A hecatombe da Matemática e o nosso futuro como país

Notícias Magazine

 

Pensei que fosse manchete de todos os jornais, sites e afins. Mas não foi. Os miúdos do 5.º e do 6.º ano, do segundo ciclo, têm resultados muito maus a Matemática. Trinta por cento de negativas, segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas do Ensino – numa prospeção feita não a partir de nenhum exame mas das notas dadas pelos professores. Não acham suficiente para uma manchete?

Mas há mais. E pior. A maior parte das más notas são de alunos de classes sociais mais baixas. Em alunos sem apoio social houve 16 por cento de negativas a Matemática no 5.º ano. Nos alunos com apoio social escolar essa percentagem sobe para 44 por cento. E, segundo a análise, a capacidade de recuperação é baixa: quem tem negativa no 5.º está praticamente condenado a tê-la nos anos seguintes.

Tudo isto já merecia, pelo menos, uma onda de indignação – um thread, como agora se diz – nas redes sociais, à medida do que aconteceu com a tolerância de ponto na sexta-feira, as vacinas e o sarampo, o programa do chef Ljubomir, a Baleia Azul… Temas superimportantes, nenhum com a importância das más notas a Matemática no 2º ciclo.

Haver tantas más notas a Matemática, numa idade tão precoce – 10, 12 anos –, diz muito mais sobre o país e o seu sistema de ensino do que sobre esses meninos com tudo isso confrontados e em tão tenra idade. Um ensino que não só não previne como até provoca este descalabro devia ser já intervencionado por autoridades competentes. E uma vez que as nossas, internas, não parecem sê-lo, venham outras, mais lúcidas. É pena não haver uma troika para estes casos.

Aqui fala-se não só de economia mas também. E política. E cultura. E futuro. Sempre soubemos onde desagua um país que não constrói uma boa base de ensino. Hoje, podemos prever ainda maior hecatombe: vivemos numa economia de conhecimento em que o trabalho braçal – e até o intelectual mais básico – está a ser substituído por máquinas inteligentes. O trabalho, em geral, vai rarefazer-se. Restará a criatividade, o pensamento, a capacidade de inovação. Deles dependerá a produtividade, em que se marca a diferença entre países pobres e países ricos.

Não há um bom sistema de ensino sem que se saiba ensinar Matemática. Sobretudo a miúdos que nunca a aprenderam. Não é física quântica, é o bê-á-bá das contas e das funções. O mundo mudou, as cabeças das crianças também. Mas uma coisa não foi alterada: as bases da matemática ensinam a pensar, a perceber a lógica da causa-consequência que nos guia na vida.

E o que dizer de um sistema de ensino que deixa de ser elevador social, algo cada vez mais decisivo? Hoje sabemos que há mais uma consequência disso: o populismo de tendência fascista está à esquina, a espreitar.

E, tal como aconteceu nos EUA com Donald Trump, no Reino Unidos com o brexit e agora em França, é nas classes menos educadas que ele vai encontrar as suas bases de apoio, porque estas são as mais recetivas às suas soluções simples – e irrealistas – para problemas complicados.

Mas nada disto parece preocupar quem devia estar já com os cabelos todos em pé. É preciso perceber, apurar responsabilidades – estes dados dizem respeito a 2014, 2015 – e estugar o passo. Antes que seja tarde demais.