Sinais que se percebem

Texto de Cláudia Pinto | Fotografia de Gustavo Bom/Global Imagens

Tomé Coelho fala com naturalidade de uma vida repleta de desafios. Aos 64 anos, cego desde os 18, ainda fez a instrução primária a ver, mas começou gradualmente a perder a visão até à maioridade. Pensou que era o fim. Para um adolescente nascido e criado em Pinhel, Guarda, cuja saída profissional era trabalhar no campo, teve de se agarrar à coragem e procurar uma alternativa.

«Um dia, disse à minha mãe que ia embora e vim para Lisboa. Estive num centro de reabilitação, consegui começar a trabalhar, estudei à noite ao mesmo tempo, fiz a minha carreira no ensino, casei [a mulher também é cega] e agora estou aposentado.» Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras, em Lisboa, tirou uma especialização em Ramo Educacional, foi professor de Filosofia e Psicologia durante 27 anos em várias escolas do ensino secundário da capital.

Desde janeiro, Tomé é presidente da Direção Nacional da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO). Não gostava da ideia de se reformar e «ficar parado», apesar de nunca ter ambicionado candidatar-se ao lugar. É, para todos os efeitos, a voz dos cegos em Portugal. Uma voz bem crítica. «Por mais que se fale, a sociedade continua a ser preconceituosa e a olhar para os deficientes de forma distante e, até, inconsciente.»

A pensar na melhoria da qualidade de vida destas pessoas, a ACAPO candidatou-se ao Prémio BPI Capacitar e foi distinguida no final do ano passado com uma menção honrosa de 28 mil euros.

No seu dia-a-dia, e apesar de ter uma vida autónoma, sente algumas dificuldades. «As barreiras arquitetónicas e físicas são muitas vezes difíceis de transpor mas os maiores obstáculos são mesmo os culturais e mentais.» Tomé e a mulher deslocam-se em transportes públicos.

«Hoje em dia, os autocarros já têm um sistema de voz que anuncia as paragens, quando não está avariado ou desligado. Temos também acesso a aplicações no smartphone que nos indicam onde estamos. As novas tecnologias vieram facilitar a nossa vida, e essa é uma enorme diferença em relação ao que era há uns anos.» Apesar das melhorias, continua a sentir falta de informação em braille ou em audiodescrição.

«Alguns museus já têm algumas informações acessíveis mas, em outros serviços, existem enormes lacunas. Num hospital, por exemplo, seria bom ter placas informativas que indiquem onde são as urgências, onde fica a zona de consultas ou o internamento. Num centro comercial, não existem placas que informem para que lado é o supermercado ou onde fica o elevador. Sinto falta de sinaléticas nos hotéis para saber, por exemplo, qual é o meu quarto.»

A pensar na melhoria da qualidade de vida destas pessoas, a ACAPO candidatou-se ao Prémio BPI Capacitar e foi distinguida no final do ano passado com uma menção honrosa de 28 mil euros. Com parte desse dinheiro, a instituição que reúne cinco mil associados comprou uma impressora que permite produzir sinaléticas e placas informativas de acrílico e em alumínio.

«Estes materiais permitirão eliminar barreiras de comunicação nos museus, em espaços públicos, em centros comerciais, escolas, hospitais, universidades, unidades hoteleiras, entre outros.» A ACAPO tem um centro de produção documental (CPD) que produz pequenos trabalhos, com duas impressoras específicas para manuais e livros. Agora, com esta impressora mais sofisticada, é possível dar resposta aos muitos pedidos que chegam por telefone, de vários pontos do país. Sandra Gonçalves trabalha no CPD e tem testado a impressora no último mês.

«Estamos a descobrir todas as suas potencialidades, a fazer testes e a avaliar resultados. Estas sinaléticas resistem à chuva, ao sol, o braille não desaparece e a informação mantém-se. Só imprimíamos em papel e esta era uma lacuna que queríamos colmatar até porque não havia nenhum local em Portugal que produzisse estas sinaléticas em acrílico.» O valor do prémio está ainda a ser aplicado em materiais para a impressora e recursos humanos.

«Tudo o que existe impresso em tinta para a comunidade em geral passa a poder estar disponível para cegos.» Haja interesse e clientes. «A partir de agora, a ACAPO pode responder às várias solicitações e informar que tem esse serviço disponível. Estamos agora a aumentar a nossa oferta», sublinha Alda Dotes, do CPD. O Museu da Assembleia da República, em Lisboa, e um hotel do Porto já manifestaram interesse. Tomé nunca deixou de ir a qualquer local por ser cego.

«Umas vezes vou mais bem-disposto, outras menos. Existem dificuldades, não tenhamos ilusões. Um cego não consegue usufruir de grande parte das coisas boas que a vida pode proporcionar. » A partir de agora, vai ser mais fácil ter acesso.

Realidade invisível

De acordo com os Censos 2011, «em Portugal existem cerca de 900 mil cidadãos com dificuldades de visão». A ACAPO esclarece, no entanto, que isto não significa «que tenhamos 900 mil casos de deficiência visual, visto que a forma como o recenseamento ocorreu não permite tirar esta conclusão. Destes, cerca de 28 mil não conseguem ver, mesmo com óculos ou lentes de contacto. A este total, teremos de juntar as pessoas com baixa visão, pelo que não existem números concretos sobre o total de cidadãos com deficiência visual no nosso país».

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