Os quadros que unem mãe e filho

Rui e Arlete herdaram o negócio de Manuel de Brito, pai e marido, um dos primeiros galeristas portugueses. Depois do pai e da mãe, Rui é o terceiro diretor da famosa galeria do Campo Grande, em Lisboa.

Texto de Catarina Guerreiro | Fotografia de Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

Quando Rui Brito era criança, as paredes do quarto, em vez de imagens de bonecos da Disney, estavam cheias de quadros dos mais famosos pintores portugueses. Muitos foram-lhe oferecidos no dia em que nasceu, como uma colagem de um orangotango, que no verso tinha a data (1977), explicava que era «Pró Rui» e estava assinada pelo autor: Júlio Pomar. Ao lado, encontrava-se pendurado um outro oferecido pelo pintor Eduardo Luiz. E ao pé deste um outro de Paula Rego.

Na adolescência do rapaz, a coleção foi crescendo, mas nunca pensou muito no valor que guardava no quarto. «Era uma coisa normal para mim. Eu era uma carta fora do baralho, pois os meus colegas nos quartos tinham posters de bandas e eu tinha aquelas obras.»

Rui tem hoje 40 anos e fala desses tempo ao lado da mãe, Arlete Silva, de 72. «Para ele era perfeitamente natural, pois cresceu no meio de artistas, de pintores.» Rui é o filho mais novo de Manuel de Brito, um dos primeiros e mais importantes galeristas e livreiros portugueses, que se iniciou no ramo em 1960, com a livraria no nº 111 no Campo Grande, em Lisboa. Com a mãe, Arlete Silva, Rui mantém hoje a funcionar o império artístico que o pai deixou quando morreu, em 2005: uma galeria de arte, uma coleção de mais de 1800 artistas e um arquivo nacional e estrangeiro.

Trabalham juntos todos os dias. Rui escolhe os artistas e elabora a programação das exposições; Arlete trata das finanças e organiza o dia-a-dia.

Desde que herdaram o negócio, abriram o Centro de Arte Manuel de Brito, em Oeiras, em 2006, aumentaram o número de artistas que representam (Rui já integrou na galeria vinte novos pintores), não param de promover exposições e continuam a fazer crescer a coleção privada – adquiriram cerca de cem obras. Isto, seguindo uma prática do fundador. «Em cada exposição que fazia, o meu pai ficava sempre com um ou dois quadros.» Por isso, ele e Arlete têm armazéns com milhares de obras de centenas de autores.

Trabalham juntos todos os dias. Ele escolhe os artistas e elabora a programação das exposições; ela trata das finanças e organiza o dia-a-dia. E almoçam juntos todos os dias, também, na cozinha do apartamento por cima da galeria, onde estão os escritórios. «Sou eu que faço sempre o almoço», diz Arlete, que começou a trabalhar com Manuel de Brito em 1963, quando ainda só existia a livraria. «Em 1964 ele promoveu a primeira exposição de pintura com Joaquim Bravo.» A partir daí, Manuel de Brito não parou mais.

Nos anos 1970, a galeria mudou de sitio, para o numero 113, mas manteve o nome. Rui, que estudava no Colégio Moderno, mesmo ao lado, passava horas entre quadros e pintores. «Sou um privilegiado por ter criado relações afetivas com muitos deles», diz, recordando os episódios, sempre divertidos, que viveu com Paula Rego, que o incentivava, assim como a irmã mais velha (Inês, de 42 anos, que trabalha numa ONG), a pregar partidas aos pais.

Em 2004, Rui tornou-se o terceiro diretor da galeria, além do pai e da mãe. Agora estão só os dois.

«Ela vinha de Londres e trazia umas moscas vespeiras de plástico e dizia para as pormos na sopa quando os pais estivessem a jantar com convidados.» Desses tempos, Rui ainda guarda um pequeno caderno onde pedia a todos os artistas que fizessem um desenho e um autógrafo. «Está ali, naquele livrinho, a história da arte contemporânea.»

Ao folhear encontra-se, entre muitos, um desenho de Graça Morais e outro de José Guimarães. A terminar surge um Coração Independente, de Joana Vasconcelos.
Rui e Arlete trabalham em equipa há alguns anos. Em 2000, quando ele começou a licenciatura em História, variante de História de Arte, passou a ter escritório na empresa.

Em 2004, tornou-se o terceiro diretor da galeria, além do pai e da mãe. Agora estão só os dois. Há uns tempos viveram um momento especial quando conseguiram comprar num leilão o quadro Almoço do Trolha, de Júlio Pomar, que o pai tinha tentado adquirir, em vão, a um colecionador privado. Custou 350 mil euros, o recorde do pintor. Mas valeu a pena. «Era o sonho do meu pai.»