Texto de Ana Pago | Ilustração de Sérgio Condeço/WHO | Fotografia Shutterstock
Mal voltaram daquela viagem à Turquia, Isa e Nuno souberam que estavam prontos para viver juntos. Namoravam há quase dois anos e estavam seguros de que a relação era forte – e o que sentiam um pelo outro também. Mas nem ele se mostrara ainda interessado em ir viver com ela (Isa comprara casa antes de conhecê-lo) nem ela o incitava a ficar.
«Na sociedade atual, há cada vez mais um impulso para a satisfação imediata de prazeres e menos para esperar que as relações amadureçam, o que pode ser contraproducente», explica Catarina Rivero.
«O Nuno passava as tardes comigo, às vezes dormia lá», diz a designer de 35 anos. «No entanto, não queria que ele pensasse que o meu espaço era dos dois quando eu própria não sentia assim.» Nuno, programador um ano mais velho, confirma que o apelo também tardou no seu caso. «Em casa dos meus pais tinha toda a liberdade. Claro que queria ficar com a Isa, mas não havia pressa.»
O nível de compromisso só tem, de facto, a ganhar com esta reflexão e construção partilhada, aplaude a psicóloga Catarina Rivero. «Na sociedade atual, há cada vez mais um impulso para a satisfação imediata de prazeres e menos para esperar que as relações amadureçam, o que pode ser contraproducente», explica a terapeuta familiar, vendo no namoro um tempo para que ambos se conheçam e gerem laços fortes para o futuro.
«É importante que viver a dois seja um desejo de ambos, sem pressão de parte a parte, para que lhes seja possível entrar na casa comum com entusiasmo e flexibilidade para cocriarem um espaço à medida de ambos.» Se entretanto parecer que deixam de falar a mesma linguagem, faz parte.
«Existem sempre dificuldades nesta mudança. Não havendo no mundo dois seres que pensem de igual forma, a adaptação é uma constante em qualquer relação », confirma Margarida Vieitez, especialista em mediação familiar e de conflitos. Até porque namorar a viver em casas separadas é bem diferente de se namorar a partilhar casa. «Haverá despertares mais atribulados, mau feitio, irritações, frustrações, cansaço», avisa. Coisas chatas que antes se partilhavam apenas por um bocado – saturação, stress, angústias – são agora partilhadas durante muitas horas, o que pode conduzir aos mais variados conflitos dependendo da idealização que se fez da vida com o/a companheiro/a.
Posto isto, como sabe o casal que está pronto para avançar na relação? Qual o momento certo, se é que existe algum? Margarida Vieitez aponta desde logo quatro bons indicadores: «Terem um projeto em comum que atenda aos sonhos, desejos e interesses de cada um – algo que pressupõe capacidade de diálogo e de fazer cedências». Conhecerem as necessidades um do outro (sobretudo emocionais) ao nível da expressão de afetos, apoio, confiança e proximidade. «Terem suficiente empatia para acolher essas necessidades, o que implica compreensão, aceitação, capacidade de perdoar.» E, lógico, haver encantamento e sintonia no modo como perspetivam a relação.
Entre Isa e Nuno existe tudo isto, à mistura com muitas manias pessoais. «Ele irrita-me por deixar o micro-ondas todo sujo e migalhas no tapete da sala, por mais que o avise», diz a namorada. «Ela irrita-me porque sai do banho sem limpar os pés e espalha vernizes pela casa», rebate o namorado. Isa é intempestiva, uma máquina a organizar, obsessiva nas limpezas (quando está para aí virada).
Nuno é apaziguador, alinha em quase todas as ideias arrojadas dela – como quando quis pintar o quarto de amarelo-limão – e despacha as suas tarefas de empreitada sem ligar aos pormenores (aí sim, ela passa-se a sério). «Salta-lhe a tampa com muito mais facilidade do que a mim, o que me lixa. Por outro lado, preciso daquela genica que ela tem de sobra e a mim me falta.»
«Em pleno século XXI ainda há quem tenha medo de dizer ao companheiro o que sente, o que resulta nas mais variadas patologias, entre elas a depressão», diz Mariana Vieitez.
A verdade é que encaixam. Nisso, a tal viagem à Turquia foi providencial: ao fim de duas semanas de mochila às costas, a improvisar cada passo e cada lira turca, sentiam-se incapazes de fazer diferente dali em diante. «Nem sempre concordamos, mas falamos, e o que é facto é que nenhum perdeu a sua individualidade ou deixou de fazer as suas coisas, como eu temia», diz Isa. E já lá vão oito anos a viver debaixo do mesmo teto.
Nuno concorda, sublinhando que os ajustes surgem com a convivência: «Os nossos pais dizem que só se estragou uma casa, mas somos uma equipa em todos os aspetos.» Parece que vivem num ovo – quando vierem os filhos terão de se mudar. Veem-se desgrenhados, chateados, com roupa velha, na casa de banho, e nem assim há pessoa com quem mais gostem de estar do que com o outro.
O que significa que estão no bom caminho, considera Margarida Vieitez. Pelo contrário, muitos namorados querem avançar na relação sem fazerem ideia do que isso implica. «Em pleno século XXI ainda há quem tenha medo de dizer ao companheiro o que sente, o que resulta nas mais variadas patologias, entre elas a depressão», alerta a mediadora familiar. Se a imagem projetada durante o namoro foi construída para agradar, então o processo de aceitar a realidade pode ser penoso.
«Uma coisa é brincar aos casais durante o fim de semana, outra é ter uma relação de amor e compromisso, um vínculo seguro. Creio que existem cada vez mais pessoas a viver relações baseadas em gigantescos equívocos, esperando milagres a cada instante», lamenta.
Para a psicóloga Catarina Rivero, um excelente indicador da qualidade da relação é a admiração mútua entre parceiros ao longo dos anos. «Aqui, ajuda muito ter uma boa amizade, sem descurar a dinâmica do erotismo que tem de ser alimentada após a fase da paixão», diz. Há que sonhar em conjunto, mantendo uma certa idealização do namorado.
Evitar cair no sarcasmo e nas críticas mútuas (o elogio é mais eficaz). «Alimentar o espaço conjugal sem perder os amigos ou as metas pessoais, visto a felicidade individual contribuir para a satisfação do casal», diz a psicóloga. E no momento em que os dois conseguirem estar no sofá em silêncio, confortáveis na presença do outro, saberão finalmente que já estavam prontos para ir viver juntos.