O filho de Pablo Escobar tem um plano para acabar com o narcotráfico

Texto de Ricardo J. Rodrigues

Fotografias de Fernando Marques e do arquivo da família Marroquín Santos

 

Depois de editar Pablo Escobar, o meu pai, Juan Pablo Escobar lançou esta semana O que o meu pai nunca me contou, também com a chancela da Planeta. Oportunidade para uma viagem a Portugal e para esta entrevista. É o filho do maior narcotraficante de todos os tempos. Mudou de nome, exerce arquitetura, vive exilado na Argentina, promove conferências sobre paz e reconciliação. E defende que a liberalização da venda de drogas é a única forma de travar o narcotráfico.

 

Se o seu primeiro livro falava muita da sua relação com o seu pai, este é mais sobre a relação de Pablo Escobar com outras pessoas, nomeadamente pessoas que não gostavam dele. É um pedido de desculpas?
Neste segundo livro quis encontrar a visão que os inimigos tinham do meu pai. O primeiro era, como bem disse, sobre as histórias que eu vivi com ele. Agora precisava de fazer isto para ter uma fotografia completa de quem era Pablo Escobar. Só conseguiria ter uma dimensão total se fizesse perguntas aos que o odiaram, aos que foram vítimas dos seus atos.

Mas assim não está de alguma forma a rescrever o passado? No primeiro livro disse sempre que Escobar tinha sido um pai extremoso.
Não, porque não deixei de amar o meu pai. Esse amor, aliás, será sempre inegociável. Os inimigos do meu pai percebem esse amor. Mas abordo-os numa perspetiva pacífica e, com isso, consigo ter o seu respeito. Respeitam que eu precise de perceber o lado mais negro do meu pai.

Qual é a sua melhor memória de infância?
[Depois de um longo silêncio] O dia do meu quinto aniversário. A família toda reunida, em paz, sem aflições. Foi a única vez que senti isso.

Quando o seu pai morreu prometeu vingança. Agora fala de reconciliação. Qual foi o momento de viragem?
Dez minutos depois de ter dito aquilo arrependi-me profundamente. Retratei-me logo ali, em frente às câmaras. Eu tinha 16 anos quando ele morreu e a notícia foi-me dada por um jornalista em direto. Então eu prometi que mataria os homens que tinham morto o meu pai. Desde então, passaram 23 anos em que sempre construí diálogo, sempre falei de paz e reconciliação.

A verdade é que teve de sair do país e mudar de nome. Depois de todo este tempo o apelido Escobar ainda é pesado?
Se 23 anos de bom comportamento não chegam para convencer as pessoas então não sei o que posso mais fazer. Entendo que o preconceito entre seres humanos tem uma grande durabilidade. Mas penso que o grande problema está nos políticos que escolheram afastar-se de mim, mesmo sabendo que já não têm motivos para o fazer.

É curioso que se queixe do abandono das altas esferas. Se há coisa que fica patente neste livro são as relações que o seu pai mantinha com as mais insuspeitas das lideranças.
O que mais me surpreendeu na investigação que fiz neste livro foi encontrar relações tão profundas entre o meu pai, a CIA e a DEA (Drug Enforcement Administration). Havia nestas forças aqueles que o perseguiam e aqueles que estavam associados a ele. Não quer dizer que toda a gente nestas agências era sua cúmplice. Mas uma parte era, seguramente.

O poder que Escobar conseguiu angariar é um exclusivo sul-americano ou também podia acontecer nos Estados Unidos? Ou em Portugal?
Acredito que poderia acontecer em qualquer lugar onde exista proibição de venda de drogas. E vamos lá a ver: que eu saiba, a proibição existe em todos os países do mundo. O meu pai foi 100 por cento responsável pelos seus atos mas não conseguiria alcançar nem sequer 10 por cento do poder, da riqueza e da criminalidade de que foi protagonista se não agisse sob o patrocínio exclusivo da proibição.

A guerra contra as drogas está perdida por knock-out. A proibição é a fórmula perfeita para garantir a sustentabilidade eterna das organizações criminais.

Acredita que a venda de drogas deve ser livre?
Se quisermos comprar drogas hoje vêm-nos trazê-las à porta de casa e nenhum polícia no caminho detém o traficante. E isto não acontece só na Colômbia ou em Portugal, acontece no mundo inteiro. Isso quer dizer o quê? Que a guerra contra as drogas está perdida por knock-out. A proibição é a fórmula perfeita para garantir a sustentabilidade eterna das organizações criminais. Elas financiam-se com estes recursos. E têm hoje o poder de desafiar qualquer democracia.

Isso é conversa de crítico. Tem alguma proposta como solução?
Declarar paz às drogas e usar a educação como ferramenta essencial para resolver o problema. Os mesmos recursos que estão hoje nas mãos dos delinquentes deveriam estar nas mãos dos Estados, que poderiam também utilizá-los em campanhas de prevenção. Os cartéis não têm obrigações com o povo, não são avaliados pelos votos. Mas os políticos sim, estão obrigados a isso. O mundo funciona assim: se queres vender alguma coisa, proíbe-a. Se proibissem os meus livros eu venderia o triplo. Se proibires a pizza vai acabar por haver um mercado negro e uma máfia da pizza. E haverá mortes e corrupção por causa das pizzas, que serão mais caras e de pior qualidade. Funciona assim com qualquer produto. A única maneira de retirar poder às máfias é legalizar os produtos que elas traficam.

Escobar foi o maior rosto dessa máfia, mas ninguém parece ter voltado a ter tomado o seu papel. As regras do narcotráfrico mudaram?
O narcotráfico não diminuiu, antes pelo contrário. Mas os traficantes perceberam que ganham mais em manter-se na sombra do que em afrontar o poder e as instituições, como o meu pai fez. Fingir que não se passa nada rende mais dinheiro e dá menos problemas.

Pode ser uma paz podre, mas não deixa de ser alguma paz.
Vamos ver a coisa de outra maneira. Quando a Colômbia se submeteu a um referendo por um acordo de paz com as FARC, um dos fatores determinantes para a derrota foi o facto de o governo querer passar a considerar o narcotráfico um delito político. As FARC financiam-se com drogas, tal como antes o faziam com o sequestro e a extorsão. Só que esta proposta legitimava o tráfico como ferramenta de combate por uma ideologia. Eu era favorável à sua aprovação, mas muita gente rejeitou-o porque isso significaria uma democratização da venda de drogas. É coisa que não interessa aos cartéis.

Isso explica a rejeição do acordo de paz na Colômbia?
Sim. E, honestamente, a vitória do não foi uma vergonha à escala mundial. Deveríamos ter sempre partido deste ponto: um referendo sobre a paz não pode estar em cima da mesa. A paz não é uma coisa referendável – faz-se e anuncia-se, ponto. É um valor de humanidade, é uma das poucas coisas que é superior ao voto. Quando um governo é eleito não podemos esperar que ele pergunte aos cidadãos se querem ou não um acordo pacífico. Queremos que ele negoceie, ceda numas coisas, insista noutras. Os líderes têm de acordar a paz e mostrar aos cidadãos que o caminho é a reconciliação. Mas depois vamos a votos e recebemos um sinal: as instituições preferem que continuemos a matar-nos uns outros. O jogo está viciado. Os narcotraficantes agradecem.