Eles querem ser palhaços, acrobatas, trapezistas e malabaristas

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografias Pedro Correia/Global Imagens

Ariana Silva tem um palhaço dentro de si. «O palhaço está cá dentro, quero preservá-lo, guardá-lo para depois, quero que ele cresça e que seja uma referência no circo.»

Depois de um ano de Interpretação na Escola Profissional de Imagem e de ter descoberto o clown no Chapitô, ambos em Lisboa, entrou no Instituto Nacional de Artes do Circo (INAC), em Famalicão, a única escola exclusivamente dedicada ao circo contemporâneo no Norte do país.

Segunda-feira à tarde é dia de aula de especialidade do segundo e último ano do curso profissional de Circo Contemporâneo. Ariana, 25 anos, natural de Lisboa, lança bolas ao ar, faz malabarismos. «Sou palhaço. Custou a aceitar, mas agora é uma coisa que não quero perder, de todo.» A insatisfação transpira-lhe por todos os poros. Está sempre à procura. «É a luta pela originalidade que todos querem e poucos conseguem.»

Depois de terminar o curso, Ariana quer ir para Toulouse, França, estudar numa escola superior de circo. Há sonhos que não podem ser guardados numa gaveta.

O circo dá-lhe liberdade e aquele vídeo de um homem careca com nariz vermelho, olhos pintados de branco, rosto pálido, vestido de mulher, a berrar, a babar-se, a gritar coisas em francês, nunca mais lhe saiu da cabeça. «Uau, então é isto. É quando os palhaços nos fazem pensar, é algo muito poético.»

No próximo ano, depois de terminar o curso, Ariana quer ir para Toulouse, França, estudar numa escola superior de circo. Há sonhos que não podem ser guardados numa gaveta.

O Instituto Nacional de Artes do Circo arrancou em 2016, primeiro na Maia, agora em Famalicão. Dá cursos de dois anos e prepara para o ensino superior de circo, que não existe em Portugal.

O INAC forma novos artistas de circo. «São aulas direcionadas com especialistas e com uma linguagem própria, muito autoral. Os alunos juntam tudo e constroem a sua linguagem», diz Juliana Moura, diretora pedagógica do INAC, professora de Acrobacia Aérea e Flexibilidade.

«São 24 horas a pensar e a fazer circo.» É uma escola para alunos a partir dos 18 anos, que passam por uma prova de acesso, e que tem disciplinas específicas como Malabarismo, Clown, Equilibrismo, Aéreos e Acrobacia. Neste momento, o curso profissional tem trinta alunos, dura dois anos e custa três mil euros por ano.

A tarde de segunda-feira ainda vai a meio e Lia Cabaço, acrobata aérea, dá voltas e reviravoltas, cabeça para cima e para baixo, pernas para um lado e para o outro. Anda à volta do seu corpo e da lira, a roda de metal suspensa no ar.

«O circo deixa-me ser eu, deixa-me ser feliz, posso experimentar tudo o que quiser.», diz Lia Cabaço, 23 anos.

«Estou à procura de uma linguagem própria, encontrar outras possibilidades sem ser o que já existe.» Entrar numa companhia ou seguir os estudos superiores são hipóteses de futuro. É que a jovem de 23 anos, do Barreiro, já mudou de vida por um sonho. Estudava Design Gráfico no 10º ano, desistiu, entrou na Escola de Circo do Chapitô, em Lisboa, e depois rumou ao Norte.

«E agora estou no circo. O circo deixa-me ser eu, deixa-me ser feliz, posso experimentar tudo o que quiser.» A menina assídua do Circo Cardinali em todos os Natais da infância, fascinada pelo trapézio voador, é agora uma mulher que olha mais além.

«O circo é conseguir aplicar uma dramaturgia, uma intenção, é ter uma mensagem.» E o ensaio prossegue. Roda e roda o corpo com sorriso na cara e olhos que brilham.

O segundo ano do curso tem várias disciplinas, sobretudo práticas. O corpo tem de falar por si. Preparação física, dança contemporânea, flexibilidade, acrobacia, anatomia básica, trampolim e interpretação surgem no horário de segunda a sexta, das nove às seis da tarde.

«Já que só se vive uma vez, quero fazer o que gosto e ganhar dinheiro com isso. Quero ser bem-sucedida a fazer o que gosto», diz Sofia Encarnação, 21 anos.

A formação técnica é fundamental para o INAC, projeto que começou a ser desenhado em 2013, para arrancar formalmente em 2016, primeiro com aulas na Maia, e desde este ano em Famalicão.

A escola tem várias linhas de trabalho no seu pavilhão com mais de mil e quinhentos metros quadrados, encaixando no seu intensivo horário treino profissional, circo em família ao fim de semana, residências artísticas nacionais e internacionais, formações, circo para crianças dos 3 aos 6 anos, produtos artísticos, trabalhos pontuais, produções próprias.

Enquanto o Chapitô tem várias vertentes dentro do circo e dá equivalência ao secundário, o INAC trabalha intensamente o circo contemporâneo como uma escola preparatória para o ensino superior – que não existe em Portugal.

Cada aluno está concentrado no seu aparelho, atento às indicações dos professores. Sofia Encarnação, 21 anos, de Lisboa, faz o seu treino numa roda alemã. Também tem sonhos. Quer seguir os estudos de circo em França, entrar numa companhia, fazer espetáculos, voltar a Portugal e talvez ser professora de circo na sua especialidade. Depois de três anos de Chapitô, depois de não saber se gostava ou não de circo, encontrou o aparelho para ela.

O INAC dá corpo a expetativas, espaço para construir performances. Não há restrições à criatividade.

«Sinto que a roda foi feita para mim, ando às voltas, brinco com ela, às vezes ando perdida como se estivesse num labirinto.» Enquanto isso constrói histórias com o corpo a girar na roda de metal de quarenta quilos, que pede força, equilíbrio, coordenação.

«Já que só se vive uma vez, quero fazer o que gosto e ganhar dinheiro com isso. Quero ser bem-sucedida a fazer o que gosto.» E já anda focada nas provas que começam em abril para entrar numa escola lá fora.

Sofia Encarnação sente que a roda foi feita para ela. E quer fazer do circo vida.

O INAC dá corpo a expetativas, espaço para construir performances. Não há restrições à criatividade. Denise Lomeli, de 21 anos, brasileira, já anda a matutar no solo de final de ano, que apresentará com o seu monociclo, em junho de 2018 na Casa das Artes de Famalicão, como todos os outros colegas de turma, num espetáculo aberto ao público. Uma narrativa, uma mulher não convencional, feminista, o monociclo que deixa de ser apenas um veículo de uma roda para se tornar um ser animado. «A ideia é juntar todas as metáforas da vida desse constante movimento.»

Denise quer seguir o ensino superior na Bélgica. Domina o monociclo de costas, de frente, aos ziguezagues. A 18 de julho de 2014, numa convenção de circo em São Paulo, experimentou pela primeira vez e nunca mais parou. Nesse dia, depois da formação, andou seis horas em cima de um monociclo. «Foi mesmo paixão.»

No Rio de Janeiro trabalhou numa companhia de circo, e depois de pesquisar espaços e formações na Europa, esteve em Barcelona, passou por França e chegou a Portugal. Treinou um dia no INAC, gostou, fez as provas de seleção, passou, ficou. Poderá viajar para a Bélgica para uma formação superior. Por agora está contente com o percurso. «Tenho aprendido muito aqui.»

O pavilhão do INAC também serve para treinos profissionais. O diálogo entre quem já conhece esse mundo do circo e quem se prepara para entrar nele é enriquecedor.

O pavilhão do INAC também serve para treinos profissionais. O diálogo entre quem já conhece esse mundo do circo e quem se prepara para entrar nele é enriquecedor. Daniel Gonçalves é palhaço há mais de dez anos. Três anos no Chapitô, dois numa escola de teatro físico em Londres, um trio de palhaços acrobáticos, uma experiência no Brasil, uma curta-metragem em Inglaterra, uma pequena participação como palhaço no filme Dumbo, da Disney, dirigido por Tim Burton, que estreará em 2019.

Depois de dez anos em Londres, voltou a Portugal. E treina na escola de circo de Famalicão, ao lado de alunos e professores – e quando o chamam dá uma ajuda demonstrando um ou outro exercício. Manipula um chapéu que sai e aterra na sua cabeça vezes sem conta, está a criar um novo espetáculo para apresentar no próximo ano. «Ser palhaço é uma coisa muito livre. Os palhaços são como os médicos porque têm a possibilidade de curar.»

Daniel tem 34 anos, 15 de nas artes do circo, adora dizer que é palhaço mesmo que as finanças não o reconheçam como tal. «É altura de olhar para os artistas de circo de outra forma, com o mesmo estatuto da dança ou do teatro. Não há bolsas para artistas de circo, só para cientistas.» Para ele, há muitas oportunidades para o circo em Portugal. «Se no meu tempo houvesse circo na escola não tinha jogado futebol.»

«Não somos macacos de circo, não debitamos a técnica que aprendemos. Isto não é um desporto, é uma forma de expressão», diz Jorge Lix, professor de malabares e coordenador artístico.

Numa tarde de segunda-feira, no pavilhão do INAC, há música, colchões no chão, aparelhos suspensos, bolas no ar, conversas entre alunos e professores. «É interessante ver esta assertividade dos miúdos. A escola é um local de experiências, sabem que têm espaço para comunicar, podem cometer erros, têm de se preparar para o mercado profissional», diz Jorge Lix, professor de malabares e coordenador artístico.

Pesquisar, saber, testar, procurar uma marca pessoal. «Não somos macacos de circo, não debitamos a técnica que aprendemos. Isto não é um desporto, é uma forma de expressão.» Ensinar a técnica para que os alunos se questionem sobre o que querem fazer com ela. «O circo contemporâneo começa a ganhar espaço, está em fase de crescimento.»

André Borges, professor no INAC e membro da direção, concorda. O novo circo tem espaço no nosso país. O professor de Equilibrismo, especialista em monociclo e corda bamba, refere que o reforço positivo é importante, lidar com momentos frágeis é essencial.

E quem são os novos artistas do circo? «São estes jovens emergentes que estão a aprender, que se interessam pela arte e procuram formação.» São os jovens que passam os dias num pavilhão a construir os seus solos. E a sonhar com um futuro não muito distante.

Um por todos, todos por um

Passam bolas de mão em mão, dão cambalhotas, experimentam girar no arco pendurado no ar, tentam tocar no professor suspenso num tecido. Cada grupo tem a sua missão no projeto de inclusão social Um por Todos. Mais de cinquenta pessoas, de várias idades, portadoras de vários tipos de deficiência motora e cognitiva, de seis instituições de Famalicão, juntam-se uma vez por semana para experimentar artes circenses, no âmbito do projeto EnvolvAr-te da câmara local e operacionalizado pelo INAC. Mais do que o resultado final, uma apresentação na semana passada, o importante é o processo. «Cada sessão vale por si mesma. O tempo estende-se de outra maneira», diz Ana Dora Borges, professora de Dança Contemporânea que, juntamente com Fábio Constantino, professor de Aéreos, orienta o projeto.