Ludovico Einaudi: «Agora há demasiada pressa em tudo»

Notícias Magazine

Texto de José Manuel Diogo

Foi numa tarde de agosto, em Langhe, no Piemonte italiano, na sua casa de família, onde passa muito menos tempo do que gostaria, que o pianista e compositor conversou com a Notícias Magazine.

Logo no primeiro encontro com a sua voz há qualquer coisa de musical. Na forma como articula as sílabas e mastiga o silêncio entre palavras para depois, seguir o caminho simples de uma melodia criativa. Primeiro suave como um adágio no sopro de um oboé e depois firme como uma escala no piano.

Falámos da sua vida como compositor clássico, músico académico e da estrela pop em que se tornou; mas também do que ainda não fez e do que pensa sobre o mundo em transformação.

Com mais seguidores no Spotify que Beethoven e admiradores confessos tão insuspeitos como os músicos Iggy Pop e Nicki Minaj, ou tão improváveis como o futebolista internacional Jonathan Walters que ouve a sua música antes de entrar em campo, Ludovico Einaudi é uma personagem incontornável na música contemporânea universal.

Está a dar a «volta ao mundo» com a tournée Elements sempre em busca de palcos únicos onde partilhar a sua música «cada vez mais simples» e minimalista. Portugal é a próxima paragem. Amanhã, 15 de setembro, sobe ao palco do Campo Pequeno, no coração de Lisboa.

Como sente este regresso a Portugal?
Gosto muito de Portugal, do sol das praias, da comida e de visitar o Rodrigo Leão de quem sou amigo e é um excelente compositor. Gostava de ter mais tempo para poder vir aqui, mas como tenho de fazer a vontade à minha vida profissional isso nem sempre acontece. Por isso quando a oportunidade de vir tocar a Portugal se apresentou fiquei muito feliz. Portugal é um país de talentos musicais e onde as pessoas, o tempo e a comida são extraordinários.

Vem apresentar o seu mais recente trabalho Elements. O que tem de diferente?
Pouco. Muito. Nada. Tudo. O caminho da minha música é sempre o mesmo: procurar a simplicidade. Como todas as coisas, a música não foge a essa regra. É um exercício depurador. Consiste em procurar em cada linha de ritmo e em cada melodia a sua forma de expressão mais simples. O seu arquétipo. É uma busca interior, mas com o pensamento no resultado final.

Este disco foi gravado em Langhe, na sua casa de família. Sente uma inspiração diferente aqui?
Como diz esta é uma casa de família onde gosto sempre de voltar, aqui sinto uma tranquilidade especial. Há um sentimento de pertença que me tranquiliza e me ajuda a criar. Há muita história aqui. A minha vida agitada, de concerto em concerto, de lugar em lugar, transforma Langhe numa espécie de terra prometida.

«Apesar de a minha música ser clássica a sua matriz é a mesma de muitas canções rock dos Portishead, dos Radiohead, ou mesmo dos Eminem. Eu quero que a minha música seja tão direta quanto a deles»

Apesar de a sua formação ser erudita, o Ludovico agora é um «pop star» como aconteceu isto? Como se sente neste processo?
Procuro encontrar em cada composição os mesmos sentimentos simples que animam as pessoas comuns. Que são mainstream. Apesar de a minha música ser clássica a sua matriz é a mesma de muitas canções rock dos Portishead, dos Radiohead, ou mesmo dos Eminem. Eu quero que a minha música seja tão direta quanto a deles, que aproveite os mesmos sentimentos de alegria, perda, desejo e frustração… e também há uma capacidade na minha música que faz meditar os mais jovens. A música atual (pop & rock) diz mais às pessoas do que dizia antigamente (clássica).

Que conselho tem para dar aos mais jovens que estudam e amam a música?
Aprendam com fervor, mas não gastem muito tempo na academia. Estudem o que estiverem a estudar e depois saiam. A academia pode ser demasiado estruturada para os processos criativos, pode castrá-los se lá ficarmos muito tempo. Eu próprio me apercebi disso. E encontrei muito mais fora da academia do que lá dentro.

Mesmo assim ficou muito tempo na universidade? Qual foi o momento, se houve um, e que percebeu que tinha de começar a fazer as coisas de outra forma?
Não me arrependo de nada da minha carreira… mas durante toda a vida o meu coração sempre se sentiu mais próximo do rock’n’roll. Com o meu trabalho deixei para trás a rigidez muito grande que existe na música clássica e além do mais não gosto muito do ambiente académico.

Já editou 11 discos… editará mais?
Agora estou a viajar muito e não consigo o recolhimento necessário para compor de forma sistemática, mas sim, tenho já outro trabalho em mente que está no seu processo de maturação. As ideias ainda não se formaram completamente e não atingiram a simplicidade necessária para que possa começar a trabalhar nelas mais a sério…

«Há demasiada pressa em tudo. Tudo é rápido e imediato o que nos dá uma sensação errada de que tudo é possível. Mas não é, o manancial de informação também faz que muitas coisas fiquem sem a reflexão necessária e inacabadas.»

O Ludovico é o compositor clássico mais ouvido em streaming na internet. Como é que mundo digital está a afetar a música?
Hoje pode-se saber tudo. Sobre tudo. Quando eu era jovem e precisava de consultar algum livro ou pesquisar sobre algum assunto, tinha que esperar muitos dias ou até semanas para encontrar o que precisava. Havia mais tempo para pensar, para as coisas sedimentarem dentro de nós. Agora há demasiada pressa em tudo. Tudo é rápido e imediato o que nos dá uma sensação errada de que tudo é possível. Mas verdadeiramente não é, o manancial de informação também faz que muitas coisas fiquem sem a reflexão necessária e terminem inacabadas.

E o processo criativo…
Há muita criação, mas pouco sobressai. As coisas não permanecem o suficiente. Não esperam o tempo que lhes permite subir de patamar. Temos imensa boa música que podemos ouvir em qualquer altura, mas deixámos de ter aquelas obras inspiradoras que se tornam marcos e nos transformam. Agora temos mais de tudo, mas de uma forma também temos menos.

Também compôs muito para cinema. Escrever música para o grande ecrã obriga a uma forma diferente? Lê primeiro o guião? Fala com o realizador ou é um trabalho solitário?
Compor para cinema é como afinar um instrumento. Há um trabalho inicial que faz com que as ideias se acertem umas com as outras. Depois as coisas tomam o seu caminho próprio. Tudo fica harmonioso. O processo criativo é duplo. No cinema a música é feita para acompanhar uma narrativa visual, não é feita para ser ouvida a solo. Por isso é importante ler o argumento e falar com os realizadores. Eles são criadores. E sim, muitas vezes ajudam a encontrar a harmonia.

«É fundamental salvar o navio Terra onde viajamos juntos. Só há um planeta e não podemos continuar a usá-lo de forma desregrada. Se este acabar não há outro.»

O que move Ludovico Einaudi para lá da música?
Gravei um disco na Antártida como uma forma de chamar a atenção para isso. É fundamental salvar o navio Terra onde viajamos juntos. Só há um planeta e não podemos continuar a usá-lo de forma desregrada. Se este acabar não há outro.

Uma consciência que cresce com a idade…
Acho que devemos ter sempre preocupações ambientais, logo desde crianças… Mas a consciência de termos menos tempo, menos dias de vida, menos dias na Terra, compele-nos a pensar mais fora de nós. Pensar mais nos outros, no planeta, no futuro depois de nós.

O seu avô foi político, o seu pai editor e o Ludovico é músico. A ocupação profissional dos membros da família Einaudi tem vindo a melhorar?
O meu pai editou o primeiro livro do meu avô. Ele e o meu pai estavam ligados diretamente… Comigo já não foi assim. Foi a minha mãe trouxe a música para a minha vida. Apesar de os livros serem uma presença constante lá em casa eu escolhi ser músico. E não penso que seja possível fazer uma gradação (risos) editor melhor que político, e músico melhor que os anteriores. Foi o caminho que seguimos.