Foo Fighters: A prova de que o rock está vivo e transpira saúde

Texto Sara Dias Oliveira, em Barcelona

Dave Grohl, a voz, guitarra e alma dos Foo Fighters, o eterno Nirvana, avisou que a noite ia ser longa. Muito longa. E não enganou ninguém. Três horas de concerto, de guitarra azul e sem nunca sair do palco, numa vibrante e suada viagem, com os cinco companheiros e uma bateria cor-de-rosa, pelas músicas da banda, do primeiro ao mais recente álbum, Concrete and Gold.

Senhoras e senhores, os Foo Fighters têm novo álbum, o nono em 23 anos de vida. São a prova de que o rock não morreu e sabem, como poucos, saciar uma plateia sedenta de música – afinal foram três anos de espera pelo novo trabalho deste grupo que tem mais de 11 milhões de seguidores no Facebook (mais do que a população residente em Portugal), mais de 25 milhões de álbuns vendidos e vários prémios Grammy.

Um dia depois do lançamento do álbum, a 16 de setembro, os Foo Fighters davam um concerto secreto no Barts, local de espetáculos em Barcelona com sala esgotada para mil pessoas. Sítio e hora foram anunciados momentos antes pelo jornal El País e rádio M80, medias oficiais do evento. No exterior, nada anunciava o que se ia passar – três horas de rock and roll do bom por uma banda de alcance planetário. Um concerto até ao tutano. E nós estivemos lá.

«Mas nós existimos há 23 anos… Muito obrigado por terem sabido esperar.» Três vezes o sistema de som vai abaixo, três vezes o concerto recomeça na música onde parou.

A expetativa é imensa, a fila comprida. O rapaz de calças e casaco de ganga e sapatilhas, a miúda de vestido e botas pretas, a mulher de túnica às flores e piercing no nariz, o homem de cabeça rapada e camisa vermelha ao xadrez. A plateia de várias idades é diversa na aparência, mas tudo gente unida por um amor comum à banda e pela certeza de uma noite de sábado bem passada.

Às dez da noite, os Foo Fighters pisam o palco do Barts, instalado na esquina de uma rua movimentada da noite de Barcelona com bares, cabarés, discotecas – onde Ana Moura e Carminho cantaram no início de setembro e onde estarão os The Gift a 31 deste mês.

«Estão preparados? Estão preparados? Vai ser uma longa noite.» As primeiras palavras de Grohl aquecem os motores, são o início de uma celebração do rock até à última gota. Arranca com I’ll Stick Around, toca grandes hits, My Hero, Times like These, descarrega grande parte das músicas do novo álbum, termina com Everlong de 1997. Sempre a abrir, o público responde-lhe na mesma moeda.

Dança, salta, canta, braços no ar, gritos das entranhas. Há quem dance de olhos fechados com as letras nos lábios. A meio da noite, a ameaça da despedida. «Querem mais uma?», perguntou. E repetiu a pergunta uma mão cheia de vezes. Sempre a tocar e mais 10 ou 15 músicas depois do primeiro anúncio que quase anuncia a última canção. «Podemos estar aqui toda a noite.» A malta tem tempo, a malta agradece.

Grohl toca como se não houvesse amanhã, vai aos cantos do palco, abana a cabeça e os cabelos compridos e o pescoço até onde consegue girar. Grohl não está quieto, Grohl fala com a plateia como se estivesse no café. É homem do rock e bom conversador. A certa altura, pergunta quantos já assistiram a um concerto da banda. Grande parte dos braços no ar. E quantos ainda não viram o grupo? Menos braços no ar.

«Mas nós existimos há 23 anos… Muito obrigado por terem sabido esperar.» Três vezes o sistema de som vai abaixo, três vezes o concerto recomeça na música onde parou. «Se calhar a nossa música é muito forte», brinca. Se calhar. Grohl toca, Grohl grita, Grohl conversa, Grohl brinca. Grohl diverte-se.

A banda aterrou numa Barcelona ao rubro. Numa cidade a ferver. Nesse sábado, mais de 700 autarcas catalães juntaram-se para dizer ao mundo que estavam unidos na realização do referendo independentista que o tribunal suspendeu.

Chama Sean, um membro do staff do grupo, para lhe cantar os parabéns e toca a música que a banda, um dia, lhe dedicou. Lê um papel que lhe chega às mãos como se fosse uma carta de uma fã a perguntar se quer ser o pai dos seus filhos. Risota geral.

Os Foo Fighters estão naquela sala a apresentar o novo álbum, mas é muito mais do que isso. É tudo o que um espetáculo de rock deve ser. «Sabem, não gosto de encores. Saímos do palco, vinte minutos, voltamos, saímos, mais vinte minutos, voltamos. Gosto mais de conversar.»

A banda aterrou numa Barcelona ao rubro. Numa cidade a ferver. Nesse sábado, mais de 700 autarcas catalães juntaram-se para dizer ao mundo que estavam unidos na realização do referendo independentista que o tribunal suspendeu. Não se cabia na Praça São Jaime. Bandeiras ao alto, discursos pelos altifalantes, milhares de pessoas nas ruas, polícias de antenas no ar. As ramblas estão cheias de gente como de costume. Há algumas flores e velas que lembram o atentado de agosto. E a vida segue.

O grupo está hospedado num luxuoso hotel no coração da cidade catalã, no Passeio da Graça, quase em frente à Casa Battló de Gaudí. Numa sala do rés do chão do hotel, vão chegando jornalistas de várias partes da Europa para falar com alguns dos Foo Fihters que andam por ali. Não há sinal de Grohl, que falou em exclusivo ao El País e onde num pequeno vídeo, partilhado pelo diário espanhol, explica, com muita piada, que achava que tinha descoberto o ritmo mais fixe do mundo para Run, o single do novo álbum, quando o produtor lhe explicou que aquilo era reggaeton. Grohl não sabia o que isso era.

São quase sete da tarde. Pat Smear, guitarrista e outro sobrevivente dos Nirvana, e o homem das teclas da banda Rami Jaffee, o último a entrar no grupo, têm alguns minutos para uma conversa com jornalistas. O novo álbum não podia ficar de fora. «Tentamos sempre fazer algo diferente e desta vez talvez tenha funcionado», diz Pat Smear. Grohl já partilhou publicamente o seu orgulho pelo novo trabalho que parece reunir o melhor de vários mundos.

«Algumas canções são super suaves, algumas são superpesadas e a parte maluca é que algumas são suaves e pesadas ao mesmo tempo. As guitarras são muito pesadas e depois ouve-se “aaa”», comenta Rami que imita um «aaa» angelical. «É um álbum à Foo Fighters, mas algumas pessoas poderão pensar que enlouquecemos em algumas músicas», diz e ri-se.

«Fazemos o que fazemos, mas há muitas bandas de rock», diz Pat Smear. Depois lembra-se de que quando vão a entregas de prémios lhes dizem que são a única banda de rock que ali está.

E serão eles a prova de que o rock continua a ter espaço na música? Eles agradecem a observação. «Fazemos o que fazemos, mas há muitas bandas de rock», responde Pat Smear. Depois lembra-se de que quando vão a entregas de prémios lhes dizem que são a única banda de rock que ali está. «É um bocadinho estranho, mas às vezes acontece.» Rami afasta o funeral do rock. Ainda há quem toque guitarras como deve ser.

Estados Unidos, Trump, política. O que acontece no país tem ressonância nas músicas? Inconscientemente talvez, mas essa não é, de todo, uma prioridade da banda. Ter ou não ter um papel político não é uma preocupação. «Nunca tinha pensado nisso até os jornalistas me perguntarem. A sério? Talvez. Não sei», afirma o guitarrista. «Dave escreve letras universais.» Uma canção de amor para uns pode ser uma canção de raiva para outros. «Cada um pode interpretar da forma que quiser.» Rami acrescenta: «As letras e as músicas são poesia, metáforas.»

E porquê Barcelona para apresentar mundialmente o novo álbum? Rami recua dois anos, ao ataque terrorista em Paris, momento em que a banda cancelou a tournée europeia que incluía concertos na capital catalã. «Tínhamos a certeza de que íamos voltar para um grande espetáculo.» Podem adiantar o alinhamento do concerto que começa daqui a três horas? «É difícil dizer. Dave é muito bom a ler uma multidão.

Por vezes, sente que é uma multidão que quer músicas antigas, outras que quer músicas novas.» Grohl é que decide depois de olhar para o público que tem à frente. Rami não esconde a vontade de tocar todas as músicas do novo álbum, já que é o primeiro concerto depois do lançamento. No final da curta conversa, o teclista oferece tortilhas aos jornalistas. «Não querem? São boas.»

Seis roqueiros e Paul McCartney na bateria

Concrete and Gold é o nono álbum da banda norte-americana, fundada em 1994, e surge três anos depois do anterior trabalho, Sonic Highways. Com Dave Grohl na voz e guitarra, Taylor Hawkins na bateria, Pat Smear e Chris Shitflett nas guitarras, Nate Mendel no baixo e Rami Jaffee nas teclas, o novo álbum mistura fortes e pesadas vibrações do rock com a suavidade pop.

Uma viagem envolvente com alguns dos riffs mais poderosos da banda. No dia do lançamento, ocupou o primeiro lugar no iTunes e na primeira semana vendeu 127 mil cópias nos EUA. São onze músicas e uma parceria improvável com Greg Kurstin, que tem trabalhado com Sia e Adele, como produtor. Kurstin nunca tinha trabalhado com uma banda rock, o grupo nunca tinha tido um produtor pop. O «casamento» resultou. Além disso, a banda tem colaborações de peso. O ex-Beatle Paul McCartney toca bateria em Sunday Rain, música cantada por Taylor Hawkins, e Alison Mosshart dos The Kills e Justin Timberlake participam nas vozes.

Em julho deste ano, os Foo Fighters fecharam um dos dias do NOS Alive e deram um cheirinho do novo álbum com La Dee Da num dueto com Alison Mosshart e com o single Run. Não se sabe quando voltarão a Portugal.

A agenda está cheia nos próximos meses. Ainda ontem organizaram um megaconcerto de mais de 12 horas de rock, na Califórnia. Até ao final do ano, têm 25 datas fechadas numa digressão pelos Estados Unidos, com vários concertos já esgotados, como o do próximo dia 12 em Washington DC.