Emagrecimento e desintoxicação

Notícias Magazine

Quando perguntaram a José Luís Pereira se é possível viver de uma livraria como a Tres Rosas Amarillas, o livreiro de Madrid respondeu que sim, é possível. «Desde que se coma pouco», gracejou. É assim que, pelos vistos, tem sobrevivido desde 2008, ano em que teve a dietética ideia de abrir uma loja dedicada à venda de narrativa curta para adultos e de literatura infantojuvenil. A reportagem do jornal espanhol El País não incluía fotografia que permitisse avaliar o efeito da frugalidade do livreiro, mas eu pus-me quase imediatamente a imaginar uma narrativa curta e um pouco surreal, durante a qual Pereira fazia fortuna a vender o seu original método de emagrecimento no Facebook, nos sites de lifestyle e nos programas matutinos e vespertinos de entretenimento televisivo (nos quais, creio, quase tudo o que seja vagamente adelgaçante & detox costuma ser bastante apreciado).

Resolvi, em vez disso, seguir o exemplo de Pereira e adotar também uma certa frugalidade. Mantenho uma dieta rica em proteínas, calorias e outros venenos, mas passei a abster-me de consumir as gordurosas toneladas de supostas notícias que circulam nas redes sociais (e que alguns maus jornais reproduzem), feitas à medida para envenenar a vida dos cidadãos, instigando ao ódio, à xenofobia e ao terror de vários tipos. No ponto em que as coisas estão, sinto que a minha sanidade depende muito da capacidade que tenha para me alienar e ignorar os sucessivos decretos presidenciais norte-americanos, a palhaçada tóxica dos factos alternativos, as elucubrações teóricas em torno da pós-verdade e os seus sucedâneos nacionais.

Duas décadas depois da explosão das ditas tecnologias da informação, estamos pior informados e à mercê de qualquer ditador populista com talento para a manipulação de massas. Por via disso, e se excetuarmos o Canadá, os maiores países do mundo estão hoje cada vez mais distantes da democracia – e os seus povos empanturrados de likes, tuítes e amigos imaginários. Cheio disto e tão agonia do como um pato antes do foie gras, desliguei-me. Evito, na medida do possível, ver a horrível tromba alaranjada de um certo sujeito, mais a sua rotunda pança engravatada, ou as seitas dos crachás com bandeirinhas pátrias. Ganhei, deste modo, mais tempo para ler livros, contribuindo ainda, espero, para que algum Pereira possa comer um pouco melhor.

[Publicado originalmente na edição de 19 de fevereiro de 2017]