O inverno do nosso descontentamento

Tempo para amanhã: chuva intensa e vento forte com descida das temperaturas e probabilidade de ocorrência de… mau humor. É assim que a maioria de nós «ouve» os boletins meteorológicos de inverno: com um imenso pesar e a suspirar por dias mais compridos, mais quentes e com sol. A má relação com o inverno que quase todos temos – sobretudo nos dias em que é necessário levantar cedo da cama para ir trabalhar – tem várias boas razões para acontecer, mas a principal é esta: a falta de luminosidade caraterística do inverno ativa uma proteína que bloqueia a ação da serotonina. Este neurotransmissor, conhecido como «hormona da felicidade» pelo papel importante que tem na nossa sensação de bem-estar, regula ainda a sensação de saciedade. Por outro lado, e ao mesmo tempo, produzimos mais melatonina, a hormona responsável pela regulação do ciclo de sono-vigília, que nos leva a ter sono à noite e estar ativos durante o dia. Começamos a produzi-la a partir do fim da tarde e mantém-se com níveis altos durante grande parte da noite, voltando a diminuir quando o Sol nasce.

Resumindo: menos horas de luz e menos sol diminuem a produção de serotonina e aumentam a de melatonina, e isto explica muito daquilo que sentimos no inverno: humor afetado, pouca vontade de sair da cama, falta de energia e uma maior sensação de fome que nos leva a abusar dos hidratos de carbono e dos açúcares. Não é por acaso que, se pedirmos a alguém para descrever a tarde perfeita de domingo, é provável que ela envolva aquele estado de semi-hibernação que mistura a televisão ligada, o sofá, a manta e um pacote de bolachas a jeito.

Mas as razões não são apenas hormonais, são também de ordem prática. E não têm apenas que ver com a luz, mas também com a chuva que, sobretudo quando é forte, não tendo impacto direto na nossa saúde, afeta o nosso estilo de vida. Atividades diárias rotineiras como ir pôr as crianças à escola, ir para o trabalho, sair para fazer compras e para estar com amigos são menos simples e isso acaba por afetar o nosso bom humor.

Para atenuar a sensação de falta de energia, sonolência e o mau humor, é importante contrariar aquilo que temos vontade de fazer, nomeadamente encher o prato de massas com molho. Não é altura para pôr de lado fruta e legumes: o sistema imunitário precisa deles mais do que nunca para combater todos os vírus que andam no ar. E resista também à tentação de «hibernar», não cancele compromissos com amigos e família só porque está a chover e lhe apetece ficar enrolado no sofá e não deixe de fazer exercício físico, embora possa ter de adaptar o sítio onde o faz. Socializar e fazer exercício físico são dois dos melhores «antineura» que existem.

Claro que nem todos são afetados da mesma forma pelo tempo e pela falta de luminosidade. Para alguns pode ser apenas um incómodo ligeiro, para outros implica um estado depressivo. A perturbação anteriormente conhecida como transtorno afetivo sazonal foi recentemente renomeada pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (a bíblia da psiquiatria, editada pela Associação Psiquiátrica Americana) como depressão com padrão sazonal e define-se por episódios depressivos que ocorrem numa altura específica do ano, não se manifestando nas restantes. É mais frequente no inverno, embora não seja exclusiva desta altura do ano, e precisa de tratamento. É mais vulgar nas mulheres do que nos homens, embora nestes costume manifestar se com mais gravidade, e raramente afeta crianças e adolescentes.

SE NÃO HÁ LUZ, INVENTA-SE
Sair cedo para ir para o trabalho, ainda escuro, e sair do trabalho já de noite, passando as poucas horas de luz dentro de um espaço fechado, não dá muita saúde nem bom humor a ninguém. Em muitos países onde o inverno é especialmente escuro houve quem olhasse para o problema e visse aí uma oportunidade de negócio. Dinamarca, Estados Unidos, França, Reino Unido e Canadá são alguns dos países onde surgiram nos últimos anos os light cafes. Restaurantes, cafés, pubs e cibercafés onde, além de se beber, comer ou trabalhar, pode-se ao mesmo tempo levar um banho de luz artificial com lâmpadas de espetro solar total – que simulam a luz solar. A exposição a esta luz aumenta os valores de vitamina D e de serotonina. Por cá, felizmente, mesmo no inverno, quando não chove, é possível fazer esta «terapia» em qualquer esplanada com um casaco quente vestido.

SIM, TAMBÉM HÁ QUEM ODEIE O VERÃO
Em proporção reduzida, mas há quem esteja agora – com a chegada do frio e da chuva – a sentir-se como peixe na água. A maioria das pessoas – nove em cada dez, dizem alguns estudos – nota alterações no humor relacionadas com a estação do ano. E embora a maioria se sinta menos bem disposta e menos em forma durante o inverno, também há quem se sinta pior durante o verão. Os summer haters são como as bruxas: pode não acreditar neles, mas que os há, há. As razões desta tendência para o mau humor durante o tempo quente e luminoso são menos óbvias, mas alguns investigadores acreditam que podem estar relacionadas com a humidade e com as alergias.