Porque deve proibir o seu filho de ter o telemóvel no quarto à hora de dormir

Texto de Catarina Pires | Fotografia de Shutterstock

Onze da noite e o telemóvel da minha filha de dez anos, que já está a dormir, a receber mensagens do Whatsapp. O mesmo barulhinho das notificações a caírem, noite dentro, vindo do smartphone do mais velho, 13 anos. A coisa, além de me preocupar – o que terão eles de tão urgente para falar a estas horas da noite e porque é que os miúdos, em vez de estarem a enviar mensagens, não estão a dormir? -, enerva-me.

Talvez por isso, quando vi o título da notícia do The Guardian, na internet, abri logo para ler. «Qualidade do sono e saúde mental dos adolescentes em risco devido ao uso do telemóvel a altas horas da noite».

O estudo divulgado pelo jornal inglês foi levado a cabo numa escola secundária australiana, envolvendo 1101 adolescentes, entre os 13 e os 16 anos, e conclui que o uso do telemóvel, à hora que devia ser de dormir, afeta a qualidade e o tempo de sono dos miúdos e a sua saúde mental, estando ligado a estados depressivos e a falta de concentração.

Ivone Patrão, psicóloga, investigadora do ISPA e autora do livro Geração Cordão, sobre a dependência dos adolescentes portugueses das tecnologias, não estranha os resultados e revela mesmo que são semelhantes aos de um estudo a decorrer no ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. E diz que os professores, mais do que os pais, estão a sentir as consequências de um uso excessivo das tecnologias, nomeadamente dos telemóveis.

Muitos dos problemas de disciplina na sala de aula, falta de concentração, sonolência, irritabilidade, alterações de humor, deve-se ao uso do telemóvel até muito tarde, que impede o descanso necessário.

«Muitos dos problemas de disciplina na sala de aula, falta de concentração, sonolência, irritabilidade, alterações de humor, estão relacionados com o facto de os jovens usarem o telemóvel até muito tarde, no quarto, naquelas horas em que deviam estar a dormir e não fazerem o descanso necessário», diz a psicóloga.

Oito horas de sono, por dia, no mínimo; dez, idealmente. É este o tempo que crianças e adolescentes precisam para ter um bom e saudável descanso, diz Ivone Patrão e todos os especialistas. Se estas horas não forem cumpridas, ou forem interrompidas por notificações de mensagens tão importantes como «Olá» ou «Estás aí?», a qualidade do sono é afetada e a saúde mental fica em risco.

De acordo com a psicóloga, que tem dedicado a sua investigação à relação dos jovens com as tecnologias, a maioria dos adolescentes tem telemóvel e cerca de 42 por cento utiliza-o, segundo o estudo levado a cabo no ISPA, em média seis horas por dia. Ora, tendo em consideração que durante o tempo de aulas têm que ter o telefone desligado, não é abusivo concluir que muitos deles o use durante a noite. E isso, naturalmente, afeta as horas e a qualidade do sono.

«Hoje, para muitos jovens e adolescentes, o telemóvel é uma extensão de si próprios. Estão sempre ligados, com medo de perder alguma coisa do que está a passar-se nos grupos a que pertencem. Comunicam até através do telemóvel, mesmo quando estão fisicamente uns com os outros», diz Ivone Patrão, que revela que os pais não têm ainda muita consciência destes fenómenos cada vez mais comuns, nem das suas consequências.

«Se estão sossegados no quarto, deve estar tudo bem. Há a ilusão por parte dos pais de que estão sob controlo. Mas se entrarem no quarto, a horas em que os miúdos já deviam estar a dormir, vão encontrar muitos lençóis luminosos». E lençóis luminosos são mau sinal.

«É fundamental que os pais estabeleçam regras e, sobretudo, que deem o exemplo», alerta Ivone Patrão

A psicóloga, que faz questão de salientar os aspetos positivos da relação das crianças e adolescentes com as novas tecnologias, nomeadamente no desenvolvimento de competências e de criatividade, chama a atenção para a importância de monitorização e estabelecimento de regras por parte destes.

«É fundamental que os pais estabeleçam regras e, sobretudo, que deem o exemplo», alerta Ivone Patrão, que defende o encontro de aparelhos tecnológicos a partir de certa hora, num cesto próprio para o efeito. E a desculpa de que precisa do telemóvel como despertador não é válida. Não será preciso lembrar que há relógios, analógicos ou digitais, que cumprem essa função específica.

Como pais, preocupamo-nos muito, e bem, com a saúde dos nossos filhos, com o seu bem-estar, a sua felicidade, o seu desempenho escolar – podia continuar por linhas e linhas fora, porque são muitas as preocupações. É altura de nos preocuparmos também com o tempo que passam ao telemóvel. Não demonizando o tão estimado e inseparável aparelho, há que garantir um uso adequado e com conta, peso e medida. Como em tudo, o problema está no uso excessivo. É esse que devemos prevenir, sobretudo se afeta o sono, a saúde, o humor, a concentração e o bem-estar.