O amor também nasce no laboratório

Texto de Cláudia Pinto

Depois de um desgosto amoroso, e ao final de seis anos de um relacionamento que não deu certo, Helena já não acreditava em histórias felizes. Até que viu um anúncio dos serviços de uma agência matrimonial numa revista. Inscreveu-se pela primeira vez em 2006 na Amore Nostrum, sediada no Porto, teve uma consulta com uma psicóloga, respondeu a testes de personalidade e aguardou.

Após duas tentativas que não correram bem, e numa fase em que não tencionava voltar a recorrer aos serviços da agência, foi à terceira que conheceu o atual marido, em 2012. Depois de entrevistas e respostas a testes de personalidade, pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas, cujo objetivo passe por ter um relacionamento sério – a agência não promove os encontros ocasionais -, uma equipa de psicólogos sugere a união de perfis compatíveis e as pessoas encontram-se pela primeira vez com a supervisão dos mesmos.

“A partir daí, são os clientes a decidir se querem continuar a ver-se e se querem trocar números de telemóvel ou outras informações”, explica a psicóloga e coordenadora da agência, Liliana Paiva.

Helena relembra o primeiro momento. “Houve uma atração imediata. A maneira como o Nuno olhou para mim dizia-me que ia acontecer algo mais entre nós”, conta. Trocaram os contactos respetivos, não se voltaram a ver na primeira semana, mas mantiveram o contacto por SMS e, ao final de 15 dias, Helena apresentou o já namorado a toda a família.

“Apesar de acharem que era muito cedo, os meus pais gostaram logo dele.” Seguiu-se um ano e meio de namoro, momento em que decidiram viver juntos. Têm uma filha de dois anos e casaram-se em outubro passado. “Estamos juntos e felizes, temos o fruto do nosso amor e isso é o mais importante. Acredito no destino e acho que fiz a escolha mais acertada”, assegura Helena.

Liliana Paiva conta à “Notícias Magazine” que a Amore Nostrum foi criada em 2013 e tem mais de 20 mil clientes, dos 19 aos 80 e muitos anos. “Temos psicólogos a trabalhar connosco e funcionamos com estudos de compatibilidade realizados com base numa bateria de testes de personalidade”, sustenta.

Todos os atendimentos são feitos presencialmente com o objetivo de conhecer melhor os candidatos. Logo numa primeira consulta, é feita uma recolha das características físicas, sociais e psicológicas do cliente avaliando-se ainda que tipo de pessoas gostaria de conhecer. O perfil psicológico assenta em informações relacionadas com os valores que a pessoa defende, se fuma, os gostos e hobbies, se tem filhos ou gostaria de ter, entre outras informações.

“O nosso trabalho vem contrariar a velha máxima ‘os opostos atraem-se’. Somos a prova de que tentar unir desconhecidos, através desta metodologia, resulta e funciona”, frisa Liliana Paiva.

Primeiro, a química
Será a ciência capaz de demonstrar que é possível levar solteiros a encontrar o par ideal? O programa “Married at first sight”, um original dinamarquês, transmitido atualmente em 13 países e com adaptação portuguesa a estrear em outubro, na SIC, funciona com o mesmo pressuposto das agências matrimoniais com a diferença de que os solteiros se casam com uma pessoa que nunca conheceram. A primeira vez que se veem é já no altar, seguindo-se a lua-de-mel e sete semanas de vida conjunta até decidirem se mantêm o matrimónio ou optam pelo divórcio.

Segundo os especialistas, primeiro vem a atração e a tão chamada “química” entre duas pessoas. Só depois o amor. “A grande maioria dos estudos internacionais que se debruçam sobre esta temática tem vindo a desmistificar a ideia de amor à primeira vista, considerando-o como uma ilusão, uma memória romântica que os casais criam sobre a própria relação”, analisa Catarina Lucas, psicóloga e terapeuta de casal.

Surge assim um interesse pelo corpo, pelos traços físicos, pela beleza exterior (que varia segundo a perceção de cada um). “O primeiro encontro é repleto de inverdades, coisas que dizemos para agradar, para seduzir e para despertar o interesse. É difícil que daqui surja logo o amor”, acrescenta.

E, afinal, qual é o papel das hormonas e da componente química em todo o processo? “As mesmas conduzem à atração pelo outro, através do cheiro, da voz, do aspeto, provocando uma reação química, aumentando a produção de testosterona no homem e de estrogénio nas mulheres. Todavia, passado um tempo, essas hormonas deixam de ser libertadas sendo substituídas por outras que nos fazem sentir mais calmos”, refere Catarina Lucas.

Vera Ribeiro é psicóloga clínica, sexóloga e autora do livro “Manual de Sedução”, editado pela Manuscrito, e consubstancia essa teoria. “Posso dar o exemplo das feromonas, captadas pelo olfato, que fazem assinalar uma resposta química e fisiológica no outro.” Do ponto de vista da sexologia, “os intitulados ‘mapas sexuais’ estão associados a um padrão intrínseco sexual presente em cada um de nós. Quando olhamos para alguém, esse mapa encaixa ou não naquilo que estamos a ver. Se encaixar, então temos atração, como se de um puzzle visual se tratasse”, sublinha.

E é possível passar a ser amor desvanecida que é a intensidade dos primeiros momentos? Apesar de existirem registos de gerações anteriores com casamentos que resultaram e que ocorriam sem tempo suficiente para que as pessoas se conhecessem, as dinâmicas sociais são hoje muito distintas. “Estávamos numa época de maior dependência financeira da mulher em relação ao homem e em que determinados comportamentos eram aceites e tolerados, onde o divórcio não era visto com bons olhos. Atualmente, as relações são muito exigentes, já não nos sujeitamos à infelicidade. Hoje, procura-se o bem-estar e não se tolera tanto o conformismo”, considera Catarina Lucas.

O que sustenta o amor?
Dependendo da idade, existem motivações que condicionam as pessoas a procurar um relacionamento sério, desde logo, o avançar da idade e a solidão. “Na minha consulta, são muito frequentes os relatos que revelam impaciência por encontrar alguém. A solidão e o desejo de termos uma pessoa na nossa vida podem criar alguma confusão de sentimentos e emoções, levando-nos a interessar por pessoas que, noutras circunstâncias, não nos despertariam a mesma atenção. É também possível que haja uma maior correspondência às investidas de alguém, pelo desejo de não estarmos sozinhos”, observa a terapeuta de casal.

No programa “Married at first sight”, uma das principais queixas dos candidatos é precisamente o facto de não terem ninguém à espera em casa, quando voltam de um dia de trabalho.

Sofia [nome fictício] tem 33 anos e está separada há seis meses. Conheceu o ex-companheiro numa festa com amigos em comum e não demorou até que trocassem mensagens e começassem a sair juntos. “As coisas foram acontecendo. Começámos a namorar e a verdade é que, sem nos apercebermos, já estávamos a viver juntos dois ou três meses depois. Eu vivia sozinha na altura e ele começou a ficar em minha casa, pois não se justificava pagarmos ambos uma renda”, conta.

A simpatia, a ambição e o facto de o namorado fazer planos para um futuro em conjunto foi o que mais agradou a Sofia. A sintonia era quase perfeita. “Dávamo-nos bem e concordávamos na maior parte das coisas, tínhamos gostos em comum, atividades parecidas, como viajar e ir jantar fora. Como tudo corria bem, pareceu-me que tinha encontrado a pessoa certa. Não achei logo que as personalidades tinham encaixado, mas acreditei que, com o tempo, isso ia acontecer”, confessa.

A realidade acabou por ser um pouco diferente com uma adaptação difícil e uma relação diária marcada pelo afastamento. “Quando demos por nós, parecíamos dois colegas a partilhar casa, discutíamos muito e, com o tempo, apercebi-me que ele não estava disposto a mudar alguns hábitos, dedicava muito tempo ao trabalho e havia algumas interferências familiares”, destaca.

O casal esteve junto durante três anos e chegou a comprar casa. Olhando para trás, Sofia acha que poderá ter-se precipitado. “Percebi que não conhecemos uma pessoa em dois meses. Os problemas só começaram depois e penso que não tínhamos maturidade suficiente para levar a relação em conjunto”, admite. Procurou ajuda especializada recorrendo a uma psicóloga, reorganizou as rotinas e recomeçou. “Estou melhor agora, mas não foi fácil. Sinto que a idade passa e que perdi a oportunidade de ter uma família, mas continuo a acreditar no amor.” O seu projeto de vida mantém-se.

O erro pode não estar na rapidez com que se oficializa uma relação, defende a sexóloga Vera Ribeiro. “O problema está na dificuldade em duas pessoas se conhecerem e saberem o que realmente procuram. Quanto mais se souber para onde e com quem caminhar, mais acertada será a escolha do/a parceiro/a.”

Os testes de personalidade conseguem avaliar a compatibilidade entre duas pessoas. Disso parece não haver dúvidas. Os desafios surgem depois. “A sociedade está a passar por grandes transformações e hoje tudo acontece muito rapidamente. As pessoas conhecem-se, envolvem-se e, às vezes, sem se aperceberem, conscientemente ou não, já estão a viver juntas. De forma rápida e fácil, sem necessidade de muito investimento, sem amadurecimento da relação, sem construção do amor, sem que as dificuldades ou a diminuição da paixão tenham ocorrido. Depois, de forma igualmente rápida, são relações que se desfazem, talvez porque não tenham sido consolidadas”, conclui Catarina Lucas. E é nesse momento que a frase “viveram felizes para sempre” deixa de ter lugar.

“Casados à primeira vista” para os solteiros portugueses

Define-se como uma experiência social única para encontrar o amor e o par ideal. Suportada em testes científicos, uma equipa de especialistas junta pessoas com características comuns mudando-lhes o estado civil. Passam de solteiros a noivos e acabam mesmo por casar com um/a desconhecido/a. São esses os ingredientes do reality show “Casados à primeira vista”, adaptado pela SIC, com estreia prevista para outubro e apresentação de Diana Chaves. Atualmente, a SIC Mulher está a transmitir as versões inglesa, espanhola e neozelandesa do programa, mas é chegada a vez de os solteiros portugueses se candidatarem.