Porque nunca temos tempo para nada?

Notícias Magazine

Texto Ana Pago | Ilustração da Shutterstock

Sara Brito, consultora de 38 anos, vai invariavelmente para a cama à noite a pensar na lista de coisas que deixou por fazer. Um dia é pouco para arranjar os dois filhos, levá-los à escola, voar para o emprego, trabalhar sem pausas, aprender costura, ir buscar os miúdos, dar-lhes banho, um jeito à casa, preparar refeições, ir correr – um corrupio infinito. Bem madruga para dar vazão a tudo em tempo útil, mas há sempre e-mails e relatórios pendentes que a forçam a agarrar-se de novo ao computador quando chega a casa, num intervalo entre estar com as crianças e passar pilhas de roupa a ferro. «Por que cargas de água nunca tenho tempo para nada, se só durmo cinco horas e não paro um segundo?», questiona. O que andamos a fazer ao tempo?

«Somos uma sociedade que está a deixar de conseguir hierarquizar valores e de saber o que merece mais atenção, mais tempo», alerta o psicólogo Vítor Rodrigues, cansado de ver tanta gente a cair em depressão nestas circunstâncias. Fazer com que as horas sobrem para ter vida pessoal implica que esta seja considerada tão ou mais importante do que a carreira. «Pressionamo-nos constantemente a fazer mais, mais depressa, com a impressão de que o tempo nunca chega por haver demasiadas coisas na nossa mente em simultâneo, mas não podemos viver obcecados nem escravizados pelo trabalho.» O medo de não dar o rendimento exigido deve ser substituído pela paz de espírito de saber que fazemos o que é razoável, com calma e diligência, diz.

«Aceitarmos passivamente que o tempo pode passar, participando em atividades com as quais nos comprometemos sem saber bem porquê, contribui para “morrermos” como pessoas», diz a investigadora Catarina Gomes, especialista em gestão do tempo.

«Não somos super-heróis com superpoderes: somos humanos e temos limitações», sublinha Catarina Gomes, investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP – da Universidade de Lisboa), especialista em organização pessoal e gestão do tempo. «Acho que já todos nos confrontámos com situações em que paramos para pensar no porquê de não termos tempo para nada – será por excesso de trabalho? Por nos sentirmos sozinhos? Por assumirmos demasiadas responsabilidades familiares ou no emprego? Talvez até por termos excesso de tempo livre e não sabermos o que fazer com ele? – e esses não são certamente os momentos em que nos sentimos melhor connosco e com o que nos rodeia.»

No caso de Sara Brito, as olheiras até ao umbigo que tenta disfarçar de segunda a sexta estendem-se pelo fim de semana. «Conto os dias para chegar ao sábado e ao domingo, como se fossem o termo da minha travessia do deserto, mas no final parece que me passou um trator por cima», desabafa. Às 07:30, no máximo, está a pé para alimentar as crianças – uma menina de 3 anos e um menino de 1 – que lhe lembram dois passarinhos esfomeados a chamar pela mãe. Há os almoços de família obrigatórios (um com a dela, outro com a do marido) que se prolongam por ambas as tardes e envolvem muita labuta, apesar do prazer de estarem juntos. E a casa tem de ser limpa, a roupa lavada. Já para não falar na pilha por passar que continua a crescer, quando o corpo só lhe pede descanso.

Segundo Brian Moran e Michael Lennington, autores de Fazer Mais em Menos Tempo (Clube do Autor) e especialistas em elevar o desempenho e a qualidade de vida dos funcionários nas empresas, existem sempre contratempos em qualquer tarefa e é fácil usá-los como motivos – ou melhor, desculpas – para justificar que não se consegue terminar o trabalho que precisa de ser feito. «Um desafio que a maior parte de nós enfrenta é saber gastar tempo e energia de forma equilibrada: entre o trabalho e a família, o voluntariado e o lazer, o exercício e o descanso, as paixões e as obrigações pessoais.» Despender demasiado apenas numa área irá causar fadiga ou falta de realização. E sim, diante da importância e da disponibilidade limitada de tempo, custa-lhes perceber que haja tanta gente sem conseguir aplicá-lo com a eficácia desejada.

O psicólogo Vítor Rodrigues alerta: é essencial saber estabelecer prioridades para gerir o tempo de forma sã. Assim como aprender a não ceder a pressões e a não viver obcecado nem escravizado pelo trabalho.

«A questão que se levanta, na realidade, é se estaremos a dar o devido valor ao tempo. Ele é a única coisa que não podemos dar como adquirida, não o controlamos», concorda a investigadora Catarina Gomes, para quem aprender a gerir o nosso tempo implica conhecermo-nos a nós mesmos e àquilo de que necessitamos no dia-a-dia. «Temos de perceber quais são as nossas prioridades, o que nos define enquanto pessoas. O que queremos a longo prazo e os nossos objetivos face aos diferentes papéis que representamos: colaborador na organização, mãe, pai, filho, amigo, atleta e outros.» Se não está ao nosso alcance controlar o facto de um dia só ter 24 horas, é nossa a responsabilidade de não deixar de viver a vida que queremos levar.

«Aceitarmos passivamente que o tempo pode passar, participando em atividades com as quais nos comprometemos sem saber bem porquê, contribui para “morrermos” como pessoas», afirma a docente do ISCSP, considerando essencial aprender a dizer «não». Tirar o máximo partido de si implica ser cuidadoso na gestão do seu tempo. Mais: conseguiremos ter tempo para tudo – pelo menos para tudo o que importa – a partir do momento em que soubermos justamente o que é imprescindível para a nossa realização pessoal. «Há pouco falava em limitações, mas trata-se sobretudo de perceber os nossos limites e isso faz-se descobrindo que papéis são mais cruciais.» Não tem mal nenhum escolher uns em detrimento de outros, diz. Nem temos que ser iguais a ninguém a desfrutar do tempo com qualidade, em vez de apenas em quantidade.

Vítor Rodrigues surpreende-se sempre que vê pacientes seus fazerem tanto, todos os dias, e contudo acharem que estão a desperdiçar o melhor das suas vidas. «É como se tentassem ter vários objetos no ar ao mesmo tempo e tivessem que correr constantemente para os apanharem», compara o psicólogo. Mas como se quebra um padrão? A verdade é que nos queixamos, choramos, deprimimos… e voltamos às mesmas escolhas a cada manhã. «Costumo dizer que o medo é o pior conselheiro. Temos medo do que acontecerá, medo do que possam pensar de nós, e isso impede-nos de fazer diferente.» Na dúvida, sugere, perca um pouco de tempo – ou ganhe, conforme a perspetiva – a pensar no que faria se o tivesse de sobra. «A felicidade implica realizarmo-nos naquilo que nós, na nossa individualidade, somos capazes de fazer.»

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