Texto de Sara Dias Oliveira | Fotografia Artur Machado/Global Imagens
«A gente não sabe onde vai buscar a força, mas vai». Há dois anos, a vida de Marlene Cubo, professora do 1.º ciclo, mudou. Passou o domingo como habitualmente, nada de estranho, nenhum sinal à espreita.
O ano letivo já tinha terminado, na segunda-feira começariam as reuniões de professores na sua escola em Gondomar, onde era professora de apoio. Estava a terminar os relatórios para o dia seguinte quando sentiu que alguma coisa não estava bem. Eram onze da noite.
«Senti um formigueiro por mim acima, quando chegou ao cérebro, senti uma pressão tão grande, o corpo ficou sem ação», recorda. Estava sentada na cama do filho, ainda tentou agarrar o edredom, não conseguiu, caiu no chão. Estava sozinha em sua casa em Rio Tinto. Era 14 de junho de 2015.
Não perdeu a consciência, nem a fala, rastejou até outra divisão da casa onde estava o telemóvel, conseguiu ligar à irmã, contou-lhe que não estava bem, que não sentia o lado esquerdo do corpo.
A ambulância chegou, entrou nas urgências do Hospital Santo António, no Porto. «Estava muito nervosa, sentia a língua a prender, mas tinha um discurso coerente». Chegaram a pensar numa crise de ansiedade, só quando chegaram os exames médicos é que houve a certeza do AVC, que havia lesões no cérebro.
«Sou um bocadinho teimosa e, aos poucos, comecei a recuperar. Dei muitos tombos, queria fazer as minhas coisas sozinha».
Marlene ficou internada uma semana no hospital. O lado esquerdo do corpo estava descompensado e notava-se. O primeiro dia em que tentou levantar-se não foi fácil. O corpo não respondia à vontade, não conseguia caminhar. Não tinha equilíbrio, andava de cadeira de rodas, tomava banho sentada.
Começou a fazer fisioterapia. «Sou um bocadinho teimosa e, aos poucos, comecei a recuperar. Dei muitos tombos, queria fazer as minhas coisas sozinha». Andou na fisioterapia quase um ano, a mazela no pé esquerdo quase não se nota. Hoje, aos 42 anos, não há sinais de que sofreu um AVC, voltou à escola como professora de apoio, e agora está em análise dar aulas a uma turma do 2.º ano.
Nunca perdeu a fala, mas sentiu que a memória não estava bem. «Sentia-me muito esquecida», recorda. O AVC provocou-lhe estragos na atenção, na memória visual, em algumas funções executivas, de planeamento.
Em maio deste ano, depois de um teste psicológico, entrou num programa específico para pessoas com lesão cerebral adquirida no Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG), em Arcozelo, que terminou na semana passada. «Fez-me muito bem, ajudou-me a memorizar, a concentrar-me. Estimulou-me a parte cognitiva». «Esquecer toda a gente se esquece. Mas o que me falha são as memórias mais recentes», confessa.
«O AVC ensinou-me que tudo pode mudar de um momento para o outro, mas também a ir buscar forças que não pensava ter.»
Fez jogos de memorização, escreveu textos, aprendeu estratégias para evitar esquecimentos. Fazer notas para ajudar a cabeça a lembrar-se, anotar coisas no telemóvel, deixar objetos sempre num determinado sítio. Marlene continua no CRPG em consultas de psicologia.
Os três anos anteriores ao AVC não foram fáceis. A morte do pai do seu filho, depressão, problemas de saúde, muita medicação. Uma semana antes, tinha decidido deixar os comprimidos de lado. Andava cansada, esgotada. Não sabe se foi por isso que o corpo se ressentiu.
«O AVC ensinou-me que tudo pode mudar de um momento para o outro». Mas também lhe ensinou a ir buscar forças que não pensava ter, a encarar a vida de uma outra forma. A viver um dia de cada vez. Quando estava na cama do hospital, ouviu uma frase de uma enfermeira que não mais esqueceu. «Ela disse-me: “olhe à sua volta, você é nova e você é capaz”». E o AVC não levou a melhor.
«Estou muito mais autónoma, faço tudo em casa». Leva o filho de 14 anos ao colégio, conduz, faz caminhadas, ou não tivesse sido uma ginasta rítmica entre os três e os 14 anos, federada aos nove com várias medalhas conquistadas, faz (quase» a vida normal.
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