Como é que os miúdos ainda acreditam no Pai Natal?

Texto de Ana Pago | Ilustração de Sérgio Condeço/WHO

Naquele Natal, com os 9 anos acabados de fazer a 3 de dezembro (tem agora 12), Gabriel Silva passou a consoada a ser desafiado. O primo Rafael, dois anos mais velho, bem lhe dizia que não, que o Pai Natal não existe. Devia ser um bebé para acreditar naquelas lérias. Até ao momento em que o tio entrou na sala tão bem disfarçado que ambos vacilaram. «Nenhum reconheceu o meu cunhado, cheio de almofadas por baixo do fato», diz a mãe, Marina Silva.

Ainda hoje se pergunta como é que os miúdos acreditaram no Pai Natal até tão tarde, com tantos anúncios e tanto Google, mas sempre alimentou a ilusão por notar como era importante para Gabriel. «Foi encantador vê-los embarcar na magia já tão crescidos. Acho bonito. Vamos fazer o quê?»

«Não imagino que haja algum adulto traumatizado por ter confiado nos pais sobre a existência do Pai Natal ou da fada dos dentes», diz a pediatra Mónica Cró Braz

Nada. Não há nada a fazer. É deixar seguir. Acreditar no Pai Natal não tem, de facto, limite de idade, garante a pediatra Mónica Cró Braz, do Hospital CUF Descobertas. A criança deve acreditar até querer. «Geralmente acontece por volta dos 5-6 anos, embora a fantasia possa ser levada até mais tarde sem prejuízo para o desenvolvimento infantil», explica.

Se é válido acreditar em super-heróis, sereias ou fadas, porque não no Pai Natal? «São personagens de que se vão desligando à medida que crescem», diz a pediatra, lembrando que os próprios pais, até uma certa fase, são vistos pelos filhos como super-heróis capazes de resolver tudo e de protegê-los dos males do mundo. «Não imagino que haja algum adulto traumatizado por ter confiado nos pais sobre a existência do Pai Natal ou da fada dos dentes.»

No caso de Marina Silva, os 9 anos de Gabriel passaram a voar. «Ele usava o meu tablet, via os anúncios na televisão, falava com os amigos. Em casa, contudo, só me perguntou uma vez se o Pai Natal existia depois de entrar para a primária.» A mãe respondeu-lhe que existia no coração dele enquanto acreditasse. O filho gostou da resposta e manteve a euforia (bem como as bolachas e o copo de leite para o receber).

Segundo um estudo realizado em 2015, a maior aniquiladora de sonhos é a publicidade online – 44% dos miúdos somam 2+2 ao verem na internet os anúncios do que pediram ao Pai Natal

«Fico um bocado triste que os miúdos hoje descubram tudo tão cedo», diz Marina. E bem pode ficar: há cada vez mais crianças (16,3%) a descobrir na Internet que o Pai Natal é uma farsa aos 6 anos, quando os pais só souberam aos 8-9. As conclusões são da Hide My Ass!, uma empresa líder em privacidade online sediada em Londres.

Segundo o estudo realizado em 2015, a maior aniquiladora de sonhos é a publicidade online – 44% dos miúdos somam 2+2 ao verem na internet os anúncios do que pediram ao Pai Natal –, logo seguida do Google: 35% vão lá buscar respostas e… encontram-nas, claro.

A pensar nisso, a empresa criou um plug-in para os browsers Google Chrome e Mozilla
Firefox que permite aos pais fecharem qualquer página sempre que surja a combinação de palavras «história do Pai Natal» ou «o Pai Natal é real?», de modo a evitarem surpresas.

«Parece um paradoxo, mas se hoje em dia as crianças ainda acreditam no Pai Natal é porque a própria internet, os media e a sociedade em geral continuam a alimentar esta mensagem», diz a pediatra Mónica Cró Braz.

Acreditar em histórias como a do Pai Natal permite despertar a curiosidade e o sonho nos mais novos, transmitindo-lhes valores de altruísmo, gratidão, partilha não egoísta.

E onde fica, afinal, a questão de não se dever enganar as crianças? Dizer-lhes que o Pai Natal existe não deixa de ser uma mentira. «Pois sim, mas então a própria imaginação é uma mentira, se formos por aí», contrapõe a psicóloga Leonor Baeta Neves, especialista em desenvolvimento infantil.

A ela, a experiência diz-lhe que acreditar em histórias como esta permite despertar a curiosidade e o sonho nos mais novos, transmitindo-lhes valores de altruísmo, gratidão, partilha não egoísta. «Há muita simbologia numa figura que é mais um avô do que um pai, risonho, caloroso, generoso, que num único dia visita as crianças do mundo para fazê-las felizes, todas iguais perante o Pai Natal.»

Claro que os miúdos veem e sentem as coisas de maneira diferente uns dos outros, mas os pais podem sempre explicar-lhes – aí sem faltarem à verdade – que quando tinham a mesma idade também eles acreditaram na existência do Pai Natal.

«O melhor é cingir-se à história do São Nicolau verdadeiro, caso contrário a mentira pode tornar-se uma bomba em potência», diz Cristopher Boyle, professor de psicologia.

«Uma criança que tenha absoluta confiança nos seus pais não deve perdê-la apenas por essa desilusão. Não, se tiver outros comprovativos de que eles não lhe mentem», assegura Leonor Baeta Neves, apologista de se preservar a magia tanto quanto possível para não acelerar o golpe antes de os miúdos estarem preparados para saber a verdade.

Na dúvida, em vez de lhes contarmos que se trata de um velhote de barbas brancas que existe agora e anda de trenó pelo céu, a história torna-se mais verdadeira – e menos traumática – dizendo-lhes que São Nicolau foi uma pessoa como nós, que viveu na Turquia no ano 300 e era um bispo muito popular por deixar anonimamente cestos com comida à porta dos mais necessitados, sugere Teresa Andrade, psicóloga clínica e investigadora em pedagogia.

«Isto é real. Ele foi canonizado e, com base na sua vida de compaixão, nasceu a figura de São Nicolau, ou Pai Natal, associada à prática de caridade e partilha na quadra.» Se contarmos isto aos nossos filhos, ensinando-lhes que no Natal todos gostamos de ser um pouco como este santo – razão por que damos às crianças, e a quem mais precisa, algo que as faça felizes – eles compreenderão tudo melhor.

«Assim, até associam o Natal a valores mais humanistas e menos consumistas, sem ficarem com a sensação de que lhes andámos a mentir durante anos», defende Teresa Andrade, considerando que todos podemos trazer o Pai Natal dentro de nós e ajudar os outros, como fazia São Nicolau, porque o Natal é acerca de dar a quem mais necessita, num tempo difícil como é o inverno.

«Cabe-nos conseguir que a criança perceba que existe um fundo verdadeiro e nós só o adaptámos um pouco para torná-lo ainda mais bonito e mágico.»

E o melhor é mesmo cingir-se à história do São Nicolau verdadeiro, caso contrário a mentira pode tornar-se uma bomba em potência, alertam Cristopher Boyle, professor de psicologia na Universidade de Exeter, Reino Unido, e Kathy McKay, especialista em saúde mental da Universidade da Nova Inglaterra, Austrália. Juntos, publicaram o ensaio A Wonderful Lie (Uma Mentira Maravilhosa) na revista médica The Lancet Psychiatry.

Tudo para avisarem que mentir a respeito do Pai Natal e da sua empresa inteligente no Pólo Norte é moralmente questionável, capaz de minar as relações familiares. «Se os pais mentem sobre algo tão especial e mágico, como poderão continuar a ser vistos como guardiões da sabedoria e da verdade?», questiona McKay.

A psicóloga Teresa Andrade concorda: a mentira tem o seu preço. Neste caso, é a perda clara de confiança nos adultos, porque afinal eles não contam sempre a verdade como julgávamos. «Aprender que os pais lhe podem mentir é uma grande desilusão, ainda que o façam com boas intenções.» Quando isto acontece – e toca a todas as famílias –, a melhor saída é voltar a São Nicolau. «Cabe-nos conseguir que a criança perceba que existe um fundo verdadeiro e nós só o adaptámos um pouco para torná-lo ainda mais bonito e mágico.»

Como as fadas, príncipes e princesas de outras histórias que, não sendo reais, nos ensinam lições de vida importantes.

PAIS, MUITA CALMA NESTA HORA QUE NÃO TARDARÁ A CHEGAR

  • RESPOSTAS
    As histórias do Pai Natal e dos Reis Magos (para quem celebra o Dia de Reis com troca de presentes) transmitem valores de generosidade, amor, partilha e altruísmo. É importante assumir que a mensagem que todos passam é idêntica e falar abertamente com a criança sobre isso se começar a fazer perguntas – quando tal suceder, é um sinal de que também já estará preparada para ouvir as respostas.
  • SÍMBOLO
    Porque a pressão comercial é grande e todos os centros comerciais estão inundados de Pais Natal nesta altura do ano, outra conversa que importa ter é a de que o Natal mora no melhor do ser humano. Católicos ou não, crentes ou não, é boa ideia explicar que as figuras de Jesus, São Nicolau ou Reis Magos simbolizam, afinal, amor e ações generosas que devemos ter com as outras pessoas. No Natal, sim, mas também no resto do ano.
  • REAÇÕES
    Vão desde o silêncio ao desapontamento profundo quando as crianças finalmente descobrem que o Pai Natal não existe e se sentem enganadas. Umas encolhem os ombros e declaram que já sabiam, orgulhosas. Outras, ofendidas, choram – embora este processo de desencantamento costume ser progressivo e a desilusão transitória. O melhor é sublinhar que algumas coisas são verdade: há mesmo um sítio chamado Lapónia, há mesmo renas e houve mesmo um Nicolau que distribuía dinheiro em meias.
  • FRONTAL
    No momento em que a criança pergunta diretamente se o Pai Natal é, ou não, real, ou se já expressa dúvidas sobre essa magia, é fundamental contar-lhe a verdade, tendo o cuidado de não a fazer sentir-se ridicularizada ou com medo de que se riam da sua ingenuidade. Se ficar sem reação, pode devolver a pergunta à criança para saber o que ela pensa ao certo e desenvolva o tema a partir daí.
  • APOIO
    Os pais devem confortar e confirmar a verdade quando confrontados pelas crianças, explicando-lhes (de acordo com sua capacidade de entendimento) que o Pai Natal personifica a magia, a bondade e a entreajuda que devia haver sempre, mas que se acentuam nesta época. Muitas chegam a pensar ser impossível que os pais lhes tenham mentido e que os da escola devem estar todos enganados! Uma boa dica é os pais falarem de quando eles próprios eram pequenos e acreditavam no Pai Natal.