Portugueses que mudam leis no Luxemburgo

Texto de Ana Patrícia Cardoso

Na Grand-Rue, uma das ruas mais movimentadas da cidade do Luxemburgo, é hora do almoço e, nos cafés, misturam-se idiomas a uma velocidade impressionante. Este é o quotidiano num país onde a própria lei reflete a multiculturalidade, com três línguas oficiais – luxemburguês, alemão e francês. Ainda que a língua nacional seja apenas o luxemburguês, todas as estatísticas apontam o francês como a mais falada. Na escola primária, as crianças aprendem alemão em primeiro lugar, transitando mais tarde para a língua francesa. Sim, o sistema de aprendizagem é complexo e tornou-se um dos motivos de maiores problemas entre os imigrantes. Mas já lá vamos.

Voltemos antes à Grand-Rue, onde trabalha Artur Alves Teixeira, um bancário de 34 anos. Filho de portugueses que trocaram Celorico de Basto pelo Luxemburgo nos anos 1990, Artur decidiu, aos 20 anos, abdicar da nacionalidade portuguesa para se tornar luxemburguês e assim poder candidatar-se a polícia. Qualquer cargo público exige a naturalização e não permite a dupla nacionalidade. «Não foi uma decisão fácil, gosto muito da terra onde nasci e vivi até aos 12 anos», diz.

Vivem cerca de 93 mil portugueses no Luxemburgo. É a maior comunidade estrangeira, seguida de franceses (41 mil) e italianos (20 mil).

Artur acabou por não conseguir entrar para a polícia, porque não dominava suficientemente bem o luxemburguês, mas a nacionalidade ninguém lha tira. Com o tempo, o grão-ducado tornou-se a sua casa, constituiu família, tem duas filhas pequenas. Apesar disso, nunca deixou de se sentir português. «Para mim, é só uma formalidade no aeroporto, continuo a ir todos os anos a Portugal visitar a família.» E remata com um expressivo: «Não há nada como o nosso país.»

Se fosse hoje, Artur não teria de abdicar da nacionalidade portuguesa. Na verdade, como está no Luxemburgo há mais de 20 anos, só teria de frequentar 24 horas de aulas da língua nacional. «São outros tempos agora. Acho muito bem, ninguém tem de abdicar de nada», conclui.

O ministro da Justiça Félix Braz, lusodescendente, foi o autor da nova lei da nacionalidade. É filho dos primeiros imigrantes.

Artur fala de uma das coisas mais importantes para os imigrantes no Luxemburgo, num país onde estes representam 47 por cento da população. É uma das medidas da reforma que entrou em vigor no dia 1 de abril e cujo autor é Félix Braz, o ministro da Justiça que tem raízes portuguesas. «Num país onde 47 por cento da população são residentes estrangeiros, é necessário tomar medidas de integração», defende Félix Braz.

Trilhar novos caminhos parece estar no sangue da família: o pai de Félix Braz foi o primeiro português a fazer o trajeto Luxemburgo-Portugal de autocarro, há mais de 50 anos. Ele é o primeiro lusodescendente a ocupar um cargo no governo do país que acolheu a sua família. Quando os pais chegaram ainda não havia propriamente uma comunidade portuguesa. Hoje, são cerca de 93 mil num universo de 600 mil pessoas. É a maior comunidade estrangeira, seguida pela dos franceses (41 mil) e italianos (20 mil).

Na prática, as novas medidas abrangem quatro pontos fulcrais, a começar pelo período obrigatório para obtenção de residência legal que diminuiu de sete para cinco anos. O exame de luxemburguês continua a ser obrigatório, mas as exigências linguísticas foram reduzidas, basta passar no teste de expressão verbal, no qual é exigido o nível A2 para obter o certificado que dá acesso à naturalização.

E passa a haver uma maior aproximação ao «direito de solo», quem nascer no país é luxemburguês de pleno direito ao atingir a maioridade (18 anos). Quem residir no país há mais de 20 anos apenas precisa de frequentar 24 horas de luxemburguês, sem precisar de fazer nenhuma prova. Teria sido o caso de Artur.

Tudo isto tem enorme importância para a comunidade portuguesa que se tem debatido há anos com os problemas que uma lei muito restritiva e protetora dos nacionais lhes levantava. Artur Braguês, um taxista de 49 anos que vive no Luxemburgo há mais de 20 anos, já decidiu. «Vou meter os papéis já para a semana. Quero ter uma voz ativa, quero votar», diz.

«Vai dar-me um gozo tremendo. Quando eu cheguei, a polícia mandava-nos parar constantemente. Sempre que viam que não era daqui, tratavam-me de maneira diferente. Uma pessoa sente a diferença. Sabe o que eu gostava mesmo? Depois de ter a nacionalidade, gostava que me mandassem parar para lhes mostrar o passaporte e dizer-lhes: está aqui, sou um de vocês!» Conta a sua história no restaurante Hollerecher Stuff, onde os donos são portugueses, os clientes também e o bacalhau com natas é fabuloso.

Diana Alves, 29 anos, frequenta três vezes por semana o Instituto Nacional de Línguas. A jornalista da Rádio Latina, uma estação luxemburguesa que emite maioritariamente em português, mudou-se para a cidade do Luxemburgo há cerca de dois anos, com o namorado, que é alemão e trabalha numa multinacional. Tem mais três pela frente até poder pedir a nacionalidade, e é o tempo suficiente para aprender o luxemburguês. Já perdeu a conta às diferentes nacionalidades dos seus companheiros de aula. Russos, camaronenses, senegaleses, portugueses, franceses, italianos, chineses, iranianos ou das Bahamas.

«Desde que me mudei que quero ter a nacionalidade, principalmente para votar. Quero votar nas legislativas. Atualmente, voto em Portugal por descargo de consciência e dever cívico, mas interessa-me mesmo votar aqui. Este é já o meu país.»

Única questão e crítica nesta matéria: a língua. Lá está. Porquê cingir o teste linguístico ao luxemburguês num território com três línguas oficiais? O ministro desvaloriza o argumento. «Qualquer pessoa pode viver cá e falar a língua que quiser. Pode-se viver uma vida inteira e não falar luxemburguês. Tem o exemplo dos meus pais e de tanta gente que vive dentro da sua comunidade. A questão não é essa. Para se ter o passaporte, para se votar para o Parlamento, é normal, ou não, que se exija que essa pessoa seja capaz de falar a língua nacional que é só uma, o luxemburguês?»

No Luxemburgo existem três línguas oficiais: francês, alemão e luxemburguês. Mas para obter a nacionalidade é obrigatório fazer o teste de língua em luxemburguês.

Diana e Artur não são dois casos isolados de gente que está a mudar de vida porque quer ter uma, de pleno direito, no país onde vivem. Mas também não representam a maioria. Nas eleições autárquicas, em 2011, onde qualquer pessoa residente há mais de cinco anos e recenseada tem o direito de voto, apenas 20 por cento foram votar. O ministro questiona: «Onde estavam os restantes 80 por cento? Se, numa democracia, mais de metade das pessoas não participam, é um problema.» Mudar isso pode passar por ter uma lei que faz que as pessoas sintam que pertencem. «Esta lei sozinha não vai resolver, mas é um passo importante», garante o ministro.

É o que pensa Sérgio Ferreira, representante da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes (ASTI). «É um avanço positivo, mas não é suficiente. E a questão da língua não tem em conta a realidade do país.» Para a ASTI, o maior passo foi dado na aproximação ao «direito de solo», que garante que qualquer pessoa nascida no Luxemburgo tem acesso automático à nacionalidade ao completar 18 anos. Esta é também a medida mais significativa para o governo, uma vez que «é a que vai gerar mais nacionalidades automaticamente», assegura o ministro da Justiça.

Apesar de ser a opção que requer menos esforço, há quem não esteja interessado. Patrícia Cantante, por exemplo, tem 17 anos, nasceu no Luxemburgo mas considera a Figueira da Foz a sua terra natal. «Eu não quero a nacionalidade, sinto-me completamente portuguesa.» Sem nunca ter vivido em terras lusitanas, a influência vem inteiramente da família, que emigrou há mais de 20 anos à procura de uma vida melhor. O sonho de seguir enfermagem, no entanto, não passa por Portugal. Quer voos mais altos, outros países.

Talvez seja a ambição própria da idade que faz que o Luxemburgo pareça uma pequena fronteira. «Não sinto essa afinidade, a nacionalidade daqui não me diz nada. Não a quero porque sei que com ela passaria à frente de outros estrangeiros que até podem ser melhores. Não é justo.»

As palavras de Patrícia refletem um sentimento comum, mesmo entre os que adotam outras nacionalidades, de que ser-se português é muito mais do que viver em Portugal. Passe o tempo que passar. E isso nenhum passaporte pode substituir.

ESCOLHER LUXEMBURGO PARA VIVER

Quando se fala da emigração portuguesa, os primeiros países europeus que vêm à cabeça tendem a ser França ou Reino Unido. No entanto, numa média de dez mil estrangeiros que chegam ao Luxemburgo, um terço são portugueses (cerca de 3000).

Sérgio Ferreira da ASTI explica que «enquanto os jovens qualificados escolhem outros países, ao Luxemburgo continua a chegar maioritariamente a mão-de-obra para ocupar lugares na construção civil ou nos serviços. Isso não mudou muito relativamente a décadas anteriores.» Segundo dados do Ministério da Justiça, 1089 portugueses obtiveram a nacionalidade o ano passado. Um número que pode vir a aumentar consideravelmente com esta reforma.