Há hotéis que proíbem a entrada a crianças. Acha bem?

Há cada vez mais hotéis a prometer sossego total, proibindo a entrada de crianças. Para uns, como Pedro Vieira, que já sentiu na pele esta moda, trata-se de uma violação dos direitos. Para outros, como Raquel Castro, limitar os clientes faz parte da definição do conceito do hotel: quem não quer, procura outro.

Pedro Vieira é pivô do programa O Último Apaga a Luz, na RTP 3, guionista no Canal Q, ilustrador e consultor da Booktailors. Estreou‑se na ficção com Última Paragem: Massamá e em 2015 publicou o segundo romance, O Que Não Pode Ser Salvo. Tem 41 anos e é autor do blogue IrmaoLucia.blogs.sapo.pt. É contra a existência de hotéis interditos a crianças.

Raquel Castro é realizadora e diretora do Festival Lisboa Soa. Tem 40 anos e dedica‑se também à investigação e ao estudo do som. Fez uma tese de mestrado sobre Ecologia Acústica e um doutoramento sobre a Paisagem Sonora de Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É a favor da existência de hotéis interditos a crianças

Foi por acaso que Pedro Vieira descobriu que há hotéis que proíbem a entrada de crianças. O humorista e ilustrador de 41 anos preparava‑se para, na última passagem do ano, reservar o mesmo hotel onde tinha estado a 31 dezembro do ano anterior. Só que desta vez, percebeu, não podia levar o filho, recém‑nascido – agora com quatro meses.

No site da unidade de turismo rural deparou‑se com uma frase: não eram permitidas crianças com menos de 8 anos. Ficou estupefacto e indignado por existirem hotéis onde os mais novos, como o seu filho, não podem entrar. Não demorou a perceber, porém, que nem todos partilham da sua posição. O tema divide opiniões. E há muitos que são a favor deste tipo de estabelecimento.

É o caso de Raquel Castro, 40 anos, realizadora e diretora do festival Lisboa Soa. «Sou mãe e ando com os meus filhos para todo o lado, mas acho que faz sentido esse tipo de hotel.

Às vezes precisamos de ter o nosso espaço», explica Raquel, que tem um filho de 7 e outro de quase 6 anos. Pedro, porém, acha que o argumento de que há momentos em que é preciso descanso pode levar a um caminho perigoso: «E se eu me sentir incomodado com negros, com gays…?» Para Raquel isso «é um disparate», porque, segundo explica, o que está em causa é a definição de um público alvo e não uma discriminação. «Trata‑se apenas de um conceito. Quando se abre um estabelecimento define‑se o que se quer que ele seja, e se for um espaço em que se oferece paz, tranquilidade, com crianças isso não vai funcionar.»

Mas para Pedro estão em causa os direitos das pessoas. «E as crianças são pessoas», sublinha. Apesar de concordar que há direitos, Raquel lembra que é preciso ter cuidado para que nenhum direito atropele o outro, lembrando que tem de se respeitar também quem não quer estar num hotel com «crianças aos gritos e a dar chapas na piscina o dia todo».

Raquel lembra, aliás, que há pais «sem educação que não se preocupam em controlar os filhos». E recorda um episódio que passou há tempos num restaurante, onde teve de mudar de mesa porque a família ao lado deixava os filhos correr e gritar, incomodando toda a gente. Pedro compreende a posição da amiga, mas prefere o sacrifício de ouvir um miúdo a «guinchar aos ouvidos» do que todas as crianças serem simplesmente impedidas de ir a certos sítios.

«E se eu gostar de ir contemplar para o Museu de Arte Antiga e não gostar de ver criancinhas a correr de um lado para o outro?» Raquel admite que também não lhe agrada a palavra «proibição», nem gosta da «ideia de muros de Donald Trump», mas não vê isso nesta opção de ter públicos específicos para os hotéis. Na sua opinião, em vez de se dizer que a entrada é proibida aos mais novos, prefere ouvir que são locais «não aconselháveis a crianças».

Seja como for, Pedro acha que a proibição nem sequer é legal, só existindo devido a «lacunas na lei». Já Raquel, que em casa tem uma pequena sala que reserva para ela e o marido poderem estar sossegados, diz que o mais importante é que se começam a lançar espaços como noutros países. «Têm de se criar alternativas, locais onde os pais podem estar sossegados a beber um copo e os filhos tenham como ser entretidos.»

A experiência marcou Pedro, que não consegue perceber porque não pode dormir no mesmo hotel onde ficou antes de ter filhos. «Nunca me ocorreu que fosse possível proibirem certas pessoas. Isso abre o precedente de se poder barrar quem quiser», diz, lembrando que até já há um barbeiro na Rua do Alecrim, em Lisboa, onde só podem entrar homens e cães.