Tal pai, tal filha

Notícias Magazine

 

Trabalham os dois desde 2004, quando Rita passou a ter gabinete no escritório do pai, António Garcia Pereira, especialista em direito do trabalho. O primeiro caso que defenderam juntos foi de assédio moral. Treze anos depois, continuam a fazer equipa. Têm agora em mãos o despedimento coletivo num banco. Os dias são intensos, eles mantêm-se firmes.

O primeiro caso em que trabalharam juntos foi logo de arromba: um processo que, em 2004, era raro ou mesmo inédito no país. «Uma situação de assédio moral.» Rita Garcia Pereira, 40 anos, lembra-se bem.

António Garcia Pereira, 64 anos, confirma: «A empresa descobriu que a trabalhadora tinha cancro, colocou-a “na prateleira” e ela acabou por ser vítima de uma série de patifarias com requintes de malvadez.» Não houve sentença porque chegaram a acordo e a cliente foi indemnizada, mas o caso deixou marcas em Rita, não só pela «violência da situação» como por ter sido o primeiro julgamento que fez em parceria com o pai.

Trabalham os dois juntos, desde aquele ano, no escritório da sociedade que o antigo líder do MRPP tem em Lisboa, Garcia Pereira e Associados. Neste momento, estão os dois envolvidos na defesa de trabalhadores alvo de um despedimento coletivo que ocorreram numa instituição bancária.

«Temos uma estratégia comum, como é óbvio. E trocamos muita informação», explica a advogada, que se licenciou pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1999 e que, antes de ir para junto do pai, ainda trabalhou nos recursos humanos de uma empresa e noutra sociedade.

Dedicam-se ambos a direito laboral. À Rita costumam chegar dezenas, ou mesmo centenas, de casos de assédio moral, em especial desde que em 2009 escreveu o livro Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho [ed. Coimbra Editora]. E na secretária de António não param de aterrar processos de despedimentos, devido ao seu sucesso nos tribunais. «Portugal é dos países onde é mais fácil despedir», diz a advogado.

Passam os dias em julgamentos, a correr para cumprir prazos e a tratar dos clientes, muitos que ali chegam em «estado de necessidade». «Somos como soldados comandos», diz o político, explicando que, apesar de o dia-a-dia ser muito intenso, têm de se «manter sempre firmes».

Rita recorda um dos episódios que, para ela, revelam a vulnerabilidade dos clientes do escritório. Um dia, estava com o cliente em plena sessão de julgamento, também por assédio moral (um trabalhador despedido por extinção de posto de trabalho), quando ele lhe mostrou o sms que acabara de receber. «Era para o avisar de que a mulher se tinha suicidado. Ele tinha aguentado a mudança brutal que o despedimento causou na vida deles. Ela não.»

Rita aprendeu com o pai a enfrentar estas situações e também a lidar com as ameaças que, garantem, se tornaram comuns na vida dos dois, desde que Garcia Pereira defendeu casos polémicos, como o de Alfredo Pequito, o delegado de informação médica da Bayer que foi despedido em 1996, depois de garantir que existiam práticas ilegais na empresa.

Nessa época, andava ela ainda na faculdade, já António Garcia Pereira lhe ensinava que no caminho para casa tinha de dar mais do que uma volta à rotunda por onde passava para garantir que não era seguida. Passou-lhe também uma atitude que, para ele, é fundamental num advogado: não ter medo. «Quem tem medo prenda a toga e dedique-se à pesca», diz.

Sempre que podem, pai e filha almoçam juntos. São parecidos em muitas coisas. «Escrevemos da mesma maneira», conta Rita, confessando que também são os dois do Sporting e até vão aos jogos. Gostam os dois de mar e de passear na lancha do advogado.

Dos quatro filhos do político, ela é a única mulher e a única que seguiu Direito. Mas Rita acha que, quando era nova, o pai nunca imaginou que iria partilhar a vida profissional com ela. «Olhava para mim como se fosse uma árvore de Natal pela forma como eu me vestia. Achava que eu era uma beta.» O pai ri-se e confirma: «Sim, andavas com muitos dourados.»

Tudo mudou quando um dia, ao jantar, o advogado a viu na televisão a falar para a RTP durante uma manifestação contra a PGA – uma prova obrigatória de acesso ao ensino superior. «Estava aflita por ter faltado às aulas, mas ele não se chateou e gostou do que eu disse na televisão», conta, lembrando que na época sabia de cor todas as implicações legais que estavam em causa naquela situação concreta.

Estava habituada a ouvir o pai em casa a falar de Direito. Por isso diz não ter dúvidas de que a advocacia lhe está no ADN. Já António Garcia Pereira garante que foi influenciado por Adelino da Palma Carlos e Ângelo Almeida Ribeiro.

Hoje, passados 13 anos de trabalho em conjunto, o advogado diz que «admira na filha a sua capacidade de aliar qualidade técnica ao não se deixar intimidar». Ela retribui: «E eu admiro no meu pai a capacidade de resistência e o sentido de humor.» E remata: «Só o humor nos pode salvar.»