Como ajudar os filhos a lidar com as derrotas

Foto: Rui Oliveira/Global Imagens

Analisar as falhas, não inventar desculpas, refletir sobre os erros, gerir emoções, estimular o rigor, elogiar a dedicação. Incentivar e não punir. Sem pressões ou comparações.

Anota que podia ter sido melhor, o jogo que não correu como esperado, a audição de música com mais ansiedade e suor do que o costume, aquele dia que até podia não ter acontecido. “Acima de tudo, é necessário que percebam que a falha é importante, que reflitam sobre o que aconteceu, que entendam as razões, para que percebam o que têm de melhorar”, diz Cláudia Azevedo, enfermeira, mãe de Carolina Teixeira de 13 anos, no 8.º ano, e Francisca Teixeira de oito anos, no 4.º ano.

O pai Paulo Teixeira, gestor comercial, concorda. “Falhamos todos os dias, enquanto seres humanos. É necessário saber gerir o tempo e as prioridades, treinar os índices de concentração.” Sem dramas e sem pressões. Com discursos positivos e bons exemplos. “A vida não é só feita de sucessos, de vitórias, de coisas boas. Mas temos de dar o nosso melhor, tentar fazer as coisas bem feitas”, acrescenta.

“A vida não é só feita de sucessos, de vitórias, de coisas boas. Mas temos de dar o nosso melhor, tentar fazer as coisas bem feitas”
Paulo Teixeira

A perfeição não existe, as falhas acontecem, as derrotas fazem parte da vida. Fala-se no assunto, partilha-se o que não deixa a cabeça sossegada, conversa-se em família, segue-se em frente. Carolina toca guitarra e joga andebol, já praticou basquetebol e dança. Francisca toca piano e pratica natação. Carolina é mais crescida, Francisca é mais criança. E as abordagens dos pais adaptam-se a cada uma.

Cláudia e Paulo acreditam que há sempre uma solução para tudo, que uma nota abaixo das expectativas é reversível com um bom desempenho a seguir, que as derrotas nos jogos dão estofo para lidar com contrariedades. “O mundo cor-de-rosa não existe. Se acham que tudo é perfeito, quando crescerem não vão conseguir lidar com obstáculos e ultrapassá-los”, refere Cláudia, que tenta ver o lado bom das coisas.

“O mundo cor-de-rosa não existe. Se acham que tudo é perfeito, quando crescerem não vão conseguir lidar com obstáculos e ultrapassá-los”
Cláudia Azevedo

As falhas não têm de ser uma dor de cabeça. No desporto, a palavra de ordem lá em casa é que se divirtam, que se sintam bem e que tentem dar o melhor. “Passar por momentos menos bons só as faz crescer. Só conseguem ser melhores se passarem por essas situações”, considera a mãe, que vê nas pedras que surgem no caminho oportunidades para construir pontes. Oportunidades para aprender.

A família de Cláudia Azevedo e Paulo Teixeira tenta perceber as razões dos insucessos para saber o que pode melhorar no dia-a-dia. (Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Ignorar o que acontece não é uma boa estratégia. Comparar também não. “Gostamos de dar bons exemplos, para que tenham sucesso no dia-a-dia. São estímulos para nós, para tentarmos sempre melhorar.” E, além disso, afastar aquele peso e obrigação social de que é preciso vencer sempre e ser o melhor em tudo. Os erros ajudam a evoluir. “Por muito que nos custe ouvir, é necessário falhar, sentir tristeza, ansiedade. Estas experiências são fundamentais ao crescimento delas”, comenta Cláudia.

“Por muito que nos custe ouvir, é necessário falhar, sentir tristeza, ansiedade. Estas experiências são fundamentais ao crescimento delas”
Cláudia Azevedo

E Paulo adiciona: “Por muito que nos custe, temos de ser calmos, ponderados, positivos, tentar mostrar o outro lado, que não é o fim do mundo. Em cada fase da vida temos abordagens diferentes. Temos de deixá-las crescer, bater com a cabeça na parede. Deixá-las errar”.

Roberto Carlos Reis, historiador e professor universitário, e Carla Barros, bancária e violonista, não têm televisão na cozinha e aproveitam as horas das refeições para falar do dia, da escola, do trabalho, do que correu bem e do que correu menos bem. Os filhos Paulo Reis de 12 anos, no 7.º ano, e Inês Reis, de sete anos, no 2.º ano, habituaram-se a partilhar os dias que passam, os momentos que vivem. Paulo está na pré-adolescência, é um miúdo sensível, toca guitarra e joga futebol. Inês é pragmática, assertiva, toca violino e faz dança.

“Procuramos sempre não valorizar um momento de falha, um momento menos positivo. Procuramos perceber o que aconteceu e, mediante isso, encontrar uma estratégia para que aquele momento de menor conforto se torne um ponto de partida para ser superado”, observa Roberto Carlos, que não acredita que haja uma fórmula mágica que se aplique de forma igual e contínua para banir falhas e erros.

A família é educada em valores cristãos de honestidade, verdade, generosidade, solidariedade, e o diálogo constante e um acompanhamento permanente são, para Roberto Carlos, o segredo para lidar com as contrariedades que, no fundo, ajudam a crescer e a seguir em frente. A enfrentar episódios mais delicados. “Nos momentos menos bons tentamos que percebam que, ao longo da vida, não vão ter um mar de rosas.”

“Nos momentos menos bons tentamos que percebam que, ao longo da vida, não vão ter um mar de rosas”
Roberto Carlos Reis

Preparar para o futuro é sempre importante. E as conquistas também fazem parte do processo. Um bom jogo, uma boa nota, uma peça inspirada de guitarra ou de violino não passam ao lado da família. “Estamos atentos às suas conquistas, damos-lhes os parabéns, motivamos.”

Ganhar e perder, lidar com a frustração

Há um tempo, o pediatra Mário Cordeiro foi assistir a um torneio de voleibol em que um dos seus filhos participava. As crianças jogavam num grande pavilhão, em vários campos, e os pais estavam nas bancadas, mais acima. “Fiquei espantado com os gritos, berros e até palavrões que os pais dirigiam aos filhos quando eles falhavam uma bola. Não se tratava de incentivar, tratava-se de punir. De se irritarem. Como se fossem eles, pais, que estivessem em causa, ou a sua parentalidade”, salienta.

Foto: Gonçalo Villaverde/Global Imagens

Todos querem vencer, ser o primeiro tornou-se uma obsessão, esmagar o adversário e mostrar as suas fragilidades entraram no quotidiano. Mas o caminho não é por aqui. Vencer e perder fazem parte da vida. E, na hora da derrota, não há que inventar desculpas esfarrapadas, há que analisar os erros, as falhas, o que correu mal para poder melhorar, aperfeiçoar e ter mais hipóteses de ganhar.

Sentir a derrota é normal, achar que nunca mais se vai ganhar também, mas os pais têm de desmontar esse discurso e mostrar que é sempre possível melhorar, entendendo os limites. “Ganha-se e perde-se. Claro que, na altura das derrotas, os filhos ficam tristes, até porque pensam que ‘não há mais mundo para lá daquele momento’. Há que dizer que sim, que há mais marés do que marinheiros e consolá-los na sua tristeza em vez de, como vi nesse dia, zurzirem nos filhos porque ‘jogaram mal’.”

Ganhar ou perder é relativo, sobretudo em coisas não essenciais. E não é apenas nos momentos mais felizes e positivos, em que se batem palmas, que os pais devem estar presentes. O diálogo é sempre importante. “Os pais não podem querer ver nos filhos aquilo que lhes correu bem e quererem repetir, aquilo que lhes correu mal e quererem corrigir, aquilo que nunca fizeram e querem fazer. Os filhos têm a sua vida, os seus gostos e os seus talentos. Ajudar a aprender, ensinar, estimular o rigor e o aperfeiçoamento são os deveres dos pais”, sublinha Mário Cordeiro.

“Os pais não podem querer ver nos filhos aquilo que lhes correu bem e quererem repetir, aquilo que lhes correu mal e quererem corrigir, aquilo que nunca fizeram e querem fazer”
Mário Cordeiro
pediatra

Aprender com as perdas e com as derrotas é fundamental num mundo que digere mal os fracassos e se habituou a hiper proteger os mais pequenos. E a derrota de um filho não é a derrota de uma mãe ou de um pai. “Quando, ao longo do seu desenvolvimento, a criança é confrontada com o fracasso ou com a perda, tem em cada uma das perdas uma oportunidade de aprender. Aprender naquilo que falhou, aprender como melhorar, aprender a valorizar o esforço do outro e como foi merecedor da vitória”, realça Helena Gonçalves Rocha, terapeuta familiar, licenciada em Educação Especial e Reabilitação e mãe de dois filhos.

Esses momentos são também oportunidades de os pais servirem de modelos aos filhos na forma de superar os erros, as falhas, as derrotas. Os pais são sempre um guia, no passado, no presente e no futuro. E uma das formas de ajudar é mudar a forma como se olha para o fracasso. Não como algo errado, mas como um resultado que pode conduzir a algo de bom. “O fracasso, muitas vezes, é a consequência de tentar algo novo. O fracasso também é a única maneira de realmente aprender”, sustenta a especialista.

O insucesso não pode ser uma pedra no sapato. É preciso ensinar a lidar com a frustração, incentivar para novos desafios sem ter medo de falhar. Urge aumentar a autoconfiança, não temer cair. Os pais devem apoiar e ouvir os filhos nas derrotas, ajudá-los a compreender as suas emoções, a colocarem-se no lugar do outro, a refletirem sobre o que correu menos bem, a tentarem melhorar da próxima vez.

E elogiar e premiar o esforço, o trabalho e a dedicação, mais do que os resultados alcançados. “Deste modo, as crianças tornam-se mais responsáveis, menos centradas no seu próprio umbigo, mais atentas ao outro, e adquirem uma vontade de participar em diferentes iniciativas. Sejam jogos amigáveis, competições ou novos desafios, pois estarão mais seguras de si e das suas competências, e certas de que os erros poderão levá-las a tentar diferente da próxima vez.” Sempre com os pais por perto. Nas vitórias e nas derrotas. Em todas as ocasiões.