A 27 de março, La Divina estreou-se em Lisboa a cantar La Traviata, de Verdi. Decorria a temporada de ópera do São Carlos, sempre fascinante. Mas nunca se viu igual.
Desde que lhe puseram o ouvido em cima pela primeira vez – como Beatrice em Boccaccio com a Ópera de Atenas, em 1941 –, Maria Callas tornou-se um bálsamo para as asperezas da vida, a começar pela sua. Nasceu em Nova Iorque em 1923, filha dos emigrantes gregos George e Evangelia.
O nome que lhe deram, Maria Anna Sophia Cecília Kalogeropoulos, não era o de uma estrela dos palcos mas servia à menina pequena e gorducha que morria de inveja da beleza da irmã mais velha.
E viviam com dificuldades, tantas que a família retornou a Atenas quando Maria tinha 13 anos, sem imaginar que ganharia uma bolsa para a Real Academia de Música. Ou que teria lições de canto com Elvira de Hidalgo, renomada soprano espanhola. Ou que antes dos 15 já estaria a interpretar o papel de Santuzza na Cavalleria Rusticana, de Mascagni. Quando Callas se estreou em Lisboa, a 27 de março de 1958, já toda a gente conhecia La Divina.
«A presença de Maria Callas ontem à noite, no Teatro Nacional de São Carlos, constituiu um acontecimento», destacava o Diário de Notícias do dia seguinte, em êxtase por aquela primeira vez que a famosa aparecia «pessoalmente ante o público português, no mesmo palco onde têm passado as maiores celebridades mundiais».
Por esta altura já a soprano era a mais controversa e excitante cantora de ópera do momento, incendiando paixões por onde passava (incluindo a do magnata Aristóteles Onassis, seu grande amor). Dramática na vida como na arte, na sua técnica não há truques e a voz soa sempre robusta, escrevia ainda o DN.
«Possui um instrumento vocal tão extraordinário que, depois desta sua versão da Traviata, criou em todos o desejo de a ouvir, em épocas futuras, na Norma, Bohème e outras óperas do seu repertório.»
Callas foi pólvora pura até se extinguir no seu apartamento de Paris com um ataque cardíaco, aos 53 anos. Antes, porém, deixou o São Carlos de pé.