Recebeu o pior presente de natal de sempre. E agora, o que vai fazer?

Texto Ana Pago | Fotografia de Shutterstock

Ainda hoje, passados três anos, Filipa Lopes recorda aquele Natal como o mais constrangedor da sua vida. «Uma tia solteira, irmã do meu pai, veio do Alentejo para Lisboa passar o Natal connosco. Estivemos o dia 24 todo na cozinha a partir frutos secos e a fazer doces, foi ótimo. O pior veio depois», conta a consultora. À meia­‑noite, ao sentir o peso do embrulho invulgar oferecido pela tia, Filipa foi assaltada pelos piores presságios. «A sério, parecia que estava a adivinhar.» Afivelou o seu melhor sorriso à espera do pior, mas nada a preparou para o baque. «Era um vaso de loiça em forma de sapo, roxo, medonho. Os meus pais riam­‑se à socapa e eu só pensava que era enorme. O que raio iria fazer com aquilo?»

Uma questão repetida até à exaustão todos os natais após a troca de prendas da praxe, confirma o especialista em protocolo João Micael. «Um presente tem muito que se lhe diga. Não podemos achar que é só uma coisa que damos a outro e já está, sem perceber que se trata de um código, uma linguagem», diz o diretor da Academia de Protocolo.

Sim, é certo que está mais habituado do que a maioria de nós às nuances da imagem no âmbito pessoal, social e empresarial. Ainda assim, certas regras deviam ser do senso comum para não se correr o risco de errar à partida. A começar por tentar sempre saber o mais possível sobre os gostos da pessoa que queremos presentear.

«Perfumes e joias apenas são oferecidos a alguém de quem somos muito íntimos, de outro modo tornam­‑se desadequados»

«Perfumes e joias apenas são oferecidos a alguém de quem somos muito íntimos, de outro modo tornam­‑se desadequados», enumera João Micael. O mesmo vale para os sabonetes, por mais requintados que sejam: não havendo intimidade entre quem dá e quem recebe, a pessoa pode interpretar o gesto como um sinal subtil (ou não tão subtil assim, pensará ela) de que cheira mal.

Prendas demasiado ostensivas ou excessivas também são de evitar. E, claro, tudo o que tenha indícios claros de estar a ser reciclado (algumas ainda trazem o papel amarrotado e a fita­‑cola levantada). «Estaremos sempre mais defendidos com quem conhecemos, mas até aí convém anteciparmos possíveis reações», insiste o especialista. O resultado de a tia de Filipa não o ter feito está à vista.

Posto isto, que opções temos se as regras de bem escolher forem ignoradas e acabarmos com um sapo de loiça nas mãos? «Em primeiro lugar, mesmo que não goste nada, agradeça com cortesia», aponta João Micael, considerando que nunca devemos magoar ninguém que pensou em nós, ainda que fosse para nos dar algo inenarrável.

Nunca é de bom tom mostrar desagrado, a menos que sejam crianças: «Por muito bem­‑educadas que sejam, elas não têm os mesmos filtros do que nós.

«Em Portugal não é tão comum, pode ser falta de respeito não abrir logo, mas o melhor é fazer como os chineses, que se defendem muito bem: não desembrulhar os presentes à frente de quem os oferece se pudermos evitá­‑lo.» Em festas com muita gente será fácil dar uma desculpa educada e abrir mais tarde. Não tendo como esquivar­‑se (ou sequer como disfarçar trejeitos espontâneos), há que passar à etapa seguinte: enrolar.

«Não se trata de mentir, a menos que sejamos atores. É mais recorrer a expressões dúbias de salão – “Olha que interessante”, “É tão diferente”, “Achei muito original”, “Jamais me lembraria de tal coisa” – que nos permitam sair com elegância sem nos comprometermos», sublinha o especialista em protocolo e imagem. E sempre com um sorriso nos lábios, insiste. Nunca é de bom tom mostrar desagrado, a menos que sejam crianças: «Por muito bem­‑educadas que sejam, elas não têm os mesmos filtros do que nós, não podemos esperar que se portem como adultos.» Na dúvida, é preferível falar com os pais para saber do que gostam, em vez de arriscar.

Filipa reúne um grupo de amigas chegadas uma vez por mês para trocarem entre si peças que deixaram de fazer sentido nos respetivos armários. «Inclusive prendas que nos ofereceram e de que não gostámos, acontece com bastante frequência»

E se a menina acabar a receber meia dúzia de Barbies e cinco póneis, no final? Filipa Lopes recorda que já aconteceu no passado com uma das sobrinhas, que ficou doida de alegria (a mãe nem por isso). «Foi uma overdose de bonecada, mas o facto é que a Inês subiu ao céu e se fartou de brincar às corridas de cavalos», ri­‑se. De tanto em tanto tempo, sugere a consultora, os pais podem separar com as crianças o que já não usam, vestuário que deixou de servir entretanto, e cultivarem o hábito de dar a quem mais precisa. «A minha irmã costuma deixar caixas cheias em igrejas ou dá­‑las a famílias que conhece pessoalmente, quase todas carenciadas e com crianças pequenas.»

Ela própria se junta com um grupo de amigas chegadas uma vez por mês – sete mulheres e vários pares de sapatos, roupa e acessórios – para trocarem entre si peças que deixaram de fazer sentido nos respetivos armários. «Inclusive prendas que nos ofereceram e de que não gostámos, acontece com bastante frequência», diz Filipa, que ainda hoje se maravilha com a facilidade com que descobrem tesouros entre as bugigangas umas das outras. «Está a ver estas botas de pele que tenho calçadas? São as minhas favoritas, resgatadas ao caixote da minha amiga Guida sem ela nunca as ter usado.» O casaco comprido com motivos japoneses bordados nas costas, idem.

Voltar a oferecer uma coisa de que não gostámos mesmo nada? Para o diretor da Academia de Protocolo, João Micael, não é lá de muito bom tom fazê­‑lo.

Aqueles encontros mensais tornaram­‑se uma espécie de ida privada à feira, partilhada por todas com entusiasmo. «Já me aconteceu levar uma camisola oferecida pela minha avó a que não achava grande graça, a Mariana transformou­‑a na máquina de costura e ficou fabulosa», explica a consultora. Fartam­‑se de reciclar coisas entre elas – um destino ótimo a dar a presentes indesejados que não trazem talão de troca. «Outra hipótese é vendê­‑los em sites como o OLX, CustoJusto, Etsy, eBay e outros do género.» De novo tendo sempre muito cuidado nos anúncios que põem online, não vão as pessoas que ofereceram ficar magoadas se os virem.

E em relação a voltar a oferecer uma coisa de que não gostámos mesmo nada? Para o diretor da Academia de Protocolo, João Micael, não é lá de muito bom tom fazê­‑lo, embora reconheça ser um clássico todos os natais. «Ficar com a casa atravancada está fora de questão, no entanto eu diria que perpetuar o ciclo de passar ao outro e não ao mesmo é indelicado.»

Se por acaso decidir fazê­‑lo apesar da ressalva, tenha ao menos o cuidado de ver se se adequa à pessoa. «Posso dizer­‑lhe que “reofereci” o sapo à minha vizinha da frente. Pu­‑lo num saco bonito e recambiei­‑o», confessa Filipa, justificando­‑se com o facto de ela não parar de o elogiar. «Via­‑se que adorava a peça, então dei­‑lha.» O melhor de tudo é ela ainda hoje lhe dizer que foi a prenda mais bonita que recebeu.

Tralhas para uns, tesouros de outros

Na mesma onda do OLX ou do eBay, mas com a mais­‑valia de se poder ajudar uma causa social pelo caminho, está a portuguesa eSolidar, uma plataforma de e­‑commerce social lançada em maio de 2014 que permite vender, comprar, doar e trocar artigos como num site normal de comércio eletrónico, embora diferenciando­‑se pela vertente solidária: o dinheiro angariado com os leilões e a venda de produtos é posteriormente distribuído por várias causas sociais, otimizando o impacto gerado entre a comunidade e as organizações sem fins lucrativos nas áreas de apoio à vítima, proteção às crianças, inclusão social, ambiente, deficiência, cooperação para o desenvolvimento, idosos e tantas outras.

O objetivo, segundo o fundador e CEO da eSolidar, Marco Barbosa, é criar impacto social. «Somos uma plataforma de angariação de fundos de impacto social para empresas com fins não lucrativos», explica o empreendedor, cujo projeto já lhe valeu ser considerado um dos jovens mais influentes da Europa na área do empreendedorismo social pela revista Forbes, em janeiro de 2016. «Quase como um canivete suíço de angariação de fundos, que possibilita aumentar a visibilidade das organizações e angariar mais fundos.»

Na prática, além de quem lá vende os seus produtos poder destinar parte dos lucros para a solidariedade (não é obrigado a fazê­‑lo), são leiloados objetos como o quinto disco de platina de Tony Carreira, O Mesmo de Sempre, a reverter para a Associação Nacional de Combate à Pobreza, ou a guitarra do músico britânico Mark Knopfler, que rendeu cerca de oito mil euros. Atualmente com 815 organizações envolvidas e mais de 40 mil utilizadores, a eSolidar já foi responsável por angariar mais de 300 mil euros para diversas instituições. É a prova de que juntos podemos sempre fazer a diferença.