E quem segura a natureza zangada?

Notícias Magazine

* artigo escrito antes de ser conhecido o relatório da Comissão Independente sobre o fogo de Pedrógão Grande e dos fogos deste fim-de-semana.

Duas semanas seguidas com temperaturas acima dos trinta graus e setenta concelhos em alerta máximo de incêndio não é inédito em Portugal. Mais raro, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, foi o valor da média de temperatura máxima do semestre, o mais alto desde 1931. E podemos continuar.

No final de setembro, 81 por cento do território estava em seca severa e no horizonte apenas se vislumbram as tradicionais negociações com Espanha – nós a reclamar por comportas abertas, eles a segurar a água nas barragens e uma frase em uníssono, há falta de água. Nada de novo, portanto. E ainda assim outro dado podia ter feito soar alarmes: setembro foi o mais seco dos últimos 87 anos. Não fez.

E os fogos? Ainda os bombeiros não estavam na sua máxima força e já Pedrógão Grande ardia como nada tinha ardido em Portugal. Três meses depois, no fim de semana passado, quando a fase crítica já devia ter acabado, andaram pelo país mais de mil bombeiros a combater fogos. Alarme? Nada.

E nem mesmo depois de Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, ter considerado «uma enorme irresponsabilidade» a redução de efetivos, do Ministério da Administração Interna se ouviu palavra. Motivo de alarme? Nem por isso, nem mesmo pelo facto de em Portugal terem morrido 66 pessoas queimadas nos últimos meses. Incompetência gritante ou sinal de um clima que deixou de respeitar calendários definidos em tempos em que os glaciares não estavam entre as espécies ameaçadas?

No combate aos fogos, é sabido, não houve falhas, nem nas comunicações do SIRESP nem nos bombeiros disponíveis, ainda menos na coordenação política. Quanto ao tempo ainda mais óbvio é que ninguém pode ser responsabilizado por outubro estar a sugerir imperiais na praia em vez de castanhas e agua‑pé. Posto isso, o que fazer quando confrontados com um verão tão trágico como inevitável?

Em 2014, Neil Young fez‑se acompanhar por uma orquestra de 92 músicos para, em Who’s Gonna Stand Up, abordar o tema e deixar uma pergunta que podia ter feito soado o alarme: «Quem vai perceber quando ela [a natureza] se fartar?» Provavelmente ninguém, mas cada vez mais parece inevitável que aconteça.

** Texto escrito antes de ser conhecido o relatório sobre o fogo de Pedrógão Grande e dos fogos do passado fim-de-semana.

 

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CRÍTICA

BENJAMIN CLEMENTINE: PARA NÃO PERDER DE VISTA
Em 2015, At Least for Now entrou direto para as listas dos melhores discos do ano e fez que o mundo se apaixonasse por Benjamin Clementine. Agora, Clementine apresenta I Tell a Fly e volta a surpreender – pelo tema (a crise dos refugiados) e pelo evoluir do registo que o torna inconfundível. Mesmo sem o brilhantismo da estreia, ao segundo disco já ninguém duvida: Clementine é um dos melhores músicos da geração. God Save the Jungle, Jupiter e One Akward Fish tornam tudo evidente.

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I Tell a Fly
16,99 euros

GRIZZLY BEAR: TUDO A SEU TEMPO
Cinco anos na era da internet é uma eternidade, tempo de sobra para aparecerem e desaparecerem bandas, formas de ouvir música, modas e até géneros musicais. Nada que preocupe os Grizzly Bear, que agora lançam Painted Ruins, o quinto disco de originais. Gravado sem pressa, entre Los Angeles e Nova Iorque, o sucessor de Shields (2012) lembra-nos que a melhor música exige maturação – dos músicos, de quem os ouve e do que acaba no disco. Um disco que mais do que matar as saudades de Edward Droste e companhia nos deixa vontade de esperar pelo próximo.

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Painted Ruins
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