Joana Moscoso: a cientista irrequieta que ganhou um prémio do MIT e quer vencer as bactérias

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografias Adelino Meireles/Global Imagens

Joana Moscoso, 32 anos, chega ao i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto para mais um dia de trabalho, de investigação à volta da Listeria, uma bactéria associada aos países desenvolvidos, predominante em bebés e idosos, que é capaz de atravessar a parede do intestino e atacar outros órgãos, provocando diarreia e outras complicações de saúde que podem ser graves e, inclusive, levar à morte. Joana anda a tentar perceber como esta bactéria sobrevive ao meio ambiente. «Uma coisa minúscula que é capaz de nos destruir tem de ser fantástica», diz.

É uma comunicadora nata, algumas palavras, poucas, saem-lhe com sotaque do Minho. Ar despachado, calças de ganga, sapatilhas, a cientista tem um percurso internacional e várias distinções pelo caminho. Tem uma forma irrequieta de estar na vida, uma vontade constante de ir à raiz dos problemas, o bichinho de quem quer estar sempre a aprender.

«Um cientista tem de ter uma mente inquiridora e nunca levar a derrota como um falhanço pessoal, mas sim como reflexo do esforço»

«Um cientista tem de ter uma mente inquiridora. É importante estar lá e fazer, não ficar quieto, andar à chuva e molhar as sapatilhas, e nunca levar a derrota como um falhanço pessoal, mas sim como reflexo do esforço», diz. Só está num lugar quando está a aprender. Quando isso não acontece, faz as malas e parte. «Não crio raízes num sítio, sou desapegada.»

Aos 9 anos, os pais perguntaram-lhe, pela primeira vez, se um dia queria estudar fora do país. Disse logo que sim. «Cresci sabendo que o mundo era o meu lugar, o meu recreio», conta. Aos 12, numa brincadeira na esplanada no café-restaurante dos pais em Valença do Minho, descobriu o seu fascínio pelas bactérias e que queria ser cientista.

Era domingo, andava a brincar nos quadrados dos blocos de cimento do chão, a tentar não calcar as linhas, quando os porquês surgiram em catadupa. «Este chão está cheio de vida, nós é que não a vemos, está cheio de bactérias. E como piso as bactérias e elas não morrem com o meu peso?» Ficou presa nestes pensamentos. Os anos passaram. Estudou fora do país. Suécia, Austrália, Reino Unido. E fez-se cientista.

Em setembro, Joana Moscoso esteve em Paris, a receber o prémio MIT Innovators Under 35, a mais importante distinção da MIT Technology Review.

Em setembro, esteve em Paris, a receber o prémio MIT Innovators Under 35, a mais importante distinção da MIT Technology Review, revista publicada pelo reputado MIT – Massachusetts Institute of Technology, na categoria humanitária que reconhece líderes talentosos em todo o mundo. O trabalho que tem desenvolvido com a colega Tatiana Correia na Native Scientist, empresa sem fins lucrativos que ambas criaram no Reino Unido, em 2013, foi reconhecido como uma importante inovação social (ver caixa).

Esta startup leva cientistas a escolas num trabalho de comunicar a ciência junto de crianças imigrantes. Mas é mais do que isso, é um projeto que combate desigualdades. Neste momento, está em cinco países: Inglaterra, Escócia, França, Alemanha e Irlanda. E fala nove línguas: português, inglês, alemão, espanhol, francês, grego, turco, polaco e estoniano. Gere uma rede de setecentos cientistas e já chegou a cerca de 2500 crianças e jovens.

«Houve muita coisa que fizemos bem. Descobrimos uma linha de mercado de que ninguém se tinha lembrado, trouxemos uma solução para um problema que ninguém tinha visto. Criámos um conceito, não criámos um produto», explica.

Quatro cientistas de quatro áreas distintas estão em quatro mesas e os miúdos, divididos por grupos, vão rodando de vinte em vinte minutos. Os cientistas explicam o que fazem na sua língua de origem, que é comum à das crianças imigrantes, e estas satisfazem as suas curiosidades. No final desses encontros, os professores percebem que os cientistas não são gente excêntrica com cabelos no ar e os miúdos vivem novas experiências.

Fez Erasmus na Universidade de Umeå, no Norte da Suécia, a cem quilómetros do círculo polar ártico. Assistiu ao Sol da meia-noite, conheceu muitos alunos europeus. «Foi uma experiência muito agradável em termos pessoais.»

No secundário, Joana esteve indecisa entre Matemática e Biologia. Matemática era fácil para quem não gosta de marrar, Biologia era uma coisa de dentro, das entranhas. «Podia ir pelo caminho mais fácil ou pelo caminho da paixão. Segui o coração.»

Ainda no liceu, apesar da revolta contra o método de avaliação, das greves solitárias de estudo que fazia antes dos exames, destacava-se na turma. «É injusto avaliar as habilitações cognitivas de uma pessoa num período de uma hora com um teste em que há muita pressão.» Defende uma avaliação contínua que não esqueça a dedicação de muitos dias, semanas e meses.

Depois do liceu, entrou no curso de Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. No último ano do curso, e depois de conversas com o professor de Microbiologia Fernando Tavares, partiu para a Universidade de Umeå, no Norte da Suécia, como estudante Erasmus. Instalou-se numa cidade universitária a cerca de cem quilómetros do círculo polar ártico. Assistiu ao Sol da meia-noite, conheceu muitos alunos europeus. «Foi uma experiência muito agradável em termos pessoais.»

Curso terminado, mais uma viagem à vista. «E quanto mais longe melhor porque era nova e podia.»

Curso terminado, mais uma viagem à vista. «E quanto mais longe melhor porque era nova e podia.» Fez um estudo de mercado e chegou à Universidade Nacional da Austrália, em Camberra, para o último ano do projeto de mestrado em Biologia. Ainda esperou três meses pelo visto e partiu. Ao contrário da Suécia, a adaptação custou. «Camberra fica afastada da costa, é uma cidade muito artificial.» Percebeu que, afinal, gostava de estar na Europa.

Novo estudo de mercado, contactos com dez laboratórios europeus, candidatura à Fundação para a Ciência e Tecnologia, projeto financiado, Reino Unido à vista, doutoramento no Imperial College a estudar minuciosamente mais uma bactéria ligada às infeções hospitalares. Aí ganhou o prémio de melhor aluna pela sua capacidade de comunicar ciência, um dos requisitos anuais do doutoramento. Ainda não percebe bem o que aconteceu. «Por algum motivo, destaquei-me.»

«Estou sempre atenta. Não tomo as coisas como garantidas, sei que tenho de lutar para as conseguir.»

Adorou o doutoramento e no fim a inevitável pergunta de continuar ou não no caminho académico. A resposta bateu-lhe à porta com um convite para um pós-doutoramento no Imperial College. Não chegou ao fim dos dois anos do pós-doc. Demitiu-se a três meses de terminar porque a responsável «era muito controladora». «Fi-lo porque chocava com a minha personalidade e não consegui adaptar-me.»

Tirou seis meses de licença sabática, andou a pesquisar laboratórios na Suíça, na Suécia, no Canadá, e de norte a sul de Portugal. Preparou um projeto, candidatou-se, ganhou uma bolsa Marie Curie, e veio para Portugal, para o i3S, onde estará até abril do próximo ano. «Estou sempre atenta. Não tomo as coisas como garantidas, sei que tenho de lutar para as conseguir.»

As bactérias que não lhe saíam dos pensamentos de miúda são hoje o seu principal objeto de estudo. Há vários anos que Joana Moscoso anda à volta delas.

E as bactérias que não lhe saíam dos pensamentos de miúda são hoje o seu principal objeto de estudo. Há vários anos que Joana Moscoso anda à volta delas. Em Camberra, na Austrália, andou focada numa bactéria que causa diarreia sobretudo em países em desenvolvimento. Andou a tentar perceber como essa bactéria decora a sua parede celular e conseguiu caraterizar uma proteína responsável por uma modificação nessa parede.

Em Inglaterra, andou às voltas com uma bactéria que causa infeções hospitalares e que tem a capacidade de decidir que tipo de infeção causar: aguda ou crónica. E tantas voltas deu que acabou por fazer aquela que considera a sua descoberta mais importante até hoje. «Há uma molécula muito pequena cuja concentração muito elevada induz a infeção crónica e a concentração muito baixa induz a infeção aguda.» Mais um passo na ciência.

Agora, no i3S, com a bolsa Marie Curie, associada ao laboratório francês Didier Cabanes, estuda a Listeria. «As bactérias não têm os cinco sentidos, têm moléculas à superfície que permitem adaptar-se ao meio ambiente.» Por isso, tenta pôr-se no lugar delas para perceber como funcionam. É um processo complexo. Mas é de desafios que Joana Moscoso gosta.

 

Viver com intensidade com os olhos no mundo

Há dois anos, Joana Moscoso foi premiada com o prémio de Comunicação de Ciência da Sociedade Britânica de Biologia, que distingue o trabalho de divulgação científica e a qualidade do percurso científico de um investigador. Um ano antes, tinha ganho o prémio de Comunicação de Ciência da Sociedade Geral de Microbiologia do mesmo país. A cientista e investigadora sempre esteve ligada a atividades e eventos de divulgação científica em Londres e colaborou com uma rede de investigadores e estudantes portugueses no Reino Unido. Há ano e meio, voltou ao Porto. É investigadora no i3S e em abril de 2018 termina o seu projeto. E depois? «É mundo», responde prontamente. Não tem planos, não decidiu o que fazer depois de a bolsa de investigação terminar, mas sente que dificilmente haverá lugar para si. «Não me sinto obrigada a estar aqui, nem sequer tenho opções para me candidatar, nem sequer posso sonhar com isso.» E não esconde uma certa tristeza. «Portugal apostou na ciência, formou talento, investiu na criação de know-how, criou uma estrutura para fortalecer e dar saída a esse talento. E, de repente, esse programa deixa de existir», lamenta. Apesar de tudo, a cientista, que tem os pés na terra, não deixa de sonhar. «O meu maior sonho é viver cada dia com saúde e intensidade, deixando uma marca positiva nas pessoas que me rodeiam.»

 

Joana Moscoso e Tatiana Correia (à esquerda), fundadoras da Native Scientist.

A equipa perfeita

A Native Scientist tem cientistas imigrantes que falam de ciência a crianças dos 7 aos 18 anos em aulas extracurriculares. Tatiana Correia, especialista em nanotecnologia, na Agência de Inovação do Reino Unido, é a parceira desta aventura. «Apresentámos quatro candidaturas e ganhámos. Foi um sinal.» O dinheiro deu para registar a startup e pouco mais, o resto foi formação. A dupla encaixou. «Somos a equipa perfeita. Eu faço, sou a operacional, não ponho nada no papel. A Tatiana é o contrário, planeia, planeia.» As duas fazem este trabalho nas horas livres, já têm quatro pessoas a trabalhar em part-time, e não é política bater à porta, mas esperar que haja vontade e contactos para que as coisas aconteçam noutros países. «Há uma desigualdade educacional entre as crianças imigrantes e não imigrantes. Na Europa, a probabilidade de uma criança imigrante ter baixo aproveitamento escolar ou abandonar a escola é duas vezes superior à de uma criança não imigrante», diz Joana. O prémio do IMT é mais um sinal. «É reconhecimento e dá-nos coragem.»