Gémeas biólogas contra as invasoras

Texto Licínia Girão Fotografia Maria João Gala/Global Imagens

Eram ainda bem pequenas quando exploravam os campos, procuravam identificar plantas e perguntavam uma à outra: «Já imaginaste se pudéssemos fazer isto toda a vida e ainda nos pagassem para isso?» A resposta chegaria anos mais tarde.

Elizabete e Hélia Marchante são irmãs gémeas, biólogas, cientistas e investigadoras responsáveis pelo desenvolvimento de um projeto pioneiro na Europa continental de implementação de um organismo de controlo natural de combate à acácia-de-espigas.

Esta é uma espécie exótica invasora, responsável por grandes alterações nos ecossistemas dunares, como a Reserva Natural das Dunas de São Jacinto ou o Parque Natural do Litoral Norte, áreas de produção florestal, margens de alguns rios mais a sul e que se encontra dispersa um pouco por todo o litoral, sobretudo no Norte e Centro do país.

Elizabete e Hélia cresceram na Carapinheira, uma aldeia do concelho de Mafra, vila onde estudaram até ao 12º ano e se prepararam para entrar em Medicina muito por influência do pai. Biologia foi a segunda escolha, mas foi nesse curso que acabaram por ingressar. Para grande satisfação das duas. Hélia conta mesmo que passou a olhar para a Medicina como uma parte ínfima da Biologia: «Seguir esse caminho seria limitar esta natureza fantástica apenas à espécie humana.» Além do mais, confessa, não gostar de ver sangue nem seringas.

Desde crianças que as gémeas Hélia e Elizabete se interessam por plantas, insetos e tudo o que está relacionado com a natureza. E tiraram o mesmo curso.

Estudaram juntas até ao final da licenciatura e seguiram caminhos separados depois disso, voltando a juntar-se profissionalmente mais tarde. Elizabete especializou-se em Ecologia na Universidade de Coimbra, em colaboração com a Universidade de Copenhaga, na Dinamarca. Mais tarde, começou um pós-doutoramento em colaboração com a Universidade de Bristol, no Reino Unido. Hélia, doutorou-se também em Biologia com a especialidade em Ecologia, na Universidade de Coimbra, em colaboração com a Universidade de Cape Town, África do Sul. Os estudos de ambas complementam-se, Elizabete especializou-se, após o mestrado, em impactes a nível do solo, Hélia nos impactes acima do solo e em controlo natural.

Desde sempre que as irmãs são grandes amigas e cúmplices. Em crianças acompanhavam os avós, que trabalhavam na agricultura, assim como os pais, que tinham pomar, vinha e horta, e participavam nas tarefas. Colhiam frutos, vindimavam e apanhavam feno.

Hoje são investigadoras e parceiras num dos mais inovadores e reconhecidos programas de controlo de uma planta invasora, a acácia-de-espigas. Depois de 12 anos de trabalho de investigação – cinco dos quais passados em laboratório e os outros entre burocracias e viagens à África do Sul onde discutiram o assunto com outros investigadores, fizeram análises de risco, fundamentaram e testaram todo o processo –, em novembro de 2015 libertaram as primeiras fêmeas de Trichilogaster acaciaelongifoliae, inseto australiano formador de galhas (ou bugalhos, como são mais conhecidas). Galhas estas que se formam no lugar das vagens das acácias-de-espigas e que por isso levam à diminuição da capacidade de reprodução da invasora.

Ano e meio depois, Hélia e Elizabete mostram-se satisfeitas com os resultados e confiantes nas repercussões que o agente de controlo natural venha a causar a médio e longo prazo. Inicialmente, foram largados cerca de 500 insetos em oito locais na região de Coimbra e ao longo da costa, desde Esposende até São Pedro de Moel, sendo que o organismo se estabeleceu em quatro lugares: Coimbra, Tocha, Quiaios e São Pedro de Moel.

Em maio e junho de 2016, foram avistadas as primeiras galhas e em novembro de 2016 foram libertados mais organismos em 16 locais, desde Esposende até Vieira de Leiria. Nos locais do ano anterior, os insetos já completaram o seu ciclo de vida mais uma vez. Cada fêmea põe entre 300 e 400 ovos que podem vir a estimular a formação de novas galhas, o que no futuro poderá vir a resultar num nível de redução de sementes «muito bom», explicam as biólogas.

A acácia-de-espigas foi introduzida em Portugal, no início do século XIX, para fixar as dunas. «O problema é que saiu dos sítios onde a tinham colocado e com o crescimento rápido que lhe é característico tornou-se uma planta invasora»

Os resultados obtidos na África do Sul, onde o organismo foi libertado pela primeira vez, vindo da Austrália, há pouco mais de 30 anos, já levou à redução da produção de mais de 85 por cento das sementes das acácia-de-espigas.

A acácia-de-espigas foi introduzida em Portugal, no início do século XIX, para fixar as dunas. «O problema é que saiu dos sítios onde a tinham colocado e com o crescimento rápido que lhe é característico tornou-se uma planta invasora. É o que acontece com a maioria das invasoras; inicialmente foram trazidas com algum objetivo, por exemplo para fixação de dunas ou taludes, como plantas ornamentais ou para reflorestação, sendo que outras vêm por acidente», realçam as cientistas.

O controlo natural há mais de um século que é feito em algumas partes do mundo, mas Elizabete e Hélia referem que a «Europa, em certa medida, sempre foi muito reticente em parte por causa de erros que se fizeram no passado como o de levar uma espécie de sapo para a Austrália, para controlar besouros em plantações de cana-de-açúcar, que depois se tornaram um problema». Mas o elevado protecionismo em relação ao controlo natural parece não ser correspondido com a falta de prevenção em relação à entrada de novas espécies exóticas no continente europeu, nomeadamente em Portugal.

«Todos nós podemos ter um papel fundamental para ajudar a resolver o problema, ao tomar opções corretas, podemos ajudar a prevenir e a controlar espécies invasoras.»

Hélia lamenta, por exemplo, que não existam ações de prevenção e sensibilização mais concertadas para impedir que «as pessoas possam entrar no país quando viajam, mesmo que vindas só das ilhas para o continente, com flores, sementes ou outros propágulos de espécies exóticas», pois podem elas ou os organismos que transportam vir a causar grandes danos a médio e longo prazo.

«Todos nós podemos ter um papel fundamental para ajudar a resolver o problema, ao tomar opções corretas, podemos ajudar a prevenir e a controlar espécies invasoras. Às vezes através de coisas tão simples como ir à Madeira e ao regressar não trazer uma orquídea, um antúrio ou uma estrelícia, não porque são exóticas, mas porque dentro do vaso ou agarrado à planta podem vir, por exemplo, vários insetos diferentes (ou até sementes de outras plantas) e um deles pode ser problemático», dizem as biólogas.

Elizabete e Hélia acham natural que as pessoas possam ter desconhecimento e dúvidas em relação tanto às plantas invasoras como ao uso de controlo natural no país. Será que os insetos picam outras plantas? Será que todas as espécies que vêm de fora são problemáticas? Por isso se desdobram em campanhas de sensibilização em escolas, associações florestais, autarquias, ajudando também a implementar projetos de controlo de outras espécies.

A curiosidade das irmãs, associada à vida no campo, fez que desde crianças tivessem curiosidade pelos bugalhos dos carvalhos, «abríamo-los porque queríamos explorar e compreender o que estava lá dentro, por vezes víamos os insetos, outras vezes já só os furinhos por onde tinham saído». Contudo, Hélia refere que «é muito frequente as pessoas não saberem como se formam os bugalhos, sempre os viram, conhecem os ditados populares relacionados com eles, como, por exemplo: “trocar alhos por bugalhos”, mas não sabem o que são».

Hélia começou por fazer estágio com a professora e investigadora Helena Freitas, coordenadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, que na altura estava a desenvolver os primeiros projetos sobre plantas invasoras em Portugal, e com quem continuam a trabalhar. Duas décadas depois, Elizabete e Hélia são também elas uma referência nacional e internacional no estudo das plantas invasoras e pioneiras na implementação do controlo natural para plantas invasoras em Portugal. Estão atualmente a desenvolver um novo projeto com o objetivo de estudar dois novos organismos, gorgulhos que comem sementes, para controlar as mimosas e as acácias-austrália, duas outras invasoras com grandes impactes negativos no país.

Atualmente, as irmãs estão a desenvolver um novo projeto para estudar dois novos organismos, gorgulhos que comem sementes, para controlar as mimosas e as acácias-austrália.

Elizabete coordena vários projetos de investigação e tem uma bolsa de cientista convidada no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, que em parceria com a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, onde Hélia é docente, vão garantindo a investigação e a implementação no terreno dos projetos em que colaboram com outras instituições. Estes projetos têm sido financiados por diversas entidades, como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e o PO SEUR, com fundos nacionais e europeus.

Outros investigadores e bolseiros vão passando pelas equipas, mas as irmãs têm-se mantido juntas desde o início. Uma parceria «superfeliz» que remonta a 2001 e que vai além da vida profissional. A instabilidade da vida de uma bolseira que tem de andar sempre a preparar candidaturas a financiamentos não tira o sorriso a Elizabete, uma mulher que se diz positiva, que dispensa a televisão, está de momento a ler O Livro do Hygge – O Segredo Dinamarquês para Ser Feliz e gosta de passar os tempos livres no campo, em contacto com a natureza, ir ao cinema e viajar.

Hélia garante que viver num apartamento está fora de questão. Os filhos de 5, 7 e 9 anos são os companheiros mais curiosos e exploradores nos passeios feitos em família pelos campos e serras. As irmãs gerem ainda o sítio interativo – invasoras.pt – que detém uma plataforma de ciência cidadã, onde, de «uma maneira simples, qualquer pessoa se pode registar e depois, reportar avistamentos de plantas invasoras, ajudando a construir o mapa das plantas invasoras em Portugal».

Hélia e Elizabete abraçaram recentemente um novo desafio: integram um grupo que em 2017 criou a AssociaçãoNATIVA – Natureza, Invasoras e Valorização Ambiental, uma associação de âmbito nacional que tem como objetivo principal a valorização ambiental através da luta contra espécies invasoras.

Hakea sericea

Plantas invasoras, ervas daninhas e outras ameaças a eliminar

Encantam pela beleza, ocupam campos, florestas, dunas, pauis, habitats aquáticos, ornamentam avenidas e jardins, mas muitas destas plantas vieram de fora e algumas delas são invasoras e potencialmente devastadoras para a continuidade das espécies nativas.

As invasoras são plantas exóticas oriundas de outros locais do mundo que se adaptaram muito bem ao território nacional, onde, à partida, não têm os inimigos naturais característicos das suas regiões de origem, e que se reproduzem e dispersam sozinhas causando muitos impactes negativos quer a nível ambiental, quer económico, quer mesmo de saúde pública. Encontram-se, sobretudo, no Centro e Norte de Portugal, mais no litoral do que no interior e no Algarve. O interior alentejano e Trás-os-Montes são dos locais mais protegidos, também porque são menos habitados e muitas das invasoras surgem associadas à intervenção e à perturbação causadas pelo homem. Entre as piores plantas invasoras em Portugal encontram-se as mimosas e outras espécies de acácias.

A acácia-de-espigas está a ser alvo de intervenção através de implementação de um organismo (inseto) de controlo natural introduzido pelas gémeas biólogas e investigadoras Hélia e Elizabete Marchante. Para a mimosa e para a acácia-austrália, as cientistas estão a iniciar um processo de análise de mais dois organismos para as controlar, através da destruição das suas sementes.

Em Portugal continental estão identificadas cerca de 670 espécies exóticas entre casuais, naturalizadas e invasoras, aproximadamente 18 por cento da flora nativa, sendo que cerca de 15 por cento destas têm ou comportamento ou risco invasor.

Estas e várias outras espécies têm sido alvo de outros tipos de intervenções de controlo, ao longo do tempo, com níveis de sucesso muito variáveis. Em Portugal continental estão identificadas cerca de 670 espécies exóticas entre casuais, naturalizadas e invasoras, aproximadamente 18 por cento da flora nativa, sendo que cerca de 15 por cento destas têm ou comportamento ou risco invasor.

Nos arquipélagos da Madeira e Selvagens estão referidas 430 espécies exóticas, o que equivale a cerca de 43 por cento da flora existente, e no arquipélago dos Açores, de entre as 1000 espécies identificadas, cerca de 60 por cento são exóticas. Hélia e Elizabete salientam, contudo, que «ser exótico (uma espécie que vem de fora) não significa à partida ser mau.

Na verdade, a maioria das plantas ou outras espécies exóticas foram trazidas para os pomares, para as hortas, florestas ou para ornamentar ruas e parques e não causam danos. Dependem, inclusive, do homem para se reproduzirem. O problema está nas plantas e animais que não necessitam da ação humana direta para se reproduzirem e que se adaptam de tal forma que começam a competir mais eficazmente pelos recursos disponíveis do que as espécies nativas passando a dispersar para longe de onde foram colocadas e a ocupar grandes áreas do território onde causam impactes negativos.

De entre as espécies de plantas invasoras são as lenhosas que frequentemente têm maior distribuição e causam mais problemas. Além das acácias, entre elas a mimosa, podem referir-se as háqueas, as robínias ou os espanta-lobos. No caso da maioria das acácias, uma planta produz milhares de sementes todos os anos que ficam no solo à espera de condições favoráveis, como, por exemplo, um incêndio.

«O fogo, nestes casos, é um forte elemento potenciador da espécie, favorecendo a sua germinação. Algumas espécies nativas também estão adaptadas ao fogo, que também é necessário para o equilíbrio natural, mas com todas as alterações verificadas, não só os incêndios ocorrem com maior regularidade do que seria natural como acabam por ser muito oportunos para estas espécies invasoras», salientam as biólogas.

Hélia e Elizabete acreditam que, para a situação atual, o controlo natural, conjugado com outras técnicas, é uma das soluções que permitirá obter mais e melhores resultados. Também essencial é que as outras técnicas disponíveis sejam bem aplicadas e sempre ajustadas às espécies que se querem controlar.