Um bebé e vegetação nova depois do fogo e da morte

Texto de Paula Sofia Luz | Fotografias de Raquel Ponte

As máquinas da Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos chegaram esta semana à aldeia de Vale Salgueiro. Três meses depois do incêndio que varreu os montes e vales no interior do país, finalmente começaram a ser retirados os escombros das casas ardidas.

A comunidade estrangeira revelada pela Notícias Magazine depois do fogo já conseguiu recuperar uma moradia, mas há muito ainda por fazer. «Trabalhamos em conjunto, aos poucos vamos conseguindo recuperar tudo. Vê ali em baixo? Aquela casa já foi toda refeita.» Tomas Skaniváneck veio da República Checa há seis anos, com a mulher, Miloslava, e três dos cinco filhos (os últimos dois já nasceram em Portugal). Recebe-nos num fim de tarde em que a casa está cheia. A casa, ou o que resta dela. A família dorme em caravanas desde que o fogo lhes destruiu parte da habitação, salvando-se aquele espaço – uma espécie de sala-cozinha onde confecionam e tomam as duas refeições do dia: o pequeno-almoço, entre as 7h30 e as 10 horas, e a principal, por volta das 16h30.

Estão ali quase todos, nesta quinta-feira de setembro em que se aguarda a qualquer momento pelo nascimento do bebé dos holandeses Wilma e Matthijn. Mas por agora Wilma ainda está sentada à mesa, frente a um prato de lentilhas com legumes. Em três mesas sentam-se nove adultos e 14 crianças. Matthijn está do outro lado do monte, a acompanhar os trabalhos de remoção por parte dos funcionários municipais.

Uma das gémeas belgas ficou em casa, noutra aldeia, a recuperar de uma gripe. E já se juntou à comunidade a jovem mulher de Jasper, outro holandês que, entretanto, foi à terra-natal casar e regressou na semana passada. «Fizemos uma festa de casamento aqui também, quando chegaram», diz Tomás. Numa corda esticada de uma ponta à outra daquela cozinha ainda são visíveis os desenhos que os mais novos fizeram para lhes oferecer. Repousam ali também alguns cadernos e lápis de cor, algumas folhas com letras desenhadas. Por ali não há regresso às aulas, porque nenhuma daquelas crianças vai à escola. «Utilizamos o ensino doméstico, como já vos contámos. Acredito que os meus filhos e todos os outros são muito mais felizes aqui do que as crianças que vão para a escola. A maioria não gosta, não se sente bem lá.»

Tomás nasceu numa família abastada da República Checa e frequentou escola e universidade, tal como a mulher e a maioria dos estrangeiros que compõem esta comunidade. Mas não é esse o caminho que escolhem agora, que vivem em Portugal.

Em três meses, desde que nos receberam para a reportagem da Notícias Magazine, a única coisa que mudou por ali foi a paisagem. O verde dos fetos e dos eucaliptos que avançam velozmente, outra vez. Até hoje ninguém lhes perguntou pelas casas, não têm sinais de qualquer plano de reconstrução em curso. «Não precisamos de nada», diz Tomás a sorrir. «Só da ajuda de Deus e da natureza.» É o que pensa Wilma também, à espera do quarto filho, que há de nascer ali mesmo, em casa, juntando-se às duas irmãs de 6 e 8 anos e ao irmão de 5. Não se sabe se será menino ou menina, mas há uma certeza: é o primeiro habitante a nascer em Vale Salgueiro desde há várias décadas.

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