É algo de muito pessoal aquilo que a pessoa que lhe escreve estas palavras se prepara para partilhar consigo, a pessoa que as lê. Um dos momentos mais felizes que já vivi foi também um dos mais simples. Numa calle de Sevilha cujo nome já não me recordo, já bem perto da meia-noite e com a temperatura perfeita – calor suficiente, mas não opressivo –, a bebida de eleição foi um granizado refrescante, bebido na companhia de grandes amigos. Foi, sem sombra de dúvida, um momento que não terminou, porque cada vez que é recordado, também é revivido.
É difícil de explicar o porquê, mas fácil de explicar o onde.
Sevilha tem, como o resto da região da Andaluzia, o poder de nos transportar para uma dimensão à parte. Podemos atribuir o seu caráter místico à influência árabe que conquistou o seu espaço, ombro a ombro com todas as influências que lhe seguiram – a dos reis cristãos, a da expansão para o Novo Mundo – mas é muito mais do que uma Torre de Ouro, ou a conhecida Giralda de Sevilha, o que constitui o tesouro desta região espanhola.
Só quem não passeou em passeios ornamentados com laranjeiras fica indiferente a esta magia, quem não seguiu os passos do poeta e diplomata pernambucano João Cabral de Melo Neto, que de Sevilha disse em versos “se cobre de toldos e de lona,/ para que a aguda luz sevilha/ seja mais amável nas pontas,/ e nele possa o sevilhano, /coado o sol cru, ter a sombra/ onde conversar de flamenco,/ de olivais, de touros, donas”.
Mas a Andaluzia não é apenas estes grandes marcos históricos, muitos deles Património Mundial da UNESCO, como os palácios de Alhambra e Generalife, ou o bairro de Albaicín em Granada. Andaluzia é também as povoações pequenas como Arcos de la Frontera em Cádis, Ronda em Málaga ou Moguer em Huelva.
A arquitetura dos seus edifícios é como um livro de histórias, cada uma mais apaixonante que a anterior, que bebe inspiração dos ventos do sul para criar uma mistura islâmica, renascentista e barroca que é, para qualquer viajante, um chamariz irresistível. Para outros, será o nascer do sol na praia de La Caleta o suficiente para justificar a viagem.
A Andaluzia já viu passar por ela muitas vidas, muitos momentos – entre eles, aquele que foi aqui partilhado. Todos eles dignos de serem recordados, seja por que razão for. O cenário perfeito, a temperatura perfeita, o sabor perfeito ou a companhia perfeita. Não viu passar por lá o Dirty Dancing de onde pedimos emprestado o título, mas já viu passar muita dança apaixonada pelos “cafés cantantes” onde as castanholas e o sapateado guerreavam pelo destaque. E também tem visto passar por lá algumas guerras (fictícias) por tronos feitos de espadas que, por mais dragões que tenham, não têm o mesmo calor que as pessoas (verdadeiras) que por lá vivem.
Não é difícil, por supuesto, imaginar-se a criar o seu próprio momento de plenitude, especialmente com a Andaluzia mesmo aqui ao lado. As razões para o “porquê” desse momento ser só seu só as vai descobrir depois de o viver, mas o “onde”… esse temos a distinta sensação de que só pode ser um.