“Gritos. Descontrolada. Fora do meu corpo. – os meus filhos! Os meus filhos!”

No blog A Mãe Já Vai, Maria Ana Ferro conta na primeira pessoa o que viu e sentiu na praia de São João, na Costa da Caparica, no momento em que a aeronave aterrou fazendo duas vítimas mortais.

A Aeronave que mudou a minha vida e levou duas outras.

Nem sei se deveria escrever isto.

Com que direito?

Era só um dia de praia que prometia o do costume.

Fui eu e eles. Os meus três filhos.

Estivemos algumas horas na praia e íamos ficar mais.

Encontrámos uns amigos.

Os miúdos andavam entre areia seca o enrolar na toalha a reposição de creme e os dentes a tremer.

Uma amiga estava à beira mar e a Leonor também. O Zé Maria também quis ir e eu fiquei a vê-los ao longe enquanto brincava com a Luísa.

A Leonor subiu para pôr creme e disse-lhe que mais um bocadinho e voltem para cima
Estou de pé a olhar para eles e do nada surge uma aeronave a um metro do chão. Põe as rodas na areia, levanta as rodas volta a pôr. aterra. desliza.
10 segundos.

Atirei a Luísa para o meu colo e corri. Aos gritos. Descontrolada. Fora do meu corpo.
– os meus filhos! Os meus filhos! Não vejo os meus filhos! Os meus filhos!
Foi isto que gritei enquanto corri. Vejo o Zé Maria primeiro e depois a Leonor e arrasto todos para a areia seca.

A minha amiga Catarina com a bebé dela com os meus. A trazê-los também.
Os gritos eram de todos os que ali estavam e gritavam e choravam e procuravam. Todos procuravam alguém. Todos tinham alguém.

Entre os gritos e as lágrimas a 10 metros dos meus filhos estava alguém. Deitado sem se mexer. Morto. A Leonor diz que o viu. A cair de cabeça e a desmaiar e a morrer. Dissemos-lhe que ele estava bem …

30 metros depois uma criança e depois a aeronave.

Saímos o mais rapidamente possível dali. Antes chorei muito. Abracei-os o mais que pude e chorei mais e gritei e questionei e agradeci e pensei naquele homem sozinho deitado ali sem um abraço e nos dele que os procuravam. E na outra pessoa que eu ainda não sabia que era uma menina de 8 anos e que tinha a mãe ali. A viver o que eu temi.
Numa escala diferente muito diferente porque direito tenho eu, a minha noção da vida deles e do tamanho que ocupam em mim, mudou para sempre.

Para sempre vou ter este sentimento do que é a ideia de os perder.
Não consigo falar em sorte. O que lhes aconteceu e às outras pessoas que ali estavam foi um milagre. E ao homem de 57 anos e à menina de 8 anos a maior e mais parva tristeza da vida.

Maria Ana Ferro