Felizmente, #eunão

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Quando o Hugh Hefner, patrão da Playboy, morreu, há quase um mês, e li obituários que o davam como feminista, percebi que continua muito por fazer no que respeita à igualdade de género. O homem tinha uma revista que trazia na capa, além de mulheres bonitas, mais ou menos despidas, a frase «entertainment for men» (entretenimento para homens). Isto deveria fazer soar campainhas, ou não?

Entertainment for men. É isso que as mulheres são na cabeça de homens como Harvey Weinstein, produtor todo-poderoso de Hollywood, finalmente (já foi tarde) caído em desgraça, acusado da prática reiterada de assédio sexual e até violação. Prática que levou a cabo, sem consequências, durante mais de trinta anos, a coberto do poder de ter nas mãos (além do próprio pénis, ao que parece, vezes de mais) o destino e a carreira de centenas ou milhares de atrizes e aspirantes a.

Depois do escândalo, tornado público através de uma reportagem do The New York Times, têm sido muitas as mulheres, algumas delas estrelas de Hollywood e ativistas dos direitos humanos e dos direitos das mulheres, que vêm a público dizer #metoo. Também elas.

Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Mira Sorvino, Rose McGowan, Ashley Judd, Rosanna Arquette, Asia Argento, Zoe Brock, Cara Delevigne e muitas, muitas mais. Vítimas de assédio sexual. Por parte de Weinstein. E de outros. Muitos outros.

Parece que Weinstein é apenas a ponta, salvo seja, do icebergue. Um icebergue global e transversal, a avaliar pela dimensão que está a alcançar a hashtag #metoo, já viral nas redes sociais.

É como se o assédio sexual fizesse parte da cultura empresarial mundial e fosse apenas mais um desafio que as mulheres têm de vencer no mercado de trabalho. Caladas. Por vezes, cúmplices. A maioria das vezes, vencendo-o como podem, provavelmente.

Eu não sei. Nunca fui vítima de assédio sexual. Parece que tive sorte. Talvez por isso, por não saber, quando comecei a ler as notícias e testemunhos relativos a este caso – e li tudo que apanhei, cá dentro e lá fora –, além do nojo que senti pela personagem Harvey Weinstein (não há nada que me seja mais repugnante do que o abuso de poder), dei por mim a questionar-me como é possível que só agora? Tanta gente sabia e tanta gente não fez nada, a não ser sussurrar nos corredores «cuidado com ele»?

Sei que é difícil, quase impossível, que a esmagadora maioria das queixas por assédio sexual esbarram na indiferença e acabam com o despedimento ou afastamento da queixosa. Mas é urgente que as mulheres deixem de ser vítimas.

Se para isso for preciso fazer como Carrie Fisher, protagonista de Guerra das Estrelas, desaparecida no ano passado, que enviou uma língua de vaca numa caixa a um produtor cinematográfico que tinha assediado uma amiga dela com o recado: «Se voltares a tocar em alguma mulher, a próxima encomenda que receberás será uma coisa tua numa caixa muito mais pequena», faça-se.