Luísa Tristôa e as selfies

Notícias Magazine

Manuel Jorge Marmelo

Mesmo quando parecem igualmente prometedoras, as histórias não terminam todas em tragédias conformes. Veja-se, por exemplo, o caso seguinte.

Se não houvesse caído de amores pelo próprio reflexo e definhado ou morrido (consoante as versões), Narciso poderia ter beneficiado de uma vida tão longa quanto aquela que o oráculo adivinhara.

Já Luísa Tristôa, que não consultou Tirésias, ama perdidamente o aspeto que adquire depois de se fotografar com a câmara do smartphone – e não lhe acontece quase nada.

Luísa Tristôa, entendamo-nos, não é uma moça bonita. Nem feia. Limita-se a ser assim-assim. Trata-se, porém, de uma condição passível de ser superada, conforme ficou demonstrado quando Luísa começou a partilhar nas redes sociais as suas selfies em plongée, com a boquinha esticada num sorriso safado.

Com a app certa, Luísa Tristôa adquire nesses retratos uma pele de seda e olhos grandes e meigos como os do gato do Shrek (o ogre do filme). Conquistou, deste modo, centenas ou milhares de likes e de comentários de admiração profunda, tipo «Wow» e «Tás linda» (devidamente rematados por exclamações inadequadas e múltiplas). A Luísa amofina-a um pouco, todavia, não ser capaz de identificar a desconhecida que nos últimos tempos aparece em todas as suas selfies.

A estranha que invadiu as selfies de Luísa Tristôa possui igualmente um rosto caloroso e sensual, bronzeado e luminoso como o de uma ninfazinha de Hollywood. Parece sempre um pouco entediada, como se sinceramente a enfadasse ter de estar nos retratos de Luísa ou noutro lado qualquer, mas, ainda assim, desprende-se dela uma energia poderosa e algo selvagem, que a transforma num dínamo humano de sensualidade, volúpia e sedução – arrepia só de escrevê-lo, aliás.

Luísa Tristôa está convencida de que a substituição da sua imagem pela da desconhecida resulta de um bug malicioso e muito inoportuno, e não há quem a convença de que tem simplesmente andado a abusar do Facetune.

Aos poucos, porém, o volúvel coração de Luísa tem-se afeiçoado à estranha. Passa cada vez mais tempo a olhar, enamorada, para as imagens do telemóvel. Podiam oferecer-lhe o mundo – ela trocaria tudo pela bem-aventurança de encontrar a doce invasora no WhatsApp.