Posso não ser a melhor mãe do mundo, mas os meus filhos são felizes

Notícias Magazine

«Quantos de vocês NÃO querem que os vossos filhos passem para o sexto ano?» Nem um braço levantado numa sala cheia de pais de crianças de 10 anos que acabavam de chegar à escola dos grandes, onde muitas disciplinas, muitos professores, muitos blocos, muitas salas, um território inteiramente novo (e vasto, para eles, mínimos) por descobrir. Nenhum braço levantado, naturalmente. Só rostos em expetativa.

«Então, há duas coisas que terão de fazer.» Duas, dito com ênfase, em palavras e linguagem gestual, pelo professor, diretor de agrupamento, que dirigia a reunião e geria minuciosamente o discurso e a reação daqueles que tinha à sua frente. «Primeiro, os vossos filhos têm de dormir dez horas por dia. Levantam‑se às sete? Têm de estar na cama às nove. Sem cedências. Segundo, uma alimentação correta. Acabou‑se o açúcar e a comida pré‑cozinhada (não tenho a certeza se usou a expressão comida pré‑cozinhada, mas a ideia era toda esta). Ah, e eles vão passar cá a manhã. Terão de trazer lanche de casa. É bom que seja saudável. Nada de bollycaos e porcarias. E nada de fazer as mochilas dos meninos. Eles têm de ganhar autonomia. Eles fazem as mochilas, vocês vão conferir se está tudo ok.»

Afinal eram três e esta é, obviamente, uma versão resumida da preleção, que colheu junto da audiência. A maioria das cabeças concordavam. Alguns talvez tenham dito, baixinho, «muito bem». Talvez se tenham mesmo entreolhado, cúmplices, como quem diz: «Finalmente, alguém com coragem.»

Não sei, estava à frente, sou uma nerd, sento‑me sempre à frente, e naquele momento o meu cérebro já estava inundado de adrenalina em luta com o bom senso. Por momentos, a dita esteve mesmo em vantagem. Felizmente, 43 anos servem de alguma coisa e o bom senso venceu. Não se discute com um dono da verdade.

Não sou a melhor mãe do mundo. Não obrigo os miúdos a dormir todos os dias dez horas. Desde bebés. Porque a noite sempre foi o único tempo que tenho para estar com eles. De vez em quando mando vir umas pizas, cedo ao pedido de hambúrguer, deixo‑os comer bolachas de chocolate e, pecado mortal, até compro lasanhas do supermercado ou douradinhos, quando o cansaço aperta.

Quando o sono lhes chega ainda no sofá, faço‑lhes as mochilas, até ao mais velho, que já é maior do que eu em tamanho. Às vezes, esqueço‑me de lhes mandar o lanche, mas, a meu favor, o facto de, quando o levam, este ser constituído de bolachas de água e sal e uma maçã. Deixo‑os estar no telemóvel a falar com os amigos e a ver vídeos parvos do YouTube.

Mesmo assim temos tempo para conversar – da escola e das eleições e dos illuminati e do fim do mundo e do dia deles e do meu e do que estiver a dar no momento. No outro dia, perguntei‑lhes se eram felizes (juro, não estou a escrever isto para melhor servir a minha narrativa). E o riso deles, o riso deles, de puro gozo, foi a resposta mais eloquente que podiam ter‑me dado, mesmo antes das palavras: «Claro que sim, mãe.»

É tudo o que me importa. Posso não ser a melhor mãe do mundo. Mas não preciso que um professor de Matemática ou Português ou História ou Geografia me ensine a ser mãe. Até porque nunca me passaria pela cabeça ensiná‑lo a ser professor.