Ser maior através da arte

Texto de Cláudia Pinto | Fotografia de Leonardo Negrão/Global Imagens

São 65 crianças e jovens. Os mais novos têm 8 anos, os mais velhos 16. Doze deles têm necessidades educativas especiais. Vestidos de branco, descalços, em cima do palco, ouvem atentamente as indicações de Ana Rita Barata, diretora artística e fundadora da Vo’Arte, uma produtora cultural e associação sem fins lucrativos, criada em 1998. Dançam, representam e tocam instrumentos musicais.

O momento é importante: é o dia do ensaio geral do espetáculo Eu Maior, que estreia no dia seguinte no Teatro de São Luiz, em Lisboa, promovido pela associação e pela CIM, uma companhia de dança inclusiva. O palco da Sala Luís Miguel Cintra enche-se de sons, risos e conversas típicas da idade.

«Concentrem-se em silêncio», pede Ana Rita. «Espalhem-se pelo espaço, não quero ninguém de costas para a borda do palco.» Os protagonistas, juntamente com quatro bailarinos profissionais, interagem num espetáculo cuja principal mensagem é de que todos temos um «superpoder» que ganha vida própria e transforma fragilidades em movimentos.

O espetáculo contou com audiodescrição e uma intérprete de língua gestual portuguesa, ferramentas que Ana Rita considera fulcrais: «É muito importante profissionalizar isto. A única forma de tornar a cultura acessível a todos é integrar estas componentes no orçamento.» Tudo acontece em palco: meninos sem necessidades especiais a empurrar a cadeira de rodas de colegas com paralisia cerebral. Outros que defendem quem não vê para que estejam em segurança.

Cada turma passou por 12 sessões, tendo ainda acesso às componentes de artes plásticas, música ou noção de braille, entre outras. O projeto contou, em 2017, com um fôlego de vinte mil euros graças à distinção com uma menção honrosa do Prémio BPI Capacitar.

Assumem o papel com a responsabilidade que lhes foi incutida para que percebam «que todos são iguais e que tudo isto é natural», diz Ana Rita. Este é o culminar de dois anos de sessões realizadas em quatro escolas da cidade de Lisboa, nas zonas de Telheiras, Lapa, Campo de Ourique e Lumiar. O objetivo passa por promover a inclusão nas escolas através da arte, criando e desenvolvendo uma atividade curricular de dança inclusiva. «Trabalhámos com 17 turmas, cada uma com vinte alunos», diz a diretora artística.

«Intervimos com crianças com vários espetros (autismo, paralisia cerebral, deficiência visual, doenças raras, síndrome de Down, etc.) e realizámos estas sessões na disciplina de Educação para a Cidadania. Foram várias as experiências vivenciadas, ao nível de corpo, de espaço, de autoestima, do contacto com o outro, da respiração, do olhar, do saber estar num contexto de sala de aula ou num ensaio.»

Cada turma passou por 12 sessões, tendo ainda acesso às componentes de artes plásticas, música ou noção de braille, entre outras. O projeto contou, em 2017, com um fôlego de vinte mil euros graças à distinção com uma menção honrosa do Prémio BPI Capacitar, no final do ano passado.

O valor tem vindo a ser utilizado no «reforço dos recursos humanos, em consumíveis e equipamento». Jorge Nascimento, diretor do Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão (sediado na Escola Básica e Secundária Josefa de Óbidos, uma das participantes), ficou surpreendido pela positiva.

«O Eu Maior está na responsabilidade da escolha, e não no facto de depender do outro. As crianças têm o poder de escolher no mundo dos adultos.»

«Muitos destes miúdos têm comportamentos desadequados e dificuldades de concentração. O projeto, vindo de fora, é um sopro, acrescenta algo, ajuda a crescer. Tem sido uma aprendizagem enorme, também para professores e funcionários.» Henrique tem 13 anos. A paralisia cerebral não o impede de dançar e de sorrir. É do Benfica e adora passear. Garante que não está nervoso com a estreia.

«Estar em palco é o mesmo que estar na escola», diz seguro. Esta é uma experiência que não irão esquecer, acredita Ana Rita. «O Eu Maior está na responsabilidade da escolha, e não no facto de depender do outro. As crianças têm o poder de escolher no mundo dos adultos.» Joana Gomes acreditou e escolheu. Nasceu com glaucoma e sabia que a perda de visão poderia acontecer.

Tem 25 anos e cegou há dez. Perdeu a memória de rostos mas lembra-se «de cores e daquilo que via a partir da janela do quarto». Mas a deficiência visual não lhe roubou os sonhos. Trocou o Norte pela capital, é bailarina profissional da companhia de dança CIM e trabalha na Vo’Arte no apoio à produção. O maior desafio é orientar-se entre 65 pessoas em palco mas sente-se apoiada pelos colegas, sempre atentos aos passos dela.

«Eles dão-me essa segurança», diz. Cecília Hudec, 31 anos, bailarina da CIM há três, acredita que a inclusão é um processo «absolutamente natural. Existem diferenças da mesma forma que uma pessoa é loira e outra é morena».

Ela que só se sente «em casa» quando está em cima de um palco, recusa paternalismos e defende: «É o mesmo que dançar com outras pessoas em que cada corpo é diferente e temos de nos ajustar.» São várias as artes e um foco principal: o da superação. «É preciso acreditar», ouve-se no final do espetáculo. Eles acreditaram. E foram, de facto, maiores.

NOVAS CANDIDATURAS PARA MAIS APOIO

Criado em 2010, o Prémio BPI Capacitar tem como objetivo promover a melhoria da qualidade de vida e a integração social das pessoas com deficiência ou incapacidade permanente. As candidaturas para a oitava edição abriram a 30 de junho e o prazo termina a 30 de julho. Podem concorrer instituições sem fins lucrativos, com sede em Portugal, através do site www.bancobpi.pt. Desde a sua primeira edição, o Prémio BPI Capacitar já atribuiu cerca de quatro milhões de euros a 125 projetos que beneficiam diretamente mais de trinta mil pessoas com deficiência.

Com o apoio de: