Texto de Francisco Salgueiro/ Fotografia de Gustavo Bom/Global Imagens
«Não», «não», «não». Há uns sete anos eu parecia estar numa convenção de pessoas com o síndroma de Touret. A Inês, mais tarde a protagonista do livro O Fim da Inocência, tinha-me começado a enviar os primeiros e-mails e eu achei as histórias que ela me contava muito bizarras e pouco credíveis.
Falei com alguns pais para saber se estavam a par de alguma coisa estranha que se passasse nas escolas e colégios dos filhos. Sempre que falava em sexo, drogas e bebedeiras em modo coma, todos dizem não saber nada sobre isso e mudavam rapidamente de assunto.
Flashback. Não demora mais de dois minutos. Uns meses antes, a propósito da capa do meu livro Homens há Muitos (com umas cenouras bastante fálicas) comecei a receber emails de uma miúda a contar-me histórias que ultrapassavam tudo o que eu imaginava ser possível naquela idade.
Era uma época em que eu saía muito e via muitas coisas, mas o que ela me contava era demasiado forte. Relatava-me situações que se passavam com ela e com os amigos. Uma noite encontrei-os no Bairro Alto e comprovei que tudo aquilo era verdade. E assim começou a minha ligação com a Inês, na altura com 15 anos. Inicialmente pensei em escrever um artigo, mas o material que me ia enviando dava para um livro. O flashback está quase a acabar.
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E assim, ao longo de vários anos, a Inês foi-me enviado e-mails, eu fui guardando, até ao dia em que achei que tinha material suficiente para escrever uma história para um livro. Perguntei-lhe se ela se importava, respondeu que não. Sentiu-se a maior. Estava na fase high, queria ser o centro das atenções e não ligava muito às consequências dos seus atos.
Mais trinta segundos e o flashback acaba.
Escrevi o livro, a Inês foi viver para o Brasil e depois para Londres. Toda a imprensa queria entrevistá-la, mas ela estava queria distanciar-se do passado e começar uma fase nova da sua vida. E começou. Hoje está bem e quer que esta história sirva de aviso em relação ao estilo de vida que levou: não só não tem pinta como é muito perigoso.
E acaba o flashback. De regresso ao presente. Após o lançamento do livro fui recebendo largas centenas de e-mails a dizerem que tinha de ser adaptado a filme. «Isso sei eu», pensei, mas estávamos em plena crise financeira e nenhum produtor quis arriscar. Além do medo que tinham da adaptação do livro ao cinema. O maior desafio: como colocar raparigas maiores de idade a parecerem adolescentes, a fazerem sexo e a drogarem-se.
Um dia, o meu amigo Pedro Carvalho, ator, que neste momento se encontra a protagonizar a novela O Outro Lado do P na TV Globo, quis apresentar-me ao Nicolau Breyner porque ele sim, não teria medo em pegar nesta história. E de facto não teve. Desde o primeiro dia fez de tudo para que uma produtora quisesse investir dinheiro num projeto muito arriscado. Ia ser um sucesso entre os mais novos e um escândalo para muitos pais. Ao fim de muito batalhar chegámos à Cinemate.
Desde o primeiro dia, a Ana Costa também quis apostar no projeto, bem como a NOS. Só que com a morte do Nicolau, que ia ser o realizador, e outros contratempos, o filme esteve parado quase um ano.
Até que finalmente recebi a notícia que ia arrancar, realizado pelo Joaquim Leitão, cujos filmes eu via religiosamente quando era adolescente. E assim surgiu O Fim da Inocência – o filme.
Foi filmado durante o verão deste ano e no dia 30 está nos cinemas. Vale a pena irem ver? Muito. Mesmo. Um obrigado muito especial ao Pedro Carvalho, ao Nicolau Breyner e à Ana Costa.