A palavra natural tem uma plasticidade única e a sua substância tem um espetro enorme de variações, chegando eventualmente à antinomia. Por vezes significa simplesmente o que é normal: eventos ou escolhas menos comuns são pouco naturais. Outras serve para concordar com alguém: tem razão, naturalmente.
Pode ainda significar que certo alimento não tem produtos químicos (o que coloca uma dúvida pertinente: existe alguma coisa que possamos comer que não seja químico?). A água é natural quando não tem gás ou quando está à temperatura ambiente. Julgo ser possível pedir uma água natural natural. Os iogurtes podem ter natas ou açúcar ou aditivos artificiais (como espessantes ou conservantes), que continuam naturais.
Se adicionarmos fruta (banana, por exemplo) perdem a sua naturalidade e passam a ser iogurtes de fruta, por mais natural que seja a banana. Natural também pode caraterizar o nascimento: um filho natural, biológico. Pode significar tranquilidade: agiu com naturalidade. Também pode ser verosimilhança, como no naturalismo. Ou uma espécie de conduta, regra moral, ou lei, como no caso do direito natural e da lei natural. A palavra natural também pode servir um contexto de racismo ou homofobia ou sexismo: natural é um negro viver em África, é contranatura ter relações homossexuais ou é da natureza feminina agir frivolamente.
Não usar roupas (que podem ser naturais ou, pelo contrário, sintéticas) em público não é natural, a menos que seja em lugares próprios e aí chama-se naturismo.
O artifício e artefacto opõem-se geralmente à natureza, mas curiosamente está na nossa natureza criá-los, o que faz que os artefactos, a técnica, o artifício, sejam resultados naturais da nossa natureza.
Creio que seria antinatural para um ser humano não fabricar instrumentos, coisas artificiais, não inventar. Nada mais natural do que produzir coisas artificiais. O homem não está separado da natureza, tem é algumas dificuldades semânticas. Há pouco tempo ficámos a saber que os níveis atuais de dióxido de carbono na atmosfera são os mais elevados dos últimos três milhões de anos.
Nada menos natural do que respirar este ar e, no entanto, é perfeitamente natural que tudo isto esteja a acontecer dada a porcaria que fazemos. Estamos a assistir aos derradeiros dias da natureza (pelo menos como a conhecemos). Mas vamos seguindo as nossas vidas com toda a naturalidade.
