Os desafios de ser mãe depois dos 40

Texto Ana Pago

O nascimento da filha Rita, a uma semana de completar 41 anos, afundou Paula Mourato numa discreta mas feroz apreensão. «Antes de a ter não tive dúvidas sobre nada. Era um desejo de longa data que já não esperava realizar», conta a jornalista de 47 anos, mãe solteira. Depois veio a cesariana.

Puseram-lhe o bebé nos braços. Paula cheirou-a, beijou-a, e, de repente, um medo novo: «A minha filha já não era um ideal sonhado. Era real e dependia de mim.» Como ia criá-la sozinha? Sustentá-la? E aquele tempo que nunca vai recuperar? «Tiro muita força de saber o que é amar incondicionalmente alguém – algo que cada vez mais mães tardias, como eu, sentem ao chegar à meia-idade. Mas às vezes também dói muito pensar no futuro.»

Essa é justamente uma das desvantagens de se adiar a maternidade: ter uma vida mais curta ao lado dos filhos, correndo o risco de nunca os ver sair de casa ou conhecer os netos, confirma Maria do Céu Santo, ginecologista e obstetra no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. E há mais: «A qualidade dos óvulos diminui com a idade. O risco de alterações cromossómicas no feto aumenta.

A mãe está mais propensa a ter diabetes gestacional, hipertensão e outras patologias.» Por outro lado, muito se tem avançado ao nível da procriação medicamente assistida, da precisão dos exames de diagnóstico e da vigilância da gravidez. «Como mulher, digo que cada uma tem de ser a gestora da sua própria vida, embora como obstetra ainda ache que existem mais contras do que prós.»

«Dificuldades ultrapassam-se. Aos 40 ainda sou jovem e tenho uma maturidade que não tinha aos 20 nem aos 30 anos», diz Paula Mourato, a quem só custa pensar que pode não estar cá quando Rita tiver os 47 que ela tem agora.

Paula Mourato é capaz de citar de cor o seu próprio rol: uma gravidez de alto risco por ter fibromiomas uterinos. Hematoma subcoriónico às 12 semanas que a pôs dois meses e meio de cama. Diabetes gestacional. O corpo a rebentar-lhe como um figo maduro. A cabeça esgotada. A fadiga crónica. A paciência por um fio. E sempre, sempre aquela angústia antes de fazer exames: pensar que a sua idade podia causar malformações à filha desesperava-a.

«Se esses detalhes são impeditivos? Não, e lido bem com eles, afinal aos 40 ainda sou jovem e tenho uma maturidade que não tinha aos 20, nem sequer aos 30 anos», diz a jornalista. Só lhe custa aceitar que provavelmente não estará cá quando Rita tiver os 47 que ela tem agora. E por uma escolha que foi sua.

NÃO EXISTE A IDADE CERTA PARA SER MÃE

Aos 48 anos, também a apresentadora Adelaide Sousa assume que o mais certo é não conseguir ser a fonte inesgotável de energia que sonhou para Kyle desde que o teve com 40 anos – e tem tanta pena disso. «Receei perder uma vida de que gostava. Deixar de poder fazer o que me apetecia por ter de pensar em alguém que não eu, totalmente dependente de mim», lamenta.

Nem ela nem o marido Tracy Richardson, fotógrafo norte-americano, sentiam que um filho fizesse falta. Funcionavam bem a dois, para quê arriscar? Faltou-lhes coragem até tarde. «Desperdicei muita fertilidade por ter medo do desconhecido. Arrependo-me bastante de não ter sido mãe mais cedo.» Quando quis dar irmãos a Kyle, já não aconteceu.

Em 2015, cerca de 11 mulheres em mil, com idades entre os 40 e os 44 anos, tiveram um bebé (primeiro ou outro).

«Ainda há algum julgamento, como se ser mãe mais tarde fosse egoísta e irresponsável, mas a forma de envelhecer hoje mudou radicalmente», desdramatiza a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva. A esperança média de vida continua a aumentar, o que requer um olhar atualizado, mais flexível, diante de projetos de maternidade tardios. «É importante combater o mito de que existe uma idade certa para ser mãe: a idade certa é aquela em que a mulher sente vontade e segurança para fazer essa escolha.»

Sobretudo, deve sempre ser uma decisão consciente no tempo e contexto de cada mulher – quando tiver reunido as condições de equilíbrio emocional, socioeconómico, relacional e profissional –, permitindo projetos familiares bem-sucedidos, com crianças felizes.

Certo é que entre 2010 e 2014, período em que o Instituto Nacional de Estatística estima terem nascido menos 19 mil bebés em Portugal, os primeiros sinais de recuperação dos nascimentos ocorreram entre as mulheres mais velhas – «precisamente aquelas que não podiam adiar mais», observa Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

«Se não têm nenhuma patologia que contraindique a gravidez, se não tiveram oportunidade de ser mães antes, se é esse o seu desejo, então avancem, sem medo», diz Maria do Céu Santo.

Em 2015, cerca de 11 mulheres em mil, com idades entre os 40 e os 44 anos, tiveram um bebé (primeiro ou outro). «Embora esta realidade da maternidade tardia esteja a aumentar, ainda se trata de um valor menos expressivo do que os nascimentos em idades mais jovens: cerca de 90 mulheres em mil, entre os 30 os 34 anos; cerca de 68, entre os 25 e os 29 anos; e cerca de 51, entre os 35 e os 39 anos», concretiza a socióloga.

Uma delas é Fátima Belo, plenamente realizada após ter tido o primeiro filho com 36 anos e o mais novo quase a fazer 44. «Não adiei a segunda gravidez, aconteceu», explica a atriz, tranquila aos 50. Teve uma gestação santa, nada que fosse além de tomar os suplementos normais. Desfrutou de tal maneira que arriscou ir ao Hospital de Setúbal ter o Manuel na água, de parto normal.

«É claro que tenho dúvidas – que pais não as têm? Serei capaz de ajudar outro ser a amar? A crescer? A pensar pela sua cabeça? Conseguir a justa medida entre deixá-lo voar e manter-lhe os pés no chão?» Por outro lado, usufrui de um adolescente e uma criança que a alegram e a enchem de vida, diz Fátima, encantada.

SER MÃE TARDE PROLONGA OS ANOS DE VIDA

E bem pode está-lo, afirma a obstetra Maria do Céu Santo. Apesar das reservas como médica, é ela a primeira a encorajar as suas pacientes: «Se não têm nenhuma patologia que contraindique a gravidez, se não tiveram oportunidade de ser mães antes, se é esse o seu desejo, então avancem, sem medo. Desde que façam o acompanhamento adequado para reduzir riscos», ressalva.

A psicóloga Filipa Jardim da Silva concorda que uma mulher tem muito a ganhar com a maturação da idade, quando já teve tempo de viver só para si, estudar, viajar e preparar-se para os imprevistos. «Tende a existir maior entrega e responsabilidade, níveis de calma mais significativos, mesmo num primeiro filho, e estabilidade emocional e financeira que se traduzem em dedicação plena», enumera.

Várias pesquisas indicam que mulheres que têm o primeiro filho após os 33 anos vivem mais tempo do que as que são mães antes. Os genes que o permitem são os mesmos que retardam o envelhecimento.

Várias pesquisas indicam que mulheres que têm o primeiro filho após os 33 anos vivem mais tempo (até aos 95) do que as que são mães antes. «Os genes que permitem às mulheres ter filhos naturalmente numa idade mais avançada são os mesmos com papel importante no retardar do envelhecimento e do risco de doenças relacionadas com a idade, como as de coração, acidentes vasculares cerebrais e diabetes», diz o especialista em geriatria Thomas Perls, da Universidade de Boston, EUA, responsável por um desses estudos.

Outro, de Mikko Myrskylä, diretor do Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica, na Alemanha, conclui que crianças nascidas de mães com 40 anos têm melhor saúde física e emocional, notas mais altas e menos propensão para doenças degenerativas. O que não significa que se faça tábua-rasa das desvantagens biológicas.

A maternidade tardia não é uma nova realidade, isso é um mito. A socióloga Vanessa Cunha desmonta-o. «Nos anos 1960, na ausência de um planeamento familiar eficaz, as mulheres tinham filhos ao longo de todo o período fértil.»

«Há um entendimento de que a idade ideal para se ter filhos (sobretudo o primeiro) se situa em torno dos 30 anos, e que a idade-limite anda pelos 40. Isto significa que grande parte das mulheres que foram mães pela primeira vez aos 40 anos gostariam, idealmente, de tê-lo sido mais cedo», traduz a investigadora Vanessa Cunha, rebatendo o mito da maternidade tardia como uma nova realidade: «Não é. Nos anos 1960 e inícios de 70, na ausência de um planeamento familiar eficaz, as mulheres casadas tinham filhos ao longo de todo o período fértil.»

A grande diferença estava em não ser o primeiro bebé e implicar maior risco para mãe e filho, ao passo que hoje é uma decisão enquadrada por avanços médicos de monta. Além de que as mulheres não são iogurtes: se ainda existe o desejo de serem mães, quem pode dizer que estão fora de prazo?

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