O amor não é uma sms

Notícias Magazine

As pessoas generosas são sempre inspiradoras. As que correm o mundo, desassossegadamente, a tentar consertá-lo. Ou as que se metem paradas num laboratório, pacientemente à procura da chave para vencer a luta contra um vírus. As que dão o seu tempo, as que fazem revoluções, as que lutam pelo direito à diferença, as que inovam. Ou as que nasceram para dar colo e ser casa para alguém.

Todos os anos há, contas redondas, 800 crianças que ganham uma família. As estatísticas não contam as histórias. Como a de Paulo e Marta (nome fictício), que de um único gesto adotaram seis crianças, metade com necessidades educativas especiais. Ou a de Marta, que esteve até aos 14 anos numa instituição em Lisboa, e soube o que era ter pais quando já tinha desistido de ser filha.

Os números contam tendências e evoluções. Para o bem e para o mal. Entre 1 de agosto de 2015 e final de agosto de 2016, 43 crianças foram devolvidas por candidatos a pais às instituições de origem. Estavam ainda no período experimental de seis meses em que a adoção pode ser interrompida. Serão sensivelmente 5% do total de casos bem-sucedidos. E o que terá estado na origem desse desamor que deixa nas crianças a marca da rejeição? Não sabemos. Sabem, apenas, os protagonistas e os técnicos da Segurança Social.

Nós, que olhamos para relatórios a partir de fora, tentamos interpretar. É o número de rejeições mais elevado dos últimos três anos. E fica por perceber o que leva quem quis tanto dar colo (abrindo portas de casa para se sujeitar a entrevistas, avaliações psicológicas e uma espera feita de incertezas) a voltar a colocar uma criança no chão. Das 43 rejeitadas, 20 tinham menos de dois anos. Estavam nas idades baixas que tornam mais desejada a adoção. Não seria por já estarem com personalidades muito vincadas, um dos fatores que assusta quem decide adotar, que o processo terá sido dificultado.

Quando, há pouco mais de uma semana, o número de crianças rejeitadas foi divulgado, a Sónia, uma amiga adotada que sabe bem o valor de uma família, reagiu no Facebook. Vivemos numa sociedade clique. Quando algo se torna muito difícil, já não queremos. Talvez possa parecer um juízo emotivo, sem conhecer as razões (e o sofrimento) de quem falhou no propósito de adotar. Mas dá que pensar, claro que dá, que uma criança possa ser tratada como uma encomenda com defeito, devolvida à procedência. Que candidatos a pais desistam de crianças que desejaram.

Não sei se dramatizamos quando questionamos a voracidade do ritmo a que vivemos. Mas sei que a velocidade contamina as nossas relações. Enviamos uma sms e exigimos uma resposta rápida, uma presença permanente. E, sendo tudo tão rápido, nem sempre damos às relações o tempo necessário para poderem desabrochar. A vida não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. Abrir portas dentro da alma e escavar dentro do outro leva muito tempo. Tanto que às vezes a vida inteira não chega.

As exceções não devem fazer-nos desviar do essencial: dos 95% em que, estatisticamente, a adoção corre bem. Das histórias inspiradoras. É dessas que devemos alimentar-nos. Por mais que a vida acelere, que a tecnologia nos dê respostas imediatas, que estejamos sempre em contacto permanente, não devemos desviar-nos da noção de que as relações que valem a pena exigem tempo. Muito mais do que o tempo rápido de resposta a uma sms.