Não vai dar, a sério. Nem que te pintes de ouro. E não sou eu. És tu, mesmo

Notícias Magazine

Ana,

Não sei mais como te posso dizer isto. E, sinceramente, estou farto de te dizer isto. Já o disse de todas as maneiras. Mais sério ou mais a rir, mais desesperado ou apenas cansado. Agora já não digo, escrevo.

Como neste e‑mail. Mais um. Já perdi a conta aos que te escrevi sobre este assunto. Em três meses – bolas, já passaram mesmo três meses? – escrevi‑te dezenas. E enviei‑te SMS. E mensagens pelo Messenger e pelo WhatsApp. Escrevi de todas as formas possíveis, das mais subtis às mais óbvias, com longas explicações ou em modo telegráfico. Em MAIÚSCULAS ou em letra pequena, eu não podia ser mais claro: acabou. Acabou, mesmo. É o fim. Foi o fim.

O fim já foi há três meses, lembras‑te? Naquele dia em que te chamei para o sofá e te disse que já não gostava de ti. E que queria acabar tudo contigo. E queria que fosses embora e me desses as chaves de casa. De minha casa.

Mas tu não me devolveste as chaves. Não te foste embora. Pediste para ficar uma semana, não tinhas para onde ir. Depois pediste outra. E outra. E foste ficando. Os teus pais estão longe, os teus amigos têm todos filhos, o teu irmão não gosta de ti, os teus primos não te aturam, o teu ordenado não dá para alugar uma casa. E agora, o que é que eu faço? E o que é que tu tens feito? Faz qualquer coisa. Desampara‑me a loja. Vai à tua vida, deixa‑me na minha. Mas deixa‑me as chaves.

Bem sei que ainda gostas de mim e que isto é uma forma, meio perversa meio avariada da tua cabeça, de tentares fazer que eu mude de ideias. Vais ficando, eu vou‑me habituando, a logística é boa, nós não nos chateamos, o sexo não era mau, eu gosto dos teus amigos, tu gostas dos meus. E até temos um gato.

Eu acho que gosto mais do gato do que tu, mas se quiseres podes levar o bicho. Leva o gato, os discos que me deste e de que tanto gostas, leva o aquário e os peixes, leva a Bimby, se quiseres. Até sabes mexer melhor naquilo do que eu. Se isto não é um ato de desespero, não sei o que seja. Estou a dar‑te a Bimby. A comprar a tua saída com uma Bimby!

E não adianta fazeres‑me o jantar todos os dias. Não adianta arrumar a casa ou passar‑me as camisas a ferro. Eu gosto de passar as minhas camisas, lembras‑te? Isto não vai lá assim. Isto não vai lá de maneira nenhuma. Isto acabou porque tinha de acabar, não porque tu tenhas feito alguma coisa que agora queres corrigir.

Não é por essa rotina que tentas criar que eu vou mudar de ideias. E não adianta esgueirares‑te do sofá, onde tens dormido, para a minha cama, a meio da noite. Podia ser tentador, mas é apenas estranho. Até porque um destes dias ainda apanhas lá mais alguém.

Já pensei nisso. Trazer alguém para casa, para ver se tu te mancas e te pões ao fresco. A ideia é interessante, mas depois ia ter de explicar quem és tu e por que porra de carga de água é que a minha ex‑namorada vive em minha casa. E possivelmente acordava contigo enfiada na cama também. A três, não. Pelo menos contigo, não.

Já comprei dióspiros, que tu detestas, e enchi a cozinha com aquilo. E comprei papel higiénico perfumado, que tu abominas. Não resultou. Já pensei em mudar de fechadura, atirar as tuas coisas pela janela, pôr‑te as malas à porta, pedir ajuda aos teus pais, falar com os teus amigos para te virem buscar (eu já fiz isso, mas ninguém quis). Já pensei em arranjar um cão ou convidar testemunhas de Jeová para virem cá a toda a hora para tentarem converter-te.

Já pensei em tudo para te ver daqui para fora, mas nada resulta. E como não sou um sujeito violento, vou aguentando esta coisa passivo‑agressiva de não te querer mal mas detestar a tua chantagem emocional de trazer por casa. Por minha casa! E já não sei ser subtil. Só quero que desapareças. E não batas com a porta.

Pedro

Leia a resposta da Ana (e, não, isto não é autobiográfico, mas é baseado numa história bem real) aqui: Vamos esquecer que já acabaste comigo 27 vezes