era a franja portuguesa de Castro Laboreiro, onde o capador tinha amigos, acumulados ao longo dos muitos anos de ofício.

Entraram clandestinamente, fugidos dos inimigos franquistas. E uma vez cá passam a ser procurados também pelas autoridades portuguesas. Os irmãos de Eudosia acabam por regressar a Espanha algum tempo depois. A professora fica com os pais. Durante dois anos vivem escondidos, com a ajuda de algumas famílias castrejas, entre as brandas e as inverneiras da Serra da Peneda, os núcleos habitacionais temporários utilizados pela povoação para que o gado tivesse sempre pasto fresco, verão e inverno. Sobreviveram misturando-se. Elas disfarçadas de castrejas, com capas negras como as moças da terra, ninguém as reconhecia, nem mesmo a guarda.

Aproveitando a calmaria, Eudosia começou a ensinar clandestinamente as gentes a ler, a escrever e a fazer contas. Delfina Fernandes foi uma das alunas.

“Tinha 15 anos quando ela veio para a nossa inverneira, no lugar da Alagoa. Dormimos juntas. Ela, eu e a minha irmã. Na mesma cama, para não levantar suspeitas”

Aos 97 anos há coisas que se esquecem, mas não o essencial. “Ensinou-me a numeração, a ler as parcelas até um milhão e a tabuada. A mim e a outros. Ela era amável. E linda. Foi por caridade que os meus pais os acolheram.” Delfina faz eco do que todos dizem por ali.

“Naquela época havia muitos refugiados. Escondiam-nos como se fossem pessoas de cá. Toda a gente lhes deu abrigo. Mesmo sendo pobres dava sempre para alimentar mais um.” Porém, apesar do aparente sossego, a pressão das autoridades franquistas para que os encontrassem nunca desapareceu. Divulgaram o nome dos três como sendo gente “perigosa para a causa nacional”

Quando a estação mudou, a família foi acolhida pelos Rendeiros, na branda do Rodeiro, e ali foram apanhados após denúncia. Delfina lembra-se bem: “Houve um gajo aqui de Castro que teve problemas com a polícia e quando foi apertado revelou a zona onde eles estavam.” Nessa altura, a PVDE aproximou-se da casa de António Domingos. Torturou a família para que confessassem o esconderijo dos galegos. “Bem que podiam matá-los que eles nunca falariam”, assegura Delfina.

O PVDE que se apaixonou

Chegados à prisão de Melgaço, e depois de ouvir a história pela boca de Eudosia, João Guilherme da Cunha, o chefe da PVDE que os havia prendido, “já ia encantado por ela”. A bem dizer, “foi amor à primeira vista”, conta Delfina, com um sorriso maroto, explicando que a “professorinha” (como é recordada em Castro), além de “pimpolha”, sabia “falar bem”. Rendido à jovem, o guarda decide ajudar os galegos. “Se ele não fosse casado teria ficado com ela.”

Aos franquistas é comunicada a prisão dos três, mas salienta-se que “devem estar inocentes da acusação que lhes é imputada pelas autoridades espanholas”. Aos olhos do chefe do posto de Melgaço, as acusações eram fruto de “vingança pessoal”, uma vez que Eudosia declarava ter “terminado o namoro com um seu colega, professor e falangista, optando por um advogado que, segundo consta, era esquerdista” e havia entretanto morrido na frente de guerra. Por esse motivo, a família começara a ser perseguida. O relatório termina justificando que, depois de “ameaçados de morte”, os galegos “fugiram para Portugal”.

Ainda que inocentados das acusações franquistas, Eudosia e os pais deviam permanecer em regime de prisão. Contudo, após três dias de cativeiro, mãe e filha foram transferidas para o hospital da Misericórdia de Melgaço, onde passaram a ajudar as freiras a cuidar dos doentes. Já o capador continuou preso.

Durante três meses, tudo foi feito para que obtivessem documentação para saírem do país. Os passaportes e salvo-condutos terão sido facilitados pelo cônsul francês em Lisboa. Mas antes de os meter no comboio que saiu de Melgaço rumo à capital, João Guilherme da Cunha ofereceu a Eudósia um crucifixo. Objeto que ela emoldurou no quarto, quando anos depois pôde regressar a Fradalvite. Uma vez em Lisboa, os três esperaram dez dias pelo vapor Jamique, que os levou para Casablanca, em Marrocos. O medo da morte só passou quando chegaram ao continente africano, às 19 horas do dia 11 de agosto de 1938.

Delfina soube que os amigos estavam a salvo, mas passaram mais de 50 anos até voltar a ter notícias de Eudosia. “Um dia ela escreveu ao nosso padre Aníbal. Foi uma alegria.” Disse-lhe o clérigo: “Tive uma carta da professora que esteve com os seus pais.” Apressou-se a pedir o endereço e “no dia seguinte, no monte com o gado”, agarrou “num papel de 25 linhas e, em cima de uma das vacas”, escreveu-lhe “a dizer que era viva”.

Ainda se encontraram três vezes depois disso. Eudosia morreu em 2004, mas a história da professorinha é conhecida em cada canto de Castro. “O polícia que a prendeu, e que arranjou tudo para os meter no comboio e no barco, chegou a dizer por aqui: ‘Aquela gentinha, se eu tinha dado com eles antes, não tinha sofrido tanto.’ E verdade se diga, os que vinham não tinham crime, fugiam das armas. Fugiram porque os tiravam de casa durante a noite para os matar. A guerra de Espanha foi a coisa mais escandalosa do mundo inteiro”, lamenta Delfina

O conflito foi sangrento. Começou em 1936, quando os militares espanhóis se revoltaram contra o governo republicano, dando o primeiro tiro de uma guerra civil que se estendeu até 1939. Apoiantes de esquerda e de direita digladiaram-se durante vários meses nas ruas. De um lado posicionaram-se as forças do nacionalismo e do fascismo, aliadas ao Exército, e à Igreja. Do outro estava a Frente Popular, que formava o Governo Republicano, representando os sindicatos, os partidos de esquerda e os partidários da democracia.

A Guerra Civil Espanhola terminou com a vitória dos nacionalistas ou do Movimiento Nacional. A República instaurada em 1931 foi esmagada e Francisco Franco passou a governar. Iniciou o franquismo, que caiu anos depois da morte do seu mentor.

Foram 39 anos de ditadura. De repressão. De gente a fugir à fome, à guerra. A saltar a as fronteiras, de Norte a Sul de Portugal. E a serem acolhidos do lado de cá. À revelia de Salazar que usou as forças que tinha para apanhar e expulsar os fugidos para Espanha. Para a morte

A população de Castro Laboreiro teve um papel fundamental na sobrevivência de grande parte dos refugiados. Os castrejos esconderam os galegos em nome de uma solidariedade fraterna sem fim. Nos relatórios da Guarda Nacional Republicana e da PVDE foi com frequência referido que havia “na Serra de Castro Laboreiro e na província da Peneda grande número de refugiados espanhóis”, sobre os quais eram aguardadas informações do paradeiro certo “para proceder às respetivas capturas”.

No entanto, as próprias autoridades reconheciam a dificuldade da missão. Devido às características do terreno mas também à proteção que muitos castrejos davam aos fugidos. Um relatório da PVDE de 27 de setembro de 1937 refere que “nas regiões montanhosas de Castro Laboreiro encontram-se escondidos nas furnas, em plena montanha, desde princípio da guerra em Espanha, bastantes espanhóis. Esta polícia tem feito algumas surtidas que, dada a configuração do terreno e uma frente de 50 quilómetros, têm sido pouco profícuas”.

E em 1940, um comandante da GNR destacado para a região de Castro para acabar com a presença mais do que evidente dos refugiados, queixava-se aos seus superiores da empreitada que lhe tinha sido confiada. “Uma batida completa à serra, dada a imensidade desta, exigiria milhares de homens e, em virtude da carência de estradas e caminhos capazes e da falta de recursos, julgo-a impraticável. Enquanto aquela região, pela ausência quase completa de vias de comunicação, estiver, como está, isolada do resto do País, será sempre um possível refúgio […]. A população vive a vida mais miserável que é possível imaginar-se.”

O tio galego

Maria de Fátima Afonso nasceu depois destes relatórios mas ainda testemunhou a humildade e a pobreza do lugar. A professora Fátima, como é conhecida, mora há 63 anos na Várzea Travessa, em Castro Laboreiro. Apesar da tenra idade, recorda a existência de um tio com sotaque diferente que, só mais tarde soube, se refugiou em Portugal fugido da Guerra Civil espanhola. Era o tio Galego. Casado com a tia Rosa Pintora.

Por muito que puxe pela cabeça só se lembra do sobrenome, Ojea Blanco. “Sentava-me à beira dele enquanto ele fazia os cestos de vime, e a minha tia penteava-me com água e açúcar, para me segurar o cabelo.” Viveram ali bastantes anos sem serem incomodados. Trabalhavam na agricultura, nos muitos terrenos que possuíam. “Tiveram dois filhos, com nomes espanhóis. A rapariga era Gomercinda, o rapaz Juanito.” Quando em Espanha “a coisa amainou, eles mudaram-se para Ginço de Lima, o local de onde ele era natural”. Como se conheceram ninguém sabe. Mas era natural. Viviam próximos da raia. Eram vizinhos.

A castreja não tem memória de algum dia a polícia ter andado na Várzea. “Aqui nunca veio ninguém à procura dele. Não que eu saiba.” Se tal acontecesse, o fim da história é conhecido. “Claro que a polícia andava no encalço deles, mas se passassem aqui e perguntassem se tínhamos visto alguém, a gente dizia que não e pronto.”

O tio Galego gozava de boa reputação. “Era muito boa pessoa, amigo do lugar e as pessoas gostavam dele.” O instinto protetor parecia gravado na alma de Castro. “Aqui costumava dizer-se: um por todos e todos por um. Se houvesse qualquer problema, a vizinhança acudia toda. Era um meio comunitário, era a civilização castreja.” Um meio habituado aos galegos e pronto a fazer frente a Franco. “Aqui houve muitos casos de espanhóis que se juntaram com portuguesas. Depois foram para Espanha. E a minha tia também foi, mas já os filhos eram crescidos. Aqui o povo protegia sem medo. Eles atravessavam e refugiavam-se aqui, por ser um sítio muito pacato. Não havia gente má, também não se saía tanto. Vivia-se naquele pedacinho.”

Além do mais, e fazendo referência ao relatório da PVDE citado há pouco, era do conhecimento comum que por ali “havia polícias bons e maus”. Todavia, os “que se deixavam comprar eram a maioria”, confirma a professora Fátima. “Eles sabiam bem que as pessoas aqui iam buscar farinha, azeite e tudo [à Galiza], porque em Castro não tinha nada.” E as autoridades também fechavam os olhos aos galegos. “Os espanhóis têm esse sentimento de gratidão por causa do acolhimento. Ficamos sempre com esta amizade.” Mais: “Até se diz que somos irmãos.”

“Onde há mulheres e homens acontecem histórias de amor e há descendência, ainda para mais entre povos que conviviam diariamente e que tanto tinham em comum”, explica Américo Rodrigues, do Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro. “Por isso, para nós, a raia é um espaço de liberdade. A guerra só aproximou mais castrejos e galegos”

Sem possibilidade de apresentar números exatos, todos dizem que por Castro passaram centenas de refugiados. “Algo que foi possível porque a raia seca é muito fácil de ultrapassar”, prossegue Américo Rodrigues. “Nos primeiros tempos da guerra, os polícias portugueses nem sabiam bem o que fazer. É que os que fugiam eram inocentes. Vinham para não ter de morrer a combater.”

Nesse espírito de solidariedade, revela o investigador, muitos castrejos foram presos por acolher refugiados. “Se o conflito fosse do lado de lá, nós também seríamos ajudados por eles”, defende, argumentando que as redes de amizades dos negócios clandestinos foram uma alavanca para os que fugiam. “O contrabando aqui era uma forma de se ganhar a vida e de sobrevivência.” Contrabandeava-se azeite, café e bens de primeira necessidade, “não era droga”, remata Américo.

Nove anos sem ver o pai

Matavam-nos a tiro. Mataram tantos, que ela bem ouviu. Ela e muitos dos antigos de Castro Laboreiro. Por vezes, à noite, as balas que furavam os corpos ecoavam no silêncio. Ainda hoje o fazem, mas só na memória dos poucos que sobram daquele tempo. “Matavam-nos pelos montes fora.” Aos “rojos”, os que não alinhavam no regime fascista de Franco. “Ainda lhes posso mostrar por onde fugiam”, diz, apontando para as montanhas que a rodeiam.

Lucinda Alves tem o sobrenome da mãe portuguesa, mas tem sangue espanhol a correr-lhe nas veias e nas palavras. “Já a minha avó me dizia que esta aldeia foi montada por refugiados.” Vestida de negro, abre os braços ao vento, ali no alto, ao lado do cemitério, depois de ter mostrado a campa dos pais, um refugiado da Guerra Civil e uma lavradora castreja.

“Sou filha da guerra. Não fosse ela, eu não estaria aqui.” Sendo que esse “aqui” é um lugar chamado Além, algures no Ribeiro de Cima, em Castro Laboreiro. Uma das terras que durante o conflito da vizinha Espanha mais terá acolhido refugiados

A guerra, garante, está marcada no coração das pessoas. “Deus nos livre dela. Eu nem gosto de falar sobre isso. Mas deixem-me contar esta que, para mim, é a história mais importante.” Bate com a mão no peito e pede novamente. Na verdade, não pede – suplica, já com o choro a embargar-lhe a voz. Tinha ela uns sete anos quando ouviu a avó gritar o nome dos dois filhos. “Ai meu Jaime, ai meu Manel!” Um chamamento desesperado que ainda parece ouvir aos 78 anos. “Deixem-me contar, que eu era canalha, mas ainda tenho isto aqui ‘atrancado’ no peito. Choro porque me lembro. Eu que sou mãe de três só posso imaginar o que ela sofreu. Já as tenho tido boas, mas nenhuma foi como aquela por que passou a minha avó, que não sabia dos filhos fugidos.”

Quando a guerra estalou em Espanha, Manuel Vasquez, pai de Lucinda, escapou para o Além, que fica depois de Rio de Ossos e antes de Terços. Manuel era de Entrimo, um município raiano da província de Ourense. E era contra Franco. “Se o apanhavam matavam-no.” Então fugiu para Portugal e o irmão Jaime para França. Manuel escondia-se onde podia, nas casas dos amigos portugueses. E corria para os montes quando recebia avisos de que as autoridades portuguesas andavam à caça de fugitivos espanhóis.

“Entretanto, ele arranjou namoro com a minha mãe, uma mulher divorciada. Não sei como aconteceu porque não havia grandes explicações”, aponta Lucinda. O certo é que Ermezinda, que Lucinda descreve como “um pedaço de uma mulher”, andava “às escondidas” porque o “Manuel não podia estar em sítio fixo, não fossem os fiscais andarem por aí à procura de refugiados”. Mesmo que a maioria do povo os encobrisse, “porque a gente era humana”, todo o cuidado era pouco. Até porque entre eles havia bufos. Poucos, mas existiam.

Ermezinda e Manuel tiveram duas meninas. O irmão de Lucinda, a mais nova, morreu há pouco mais de um ano. De todo o modo, é ela quem se lembra de “mais cousas”. Quando o pai emigrou para França ela tinha sete anos; a necessidade levou a que entrasse clandestino em França, onde a grande procura de mão-de-obra na construção civil proporcionava um salário fixo. Eram 850 escudos por mês, enviados pelo correio.

Lucinda foi quem “deu fôlego” à mãe até o pai regressar, tinha ela 16 anos e estava prestes a casar. No regresso, Manuel foi apanhado e ainda passou uns meses na cadeia de Ourense, até que a madrinha, com contactos, o conseguiu tirar de lá. “O meu pai tinha de tudo. A minha mãe gostava dele, embora ele por vezes bebesse uma pinguinha a mais. Se calhar pelos passados que teve, porque não foi fácil.”

Manuel morreu em 2002, a mãe em 2005. “Tenho aí um bocadinho de terreno. Uma horta que ando a trabalhar. Eu nem sou muito de falar. Mas não hay dia nem noite que esqueça o meu passado. Está todo aqui”, aponta para a cabeça. E, devagarinho, pousa a mão sobre o peito.