Ferrari: uma corrida de carros, a vontade de ferro de um homem e 70 anos a fabricar sonhos

Texto Rui Pelejão/Motor24

Atualmente, poucas marcas de automóveis ainda se confundem com o seu fundador. A história e o espírito do tempo trata de os relegar para o formol institucional de uma entrada biográfica no site da marca, um busto no museu ou para uma ou outra efeméride mais conveniente para os desígnios do marketing.

Há no entanto exceções, que se sobrepõem ao espírito do tempo e lhe resistem. Exceções imortalizadas todos os dias quando um automóvel sai da linha de montagem e ainda carrega e encarna o espírito do seu fundador. Ferdinand Porsche, Henry Ford, André Citroën, são alguns desses génios, cuja visão moldou as marcas homónimas.

O fundador Enzo Ferrari não criou apenas uma marca de bólides – fez uma fábrica de sonhos.

Uma das exceções mais notáveis é a de um franzino italiano que cresceu para ser um gigante da indústria automóvel. Enzo Anselmo Ferrari, nascido em Modena no dia 18 de fevereiro de 1898, filho de um pequeno industrial metalúrgico que fabricava carris para caminhos-de-ferro e que em 1908 levou a Bolonha os seus filhos, Alfredo e Enzo, para assistir a uma corrida de automóveis, onde se digladiaram os grandes ases da época, Vicenzo Lancia e Felice Nazarro.

Essa corrida causaria uma forte impressão ao pequeno Enzo e mudaria o seu destino; o seu e o de toda a indústria e competição automóvel do século XX.

Enzo Ferrari não criou apenas uma marca de automóveis, criou uma fábrica de sonhos que seduziu gerações de entusiastas e simboliza a vertigem humana pela velocidade.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Enzo trabalhou como mecânico, foi depois recusado para um emprego na FIAT e acabou como piloto oficial da Alfa Romeo até fundar a sua própria escuderia de competição na década de 1920, fazendo alinhar carros da Alfa Romeo sob a insígnia do cavallino rampante, emblema usado pelo herói da aviação italiana Francesco Baracca no dorso dos seus aviões de combate durante a Primeira Guerra Mundial e que passaria a ser o símbolo na grelha de todos os Ferrari.

Enzo Ferrari não criou apenas uma marca de automóveis, criou uma fábrica de sonhos que seduziu gerações de entusiastas e simboliza a vertigem humana pela velocidade, uma marca que comemora 70 anos de vida.

Entremos então na máquina do tempo até 11 de maio de 1947, o dia em que o primeiro Ferrari viu a luz do dia.

ESPÍRITO DE COMPETIÇÃO

O Circuito de Piacenza em Itália era um dos mais exigentes e traiçoei­ros da época, mas Franco Cortese era um dos mais experientes pilotos italianos. Foi a ele que coube a honra de estrear um automóvel Ferrari em competição — o 125 S.

A estreia foi aziaga, já que o Ferrari foi obrigado a desistir após um encontro imediato com um Maserati, mas a vendetta seria servida semanas mais tarde no Circuito das Termas de Caracalla em Roma, onde o mesmo Franco Cortese obteve a primeira das mais de cinco mil vitórias de automóveis Ferrari em competição.

A Ferrari construiu uma lendária reputação, corporizando a grande paixão de Enzo Ferrari. «Não há carros de corrida bonitos ou feios. O que faz a sua beleza são as vitórias.»

Das Mile Miglia à Fórmula 1, das 25 Horas de Le Mans a Daytona, a Ferrari construiu uma lendária reputação, corporizando a grande paixão de Enzo Ferrari. «Não há carros de corrida bonitos ou feios. O que faz a sua beleza são as vitórias.»

Enzo nunca demonstrou grande interesse em fabricar carros de estrada, mas precisava de dinheiro para financiar as atividades desportivas da escuderia e por isso ainda na década de 1940 a Ferrari inicia a comercialização de modelos aspiracionais e desportivos, que seriam para sempre a imagem de marca da fábrica Maranello: «Toda a gente sonha em conduzir um Ferrari e esse foi o meu sonho desde o princípio», costumava dizer Enzo, que sabia que as suas criações lhe sobreviveriam.

Alguns dos modelos mais raros batem recordes em leilões e rivalizam em preço com quadros dos grandes mestres. Um Ferrari 250 GTO foi recentemente arrematado por 38 milhões de euros, o valor mais alto jamais pago por um automóvel em leilão.

Ao longo das décadas, a Ferrari foi fabricando modelos que representam a máxima expressão da elegância e performance, do design e da eficácia. Modelos como o 166 Inter, 250 GT0, California, Testarossa, Daytona, F40 ou o Dino 246 GT, construído em homenagem ao seu falecido filho Dino Ferrari, fazem parte do imaginário de qualquer amante de automóveis desportivos.

Alguns dos modelos mais raros batem recordes em leilões e rivalizam em preço com quadros dos grandes mestres. Um Ferrari 250 GTO foi recentemente arrematado por 38 milhões de euros, que é o valor mais alto jamais pago por um automóvel em leilão.

Todo esse imaginário ferrarista deve muito à competição, especialmente à Fórmula 1, em que nomes como Alberto Ascari, Juan Manuel Fangio, Mike Hawthorn, John Surtees, Niki Lauda ou Michael Schumacher subiram ao olimpo de Maranello.

Enzo conduziu os destinos da sua marca com vontade férrea e um lendário mau génio até ao fim, mesmo tendo de abdicar do domínio total, quando vendeu o controlo acionista ao Grupo FIAT.

Olimpo onde há um lugar muito especial reservado para o canadiano Gilles Villeneuve, piloto que o velho e glaciar Enzo Ferrari amava como um filho e que morreu ao volante de um Ferrari de F1 num terrível acidente no dia 8 de maio de 1982.

Enzo conduziu os destinos da sua marca com vontade férrea e um lendário mau génio até ao fim, mesmo tendo de abdicar do domínio total, quando vendeu o controlo acionista ao Grupo FIAT.

O último Ferrari que Enzo veria sair da fábrica de sonhos seria o superpoderoso Ferrari F40. Poucos meses depois Il Comendatore desaparecia aos 90 anos, mas como tinha profetizado, as suas «criaturas» iriam sobreviver-lhe. E esse é o seu maior legado à história da indústria automóvel italiana. Um legado que vai passar a filme, com realização de Michael Mann e com o ator Hugh Jackman a despir o fato de Wolverine e a vestir o de Enzo Ferrari. Brevemente, num cinema perto de si.

Joias da Ferrari em exposição no Museu do Caramulo

Melhor do que ler histórias sobre a Ferrari é vê-los ao vivo. Melhor do que isso, só guiá-los, como bem sabia Al Pacino no filme Um Perfume de Mulher em que a irascível personagem que interpreta cumpre um dos seus últimos desejos – guiar um Ferrari.

Enquanto não arranja maneira de guiar um Ferrari, vale bem a pena ir ao Museu de Automóveis Antigos do Caramulo para visitar a exposição dedicada aos 70 anos da marca.

Ferrari. 70 anos de Paixão Motorizada reúne uma série de modelos históricos de coleções portuguesas que ilustram os vários períodos da história da marca do cavallino rampante. Tiago Patrício Gouveia, diretor do museu, afiança que ali podem encontrar-se «os melhores Ferraris de Portugal, alguns deles dos mais raros do mundo como é o caso do 195 Inter de 1951 ou do 500 Mondial de 1955. É uma ocasião absolutamente única para se poder ver esta autêntica constelação de estrelas da Ferrari, que muito provavelmente nunca mais voltarão a estar juntas no mesmo local».

Entre as joias Ferrari em exposição no Museu do Caramulo contam-se modelos como o Ferrari 275 GTB Competizione, o Ferrari 250 Lusso, o Ferrari Daytona, o Ferrari Dino, o Ferrari F40 ou o Ferrari Testarossa.

A exposição estará aberta ao público até ao próximo dia 29 de outubro. E o bilhete dará também para conhecer a coleção permanente de um dos melhores museus de automóveis antigos da Europa.