Ambiente: «Somos nós que pomos em causa a nossa sobrevivência»

Entrevista de Sara Dias Oliveira | Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Uma embalagem de laca para o cabelo pode demorar 500 anos a decompor-se, uma fralda descartável 450 anos, um penso higiénico 800. Devíamos fazer t-shirts e autocolantes com estas frases para nos lembrarmos destas coisas todos os dias?
Numa primeira fase vale a pena. Depois, deve fazer parte do nosso dia-a-dia termos consciência de como devemos fazer um consumo mais sustentável e encaminhar corretamente os resíduos para que a deposição num aterro ou a queima sejam evitadas, privilegiando a reutilização e a reciclagem.

É o ambiente que modifica o homem ou é o homem que modifica o ambiente?
A sobrevivência da espécie humana é fruto das circunstâncias ambientais. Em termos do tempo geológico, o Holoceno, os últimos 11,5 mil anos, permitiu-nos nomeadamente ter características climáticas que permitiram a vida humana como a conhecemos. Porém, agora é claramente a nossa espécie que muda o ambiente e põe em causa a sua própria sobrevivência.

Cigarros ou canos de escape dos automóveis? Há muitas diferenças no ar que nos entra nos pulmões por estas duas vias?
Há, mas em ambos os casos estão presentes múltiplos compostos, alguns deles carcinogénicos, e que contribuem para uma diminuição da esperança de vida, causando quer doenças, quer no limite um aumento das mortes prematuras.

Dizem que respiramos 14 quilos de ar por dia. A poluição atmosférica é uma coisa que arde sem se ver?
Podemos sobreviver muitos dias sem comida, alguns dias sem beber, mas escassos minutos sem ar… A poluição atmosférica é a forma de poluição mais grave à escala mundial causando por ano a morte prematura de mais de sete milhões de pessoas.

O sol é fonte de vida ou uma bola de problemas?
Se não tivermos cuidado com o sol, claro que muitos problemas podem surgir. Porém, a causa somos nós que estamos a permitir que o sol intervenha em reações químicas de poluentes que emitimos ou a fazendo com que a radiação não seja devidamente filtrada dada a maior escassez de ozono na estratosfera.

«As alterações climáticas, mais do que nos tirar o sono, irão ter fortes consequências para as gerações futuras, tendo impactes também na saúde, na alimentação, na água. Para não passarmos esse legado a quem virá depois, temos que agir urgentemente.»

Os termómetros andam a subir. O ambiente aquece. O buraco do ozono aumenta. O nível do mar sobe. Ainda podemos dormir descansados?
Ainda conseguimos ter um sono perturbado e até estamos a conseguir resolver o buraco da camada de ozono. Porém, as alterações climáticas, mais do que nos tirar o sono, irão ter fortes consequências para as gerações futuras, tendo impactes também na saúde, na alimentação, na água. Para não passarmos esse legado a quem virá depois, temos que agir de forma urgente, evitando as emissões, principalmente por recurso às energias renováveis, eficiência energética e a uma mobilidade mais amiga do ambiente. Assim, já devíamos realmente estar a dormir menos e a fazer mais.

E um dia o mundo acorda sem sacos de plástico. Estamos em 2050, em 2100 ou em 2245?
Tenho esperança que será em 2025. Este é talvez o melhor exemplo de como uma medida fiscal, com impacte económico direto nos consumidores, estimulou enormemente a reutilização.

Trump retirou os EUA do Acordo de Paris. O mundo tem razões para bater com a cabeça na parede com esta decisão?
Felizmente os EUA têm empresas, municípios e Estados que sabem que o futuro do emprego e da economia vão dar um contributo à escala mundial e também na própria América para ajudar a combater as alterações climáticas. A saída dos EUA é grave, vai atrasar certamente o processo mundial, mas todos os outros países estão unidos e a maioria dos americanos também.

Se fosse ministro do Ambiente dava clara prioridade a duas áreas: menos automóveis nas cidades e menor transporte rodoviário no país, muito mais redução, reutilização e reciclagem de resíduos.

Como se explica a uma criança de seis anos por que devemos estar preocupados com as alterações climáticas?
Uma criança de seis anos já começa a ver o clima a mudar – as tempestades mais violentas, as secas, a areia da praia que começa a regredir. E, portanto, através destes efeitos que já fazem parte da nossa realidade é fácil de lhe explicar que se não mudarmos os nossos hábitos é o seu futuro que está causa.

Se fosse ministro do Ambiente, o que mudava ainda hoje?
Se cada pessoa no planeta vivesse como um português médio, a humanidade exigiria o equivalente a 2.3 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos. Tal implicaria que a área produtiva disponível para regenerar recursos e absorver resíduos a nível mundial, esgotar-se-ia no dia 5 de junho, Dia Mundial do Ambiente. Se fosse ministro do Ambiente dava clara prioridade a duas áreas: menos automóveis nas cidades e menor transporte rodoviário no país, muito mais redução, reutilização e reciclagem de resíduos. Noutras áreas de combate às alterações climáticas, por exemplo, temos bons objetivos. O que é preciso é concretizá-los.