Música para dar um novo sentido à vida

Texto de Cláudia Pinto | Fotografia de Rui Fonseca/Global Imagens

Chapéu Preto é uma canção com letra e música de Arlindo de Carvalho. Pelo nome muita gente não se lembrará da melodia, mas o refrão não engana: «É mentira, é mentira, é mentira sim senhor. Eu nunca pedi um beijo, quem mo deu foi meu amor.» O tema intemporal é cantado por cerca de 130 pessoas de Esposende, que ensaiam os acordes da canção popular portuguesa na Igreja de São Paio de Antas.

Por ali cantam-se músicas populares portuguesas e fado. As melodias transmitem sentimentos. Falam de amor, solidão, tristeza, alegria. No fundo, retratam diferentes fases da vida. A maestrina procurava um parceiro para desenvolver o projeto. Pouco tempo demorou até que o coro arrancasse, em fevereiro do ano passado. «Do ponto de vista técnico e específico, cantar num coro ajuda na memória, na dicção e na motricidade», diz Ana.

O convite surgiu dos serviços de ação social da Câmara Municipal de Esposende, que à tarde, os 130 seniores são divididos em três grupos para ensaiar.

«Do ponto de vista social, permite que os seniores saiam de casa, cantem em grupo, participem em encontros e em algumas viagens.» Não existem quaisquer barreiras de seleção, pois um dos intuitos do coro é a promoção da inclusão social. «Aceitamos qualquer pessoa que queira integrar. O único compromisso é vir aos ensaios», diz Luís Clemente. Às terças-feiras, de manhã e à tarde, e às sextas-feiras, Ana Carolina Capitão tem o enorme desafio de orientar os elementos do Coro Sénior de Esposende, organizar posições e afinar vozes.

É acompanhada ao piano por Luís Clemente. Ela é presidente, ele vice-presidente da Orquestra da Costa Atlântica (OCA), têm ambos formação musical e decidiram criar a associação sem fins lucrativos em A orquestra multiplica-se em atividades nacionais e internacionais que envolvem pessoas de várias gerações, mas nunca esteve na génese da sua missão alargá-las à população sénior.

O convite surgiu dos serviços de ação social da Câmara Municipal de Esposende, que à tarde, os 130 seniores são divididos em três grupos para ensaiar. A exceção acontece quando se aproximam festivais ou apresentações ao público, que exigem que todos se reúnam em simultâneo – foi o caso em meados de março, dias antes do I Festival de Coros Seniores, organizado pela OCA com a participação de este e de outros coros do género, de Espinho e Vila do Conde, em três igrejas da cidade.

A maestrina interrompe sempre que se justifica e dá orientações que ajudam os coristas a aperfeiçoar o canto. «O tom está muito acelerado. Esta música alentejana é muito doce, fala de amor. Temos de cantá-la com mais suavidade.» Atentos, olham para as pautas com as letras das canções (outros há que já as decoraram e dispensam a cábula), cantam e entram no ritmo.

Maria Gomes Correia é uma das mais velhas. Tem 93 anos e energia de sobra para estas andanças. A visão já teve melhores dias, mas a memória permite-lhe soletrar as letras de forma convicta. «Gosto muito disto aqui, é uma grande alegria.» A gravação de um CD, a realização de workshops instrumentais, o Festival de Coros, algumas visitas de estudo e a publicação de um pequeno cancioneiro são neste ano possíveis de concretizar depois da atribuição, em outubro de 2016, de uma distinção no Prémio BPI Seniores.

«Com os 21.500 euros que recebemos vamos potenciar o projeto e alcançar atividades que seriam difíceis de outra forma», explica Luís. Parte da verba permitirá ainda a compra de instrumentos de percussão. Há quem esteja agora a colocar em prática desejos antigos. «Sempre gostei de cantar mas só o fazia em casa, com os meus filhos e netos», diz Madalena Veiga, 69 anos.

«Isto aqui é mais a sério. Nunca é tarde para realizar um sonho na vida.» Gosta de aprender canções novas, mas também de recordar antigas. «Vamos gravar um CD e tudo, já viu? Nem dá para acreditar nas coisas que faço e que nunca tinha experimentado. Até me sinto mais nova!» «Temos casos de pessoas com depressão há vários anos que nos confidenciaram que reduziram a medicação desde que entraram no coro. Nesta fase da vida, com menos objetivos, acabavam por se fechar um pouco em casa e estavam muito isoladas.

Agora, põem-se bonitas, vêm aos ensaios e uma amiga puxa a outra… São hoje pessoas mais sociáveis e motivadas», afirma Ana Carolina. «Estou mais feliz hoje e muito menos deprimida», diz Marinha Barros, 65 anos. Maria José, com 70, também viu a vida mudar: «Andava muito triste antes de ingressar no coro. Isto dá-me anos de vida.» E o sorriso largo não a deixa mentir.

VOZES MASCULINAS PRECISAM-SE

Estão em clara minoria no grupo, mas alguns homens desafiam as probabilidades. Aos 69 anos, Joaquim Graça lamenta um acidente que teve há cinco anos e que o prejudicou a nível vocal. «Mas não desisto, vou-me contentando com aquilo que consigo fazer. Julgo que todos os seniores deviam participar no coro, desde que a saúde o permita.» Com 87 anos, Manuel Costa tem uma voz que se ouve ao longe. «Faço isto desde os 5 anos. Canto para o povo e tenho uma voz de que toda a gente gosta», diz sem falsas modéstias. «Espero que isto continue por muitos mais anos.»