Mulheres-Nestlé

Texto de Sara Dias Oliveira

Naquela manhã, Sandra Lopes tinha várias coisas na cabeça. A mobília de casa para encaixotar, uma viagem dali a seis dias, a mudança para a Suíça com o marido e as duas filhas de 2 e 5 anos, os últimos dias como diretora da fábrica da Nestlé de Avanca, do Nestum e do Cerelac, do Nesquik e do Mokambo. Os atributos que a sua equipa lhe dedicou, numa espécie de despedida, e a comparação que lhe fizeram a um vinho Alvarinho pela frescura, estão frescos na sua memória. «Vamos fazendo pequenas conquistas. Ter uma equipa ao meu lado é o que mais agradeço», diz.

Até ao final de maio, as fábricas da Nestlé em Portugal eram todas comandadas por mulheres. Conceição Neves na fábrica do Porto. Joana Mariano em Lagoa, São Miguel, Açores. Sandra já está na Suíça. Mulheres descontraídas, de pulso firme, que fazem reuniões nas linhas de produção, que vestem a farda, trocam de sapatos, põem a touca, a máscara, óculos de proteção, auriculares, para falarem com trabalhadores e verem máquinas a funcionar – algumas têm detetores de metais e raios-X. Conhecem os cantos à casa, ocuparam vários cargos na multinacional do ramo alimentar e de bebidas com mais de duas mil marcas e 150 anos de vida. Saíram da zona de conforto várias vezes. Aprenderam e cresceram.

Os gostos dos consumidores são muito localizados: as necessidades de um bebé em Portugal não são as mesmas de um bebé na Malásia.

Sandra Lopes, 39 anos, engenheira química, mestrado em Gestão de Empresas, de Vila Nova de Gaia, deixou a direção da maior fábrica da Nestlé em Portugal no final de maio. Durante quatro anos e oito meses geriu trezentos trabalhadores, agora está na sede da Nestlé na Suíça, num edifício moderno de escritórios com vista para um lago. É o braço direito do técnico mundial dos cereais infantis. Já não precisa de vestir uma farda, anda de computador, não tem gabinete, senta-se onde houver lugar vago, fala com gente de todo o mundo. Nada é igual. Agora a perspetiva é mundial numa empresa que tem 418 fábricas em 191 países. «Tenho de olhar para o mapa do mundo, acompanhar os principais projetos de apoio ao produto de nutrição.» É responsável por desenvolver estratégias na área dos cereais infantis. Ela sabe, são 17 anos de Nestlé. «Os gostos dos consumidores são muito localizados, as necessidades de um bebé em Portugal não são as mesmas de um bebé na Malásia.»

Naquela manhã, vestia calça preta, casaco branco numa sala de reuniões, hora e meia depois andava pela linha de produção do Cerelac, de farda, mãos desinfetadas. Germano Mota, um dos responsáveis pelos projetos de investimento, descreve-a numa frase: «Sabe unir as equipas e empurra tudo para a frente.» Versátil, impaciente para trabalhos de rotina, vê a árvore e a floresta ao mesmo tempo, nos estudos do cérebro é a parte amarela, a da criatividade, que sobressai. Mantém a calma em situações complicadas, descontraída, nada protocolar. Defende uma liderança visível. «O diretor já não é aquela pessoa com quem se tem medo de falar.»

Cereais, café, leite em pó

Conceição Neves também é adepta de um estilo de liderança democrático. Também veste a farda, o colete refletor e põe o capacete para reunir com os técnicos na produção, ouvir os mecânicos, registar preocupações e prioridades na mudança de turnos. Em 2011, aos 39 anos – agora tem 45 –, assumiu a direção da fábrica do Porto que produz café. O conhecimento técnico abrangente é um trunfo. «Para sabermos dirigir temos de saber fazer. E é na produção que a magia acontece», diz.

NAS FÁBRICAS, A DEDICAÇÃO É TOTAL E OS DIAS NUNCA SÃO IGUAIS. HÁ, PORÉM, ALGUMAS ROTINAS, PARA SE TER A CERTEZA DE QUE TUDO CORRE BEM ÀS DUAS DA MANHÃ DE QUINTA-FEIRA E ÀS QUATRO DA TARDE DE SÁBADO.

Orienta, tenta absorver a pressão, é flexível. «O primeiro desafio é conseguir motivar equipas, o resto vem por acréscimo. Tento orientar, tento que as pessoas tragam a solução e faço todos os possíveis para conseguir dar aquilo que necessitam para executar o trabalho na perfeição.» Uma aprendizagem constante. «Às vezes podemos errar um bocadinho, tento não deixar errar muito, mas não imponho, oriento.» O café que chega de 21 origens é limpo, passa para os silos, anda de sala em sala, de máquina em máquina até ser empacotado. A qualidade do café é analisada à lupa antes de passar à produção. «E a segurança não é negociável», garante a diretora, licenciada em Química, natural de Viseu e a viver em Aveiro.

Joana Mariano, 39 anos, licenciada em Bioquímica, de Aveiro e a viver nos Açores, segue a mesma linha. É uma mulher do terreno com oitenta funcionários para gerir na fábrica de Lagoa que produz leite em pó. «Sou uma pessoa de fazer, de executar.» Prefere andar pela produção, de farda, e fazer perguntas. «Ao questionar como fazemos, obrigo a pensar porque não fazemos de outra maneira. É desse confronto que as coisas mudam», refere. Um dia que passe demasiado tempo no computador não é um bom dia. «Percebo as dificuldades, desafio um bocadinho, ouço e tento ajudar.»

As fábricas de Avanca e de Lagoa não param, trabalham sete dias por semana, 24 horas por dia. A do Porto funciona de segunda a sexta, 24 horas por dia. Além das três fábricas, a Nestlé Portugal tem a sede em Linda-a-Velha e um centro de distribuição em Avanca. As três diretoras delegam responsabilidades, estão sempre disponíveis para qualquer eventualidade, tentam que os dias de descanso sejam sagrados. Sandra gosta de pintar, de não ter agenda, de estar em família. Conceição vai ao ginásio, dá passeios de bicicleta com o filho de 11 anos. Joana adora ler, mar e sol.

A degustação dos produtos é rotina diária em todas as fábricas Nestlé, com elementos treinados para que nada falhe.

Nas fábricas, a dedicação é total e os dias nunca são iguais. Há, porém, algumas rotinas. Todas as manhãs, Sandra tinha uma reunião de degustação dos produtos feitos na véspera, reuniões operacionais nas linhas, às terças à tarde reunia com o comité executivo numa sala com paredes cheias de indicações, coisas a tratar, objetivos a alcançar, planificação da semana. A qualidade dos produtos e a segurança são preciosos. «Temos de ter a certeza de que tudo corre bem às duas da manhã de quinta-feira e às quatro da tarde de sábado.»

Conceição Neves e Joana Mariano também têm sessões de degustação diárias. No Porto, provam-se os produtos feitos e as matérias-primas, os cafés verdes. De manhã, Conceição passa mais tempo na produção, à tarde dedica-se à parte administrativa. Na fábrica dos Açores, a degustação também é rotina diária com elementos treinados para que nada falhe.

De estagiárias a diretoras

Entraram como estagiárias, chegaram à direção. Sandra Lopes foi persistente. Assistiu a uma conferência da Nestlé na faculdade, guardou o cartão da empresa, mandou e-mail a pedir um estágio, não foi selecionada. Insistiu. Em 2000, conseguiu um estágio na fábrica de Avanca e ali ficou até 2005 como engenheira na produção dos cereais infantis e pequenos-almoços. Até que surgiu a oportunidade de ir para Espanha, primeiro para Barcelona, para a unidade de produção de cereais infantis até 2007, depois para perto de Santander até 2008, como chefe de produção de cereais infantis. Em 2008, regressou a Portugal, como diretora da fábrica de Lagoa, nos Açores, até setembro de 2012. Dali regressou à fábrica de Avanca como diretora. «É uma empresa muito robusta, cada um faz o seu estilo, cada um deixa a sua marca, e há muitas oportunidades», sublinha.

Joana Mariano também teve experiências internacionais. Bateu à porta da Nestlé, depois do curso de Bioquímica na Universidade do Porto. Queria ganhar experiência na indústria alimentar. Entrou como estagiária no controlo de qualidade na fábrica de Avanca, passou a contratada no controlo de qualidade e no suporte à produção. Ficou oito anos em Avanca e voou para a Suíça para o centro de pesquisa e inovação de produção, para ajudar na implementação de melhorias na linha de produção e na gestão de problemas de qualidade. Passaram cinco anos até ser convidada para atravessar o Atlântico e ir trabalhar para a Florida, nos Estados Unidos. «É um mercado que acaba por ser um negócio e o que se faz tem muito impacto.» Passava metade do tempo em viagem. Dava apoio à equipa das máquinas automáticas de bebidas e a duas fábricas. Três anos depois, mais um voo para o cargo de diretora da fábrica dos Açores. Mais uma volta. «Nunca senti que me faltasse tempo para aprender mais nas posições que ocupei. Sou muito Nestlé, visto a camisola.»

Conceição Neves nunca saiu de Portugal. Depois do curso de Química, deu aulas de Físico-Química. Um ano de ensino e a oportunidade de um estágio na Longa Vida, em Matosinhos, para reduzir os tempos de limpeza e aumentar a capacidade produtiva. Daí passou para o laboratório da empresa e para o controlo de qualidade. O contacto com a produção foi determinante. O empenho não passou despercebido e o convite par ser responsável de produção na fábrica do Porto aconteceu em 2000. Ficou quatro anos até assumir a direção das fábricas da Nestlé Waters, da Água Castello em Moura e Campilho em Vidago. Em 2007, mudou-se para a fábrica de Avanca como responsável da certificação integrada, projeto que estava a iniciar. Em janeiro de 2011, voltou à fábrica do Porto como diretora. «Estas mudanças trazem desafios, coisas novas que temos de aprender, temos de sair da nossa zona de conforto e crescer.» Todas concordam. Todas sabem que há sempre portas que se abrem. «Há um sentimento de pertença elevado. Estamos bem e gostamos de estar na Nestlé», diz Sandra Lopes.

FÁBRICAS DA NESTLÉ EM PORTUGAL

AVANCA
Especializada em cereais, produz Cerelac, Nestum, Nesquik, Mokambo, Pensal, Chocapic, Estrelitas, Brasa, Tofina, Bolero. Produz 34 mil toneladas por ano. Exporta 54 por cento da sua produção.

PORTO
Especializada em cafés torrados, produz Buondi, Sical, Tofa, Christina. Produz 12 mil toneladas por ano. Exporta 21 por cento da sua produção.

LAGOA (SÃO MIGUEL, AÇORES)
Especializada em leite em pó. Produz 7,6 toneladas por ano. Exporta 34 por cento da sua produção.