Gerivaz de Moscozo, uma ficção

Notícias Magazine

Gerivaz de Moscozo não era um biltre demagogo, ainda que os financiadores da campanha eleitoral se tenham iludido com a veemência dos seus comícios e a profunda convicção de tudo quanto dizia. Os homens da cartola ficavam a um canto do palanque ouvindo o candidato garantir que acabaria com a fome e com a pobreza, assim deus e a pátria lho permitissem, e guinchavam pequenos sorrisos sorrateiros de ratazana, comprazendo-se de ver a multidão repetir com entusiasmo, como magnetizada, as palavras de ordem de Moscozo.

Após a natural vitória, e mal foi empossado, Gerivaz de Moscozo dirigiu-se aos concidadãos em tom grave, agradecendo no canal público a confiança em si depositada e assegurando a integral satisfação dos compromissos assumidos. «Trabalharemos com afinco para conferir um novo rumo ao país», disse, «e não repousaremos enquanto não tivermos libertado a nação do seu mais obscuro sinete. A existência, entre nós, de milhares, talvez milhões de cidadãos em situação de necessidade, envergonha-nos. Acabarei, por isso, com os pobres. Juro-o solenemente pelo mais sagrado que tenho, e assinarei agora mesmo a ordem executiva que imediatamente iniciará o processo».

Nunca se vira eficácia e determinação tamanhas. Nem uma hora havia passado sobre o momento em que Gerivaz de Moscozo apusera a sua firma ao patriótico decreto e já eram tomadas providências: os primeiros pobres foram erradicados diante do Triunfal Arco da Praça Grande. O final da tarde pôs-se ameno e belo e os beneficiários da execução tinham os rostos erguidos, hieráticos, orgulhosos de assim contribuírem para a construção de um futuro mais pulcro para a pátria. A salva do pelotão de fuzilamento foi festejada por uma ovação da multidão e fez erguer das copas das árvores uma revoada de pássaros felizes.

Por vários dias as instituições do pequeno Estado prosseguiram o ingente desiderato nacional. Os noticiários mostravam colunas matinais de homens e mulheres débeis, marchando e cantando a caminho da eliminação. O país poderia, com efeito, ter chegado a acabar com os pobres não fosse o inesperado evento de um traiçoeiro, sujo e sangrento golpe militar: os abastados financiadores decidiram acabar com Gerivaz de Moscozo antes que o presidente acabasse com o motivo da prosperidade deles.