Adolescentes em casa? Prepare-se

rita castanheira alves
rita castanheira alves

Confirma-se: é uma etapa familiar difícil. Mas também uma oportunidade única de os pais ajudarem os filhos a crescer felizes, garante a psicóloga Rita Castanheira Alves, autora de Adolescência, os Anos da Mudança. O importante é tentar conhecê-los. E fazer as perguntas que forem necessárias para o conseguir.

Não é um adulto pequeno nem uma criança grande. O que é ser adolescente?
É uma fase específica do desenvolvimento – de todos nós, ninguém lhe escapa –, com características neurológicas, hormonais, emocionais, biológicas e comportamentais específicas, conjugadas num cocktail incrível necessário para se passar à adultez. A culpa não é só das hormonas. Acontece que também o cérebro está numa fase de maturação particular, não totalmente desenvolvido, pelo que é ainda incapaz de modelar a resposta física a estas alterações. Há coisas de que nos queixamos nos adolescentes – outros ter-se-ão queixado do mesmo em nós – que estão, de facto, a acontecer. Necessidades novas que fazem parte do crescimento e são precisas, como o reclamar da independência ou o disputar das ideias dos adultos.

A contestação típica da adolescência nasce fundamentalmente do medo? Medo também dos pais, de não saberem lidar com o desconhecido?
Costumo dizer que a adolescência é real, não uma coisa inventada, e nesta fase estão todos a adaptar-se a algo novo na família. Tal como quando os filhos são pequenos, fazem uma birra na rua e os pais não sabem muito bem como agir. De repente, o adolescente traz novas ideias que nos põem em causa a nós próprios, mesmo que às vezes não tenhamos essa consciência. Coisas em que nunca nos desafiámos, por alguma razão na nossa vida, e se calhar o conflito maior nasce justamente de termos que aprender a flexibilizar-nos, a reajustar-nos. Um adolescente não pode adolescer sozinho.

O tempo da adolescência alargou-se? Vemos crianças de 10 anos já a viver turbulências de uma fase posterior…
Há quem diga isso, sim. As fronteiras estão definidas [entre os 10 e 19 anos segundo a Organização Mundial de Saúde], mas sabemos que o crescimento depende de vários fatores. Hoje em dia, nas sociedades modernas, os miúdos têm a possibilidade de estudar até tarde. Ficam mais tempo na casa dos pais, assumem responsabilidades mais velhos. Enquanto isso, basta-lhes googlar para saberem informações a que os jovens, antes, dificilmente tinham acesso, o que os faria silenciar as suas inquietações. A internet traz novas oportunidades no sentido de perceberem que pode haver mais caminhos a seguir, além do que lhes disseram ser o único possível. Contactar outras histórias inspira-nos a fazer de maneiras diferentes.

O facto de sermos pessoas tecnológicas não veio complicar ainda mais a adolescência?
Sem dúvida, embora não possamos perder de vista os benefícios da tecnologia. Facilita-nos a vida de muitas maneiras. Pode até juntar pais e filhos: pesquisando em conjunto, surge o diálogo. Por outro lado, os perigos são reais. Custa muito a um pai saber que o filho está em casa e não necessariamente mais seguro do que se estivesse a brincar com os amigos na rua. Então, é preciso comunicar. Saber o que é o Instagram ou o Whatsapp, como funcionam. Pedir-lhe que nos explique o que não percebemos, sem estarmos constantemente a criticá-lo ou a enredar-nos nos nossos próprios preconceitos. Proibir sem negociar não é resposta, por muito que apeteça às vezes: o adolescente acaba por usar a tecnologia às escondidas, o que só aumenta o potencial de risco. Monitorizar com uma atitude aberta é diferente de querer controlar tudo a toda a hora.

Em que é que as raparigas adolescentes diferem dos rapazes?
Começa logo por as hormonas sexuais provocarem coisas distintas: os rapazes ganham pelos no rosto e peito, voz mais grossa, ombros largos; nas raparigas inicia-se o ciclo menstrual, surgem pelos nas axilas e zona púbica (tal como neles), aumentam as glândulas mamárias e as ancas. Também os crescimentos são diferentes: o delas rápido, com variações acentuadas de humor; o deles prolongado, com tendência para uma maior agressividade. É isto que dizem os dados. Claro que fazemos parte de uma cultura, há outras influências que nos fazem crescer de determinados modos. Se por um lado a sociedade é mais dura com as mulheres em vários aspetos, por outro dificulta muito a manifestação de emoções nos rapazes. Vai tudo depender do que se trabalha com cada adolescente. Do espaço que lhes damos para se expressarem.

O distanciamento entre pais e filhos é inevitável neste período? A rebeldia é saudável?
É. Damos-lhe uma carga depreciativa porque, de repente, o meu filho está a desafiar o que eu lhe disse e ele aceitou durante anos. Recolheu outros dados na internet, da sua própria experiência, de figuras que passaram a ser significativas na sua vida, e então o cérebro começou a disputar verdades adquiridas. Se calhar não está a ser rebelde, está só a construir uma identidade própria. E é importante haver essa margem para que os adolescentes possam dizer o que sentem, para discordar. Não digo em tudo, lógico. Mas insisto sempre com os pais nesta capacidade de saberem ouvir quando um filho vem com ideias novas. O normal – e salutar – é mesmo eles ficarem de boca aberta.

O que fazer quando os amigos do(s) filho(s) são más influências?
Essa é das coisas mais difíceis para um pai. Ninguém gosta de ver um amigo, inclusive se esse amigo é adulto, dar-se com uma pessoa que não lhe faz bem, e na adolescência há riscos efetivos. Mais uma vez a proibição pode passar-nos pela cabeça, num impulso de momento, para protegê-los, mas não vai levar àquilo que se pretende: os adolescentes vão tentar na mesma encontrar-se com essas más influências, com a agravante de não contarem aos pais onde, como e com quem. Porque a verdade é que algo os levou a essas amizades em primeiro lugar, importa saber a razão. E mais: ele até pode dar-se com essas pessoas, mas dar-se também com outras diferentes, não fazendo suas as escolhas delas. Por isso é que estar ao lado, conversar, é mais importante do que proibir.

É também assim que se protege um filho das drogas? É capaz de ser o maior medo de qualquer pai.
Essa vai ser sempre uma preocupação. O cérebro do adolescente pede novas formas de agir: quer passar por experiências e grupos, alguns de risco. É o seu modo de conquistar a vida, um deixa-me ver como sou nesta situação. Acontece que quanto mais próximo um pai for do filho, melhor o conhecerá e terá hipótese de vir a saber o que sente e pensa. Essa comunicação tem a função quase primordial de, no momento da escolha, ele saber decidir sem se prejudicar, porque acredita ter valor dentro de si. Este amor-próprio é muito desenvolvido pelos pais. O saberem quem são. A confiança. A responsabilidade para fazerem diferente. Eles até ouvem os pais, e muito. Por isso vale mais muni-los de informação do que gastar energia a proibir experiências que não conseguimos controlar.

Como gerir as primeiras experiências de independência dos adolescentes: fins de semana fora, passeios depois das aulas, noitadas, um pesadelo pegado?
Todos os adolescentes se queixam de que os pais lhes dizem que confiam neles, não confiam é nos outros, e isso é muitas vezes verdade. Para mim, uma regra fundamental é conhecer bem os filhos. Um pai nunca pode decidir que o adolescente já pode fazer isto ou aquilo se não o conhece, não sabe como funciona aquela cabeça, o que pensa, como agirá numa situação-limite. Além de que esta responsabilização tem de ser gradual. Se calhar, um fim de semana apenas com os amigos só será possível após um fim de semana com adultos por perto. Ou algumas saídas mais pequenas à tarde. Cada família saberá definir esta progressão melhor do que eu, visto não haver uma receita.

Tem também que definir condições…
Claro. Não vale a pena dizer «não vais» a um adolescente. Vale mais dizer-lhe «para ires, tens de cumprir com X ou Y», e depois impor condições que ele consiga alcançar para não ser uma armadilha. Os pais devem querer saber as coisas: com quem é que ele vai? Para onde? Fazer o quê? Isto ajuda-o a construir um mapa operacional do que irá suceder quando estiver sozinho e, sem ser catastrófico, dar-lhe noções do que fazer caso aconteça algo. Aqui voltamos de novo à necessidade de se conhecer bem os filhos: eu tenho de saber se aquela pessoa já está capaz. Que provas é que me tem dado? E, tão importante como isso: até que ponto me conheço a mim mesmo para não misturar os meus próprios medos de o deixar voar com os perigos que ele realmente corre?

E quando os filhos iniciam a sua vida sexual e os pais nem querem pensar nisso?
Têm de ser os adultos a normalizar os temas, por mais que lhes custe. Se as coisas existem e são importantes na vida de uma pessoa, se ainda por cima são naturais, então vamos chamá-las pelos nomes. Falar delas nas oportunidades que surgem, não precisamos de esperar que sejam sempre os adolescentes a perguntar nem de convocar propriamente reuniões familiares. Acho que aí a escola podia dar uma ajuda com sessões e intervenções na área da educação sexual. Não para desresponsabilizar os pais, nada disso, mas para facilitar as conversas em casa. Não dando, terão os pais que ser bem resolvidos para não criar tabus e conseguirem o difícil equilíbrio entre normalizar os assuntos e respeitar a intimidade dos filhos.

Porque a sexualidade é muito mais do que ter relações sexuais com outra pessoa…
E os filhos têm todo o direito à sua intimidade, não nos podemos esquecer disso. A partilha é importante, mas também o é permitir-lhes que façam as suas descobertas em privado no quarto. Como a da masturbação, por exemplo. Há livros e filmes acessíveis que podem ser o mote para se abordar vários temas relacionados com a sexualidade. Podemos até deixar sorrateiramente umas coisas no quarto: uns preservativos na gaveta da mesa-de-cabeceira, ou um pacote de lenços de papel que evite os constrangimentos de um sonho molhado. Assim lhes mostramos estar presentes sem drama, não forçando, não nos intrometendo. Ao contrário do que muitos pais pensam, mostrar esta abertura não incentiva o adolescente a fazer nada para que não esteja preparado.

Acima de tudo, um filho não serve nunca para alcançar o que os pais não alcançaram…
Pois não, embora todos tenhamos expetativas, esperanças, influência das memórias e da nossa história pessoal. Tudo isto são gatilhos que desencadeiam ideias preconcebidas e nos fazem projetar nos filhos os nossos próprios desejos, quando um filho é sempre uma pessoa individual, a crescer para se autonomizar. Fará escolhas diferentes das nossas, por mais que se pareça connosco em certos aspetos. Gostará de outras coisas, terá novas necessidades. Como pai, cabe-me respeitar essa individualidade porque o meu filho, na verdade, não é de ninguém. É esta aceitação que me vai trazer as respostas de que preciso para criá-lo. E, na dúvida, posso sempre perguntar-lhe diretamente o que pensa.

Rita Castanheira Alves

A AUTORA
Adolescência, os Anos da Mudança (Vogais, 2016) é o último livro, mas o caminho de Rita Castanheira Alves já vai longo. Licenciada em Psicologia Clínica pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (núcleo de Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e Integrativa), desde 2007 que desenvolve a sua atividade com crianças e adolescentes, mas também com os pais e educadores numa vertente de aconselhamento e formação parental: seria impossível ajudar uns sem orientar os outros. É mentora do projeto Psicóloga dos Miúdos (www.psicologadosmiudos.com), na origem do seu livro anterior com o mesmo nome (Vogais, 2015). Autora ainda dos livros infantis Filipe Feliz, Zé Zangado e Maria do Medo (Booksmile, 2015) e coautora do livro É Tão Bom Fazer Amigos (Arte Plural, 2014).