Está à espera de quê para começar a brincar com o seu filho?

Texto Carolina Carneiro /CADIn* Ilustração Shutterstock

Depois de um longo dia de trabalho, cheio de exigências, tensões e, por vezes, poucas
compensações, o pedido não será, provavelmente, o que muitos pais mais anseiam ouvir: «Vens brincar comigo?» No entanto, num mundo em que as crianças têm horários quase tão preenchidos como o mais ocupado dos adultos e, sendo que 90% desse tempo é passado com outras pessoas que não os pais, é fácil perceber quão precioso pode ser o tempo passado em comum.

Com frequência, as atenções focam‑se mais nas tarefas relacionadas com o desempenho escolar do que em aparentemente simples momentos de lazer. Os sentimentos de culpa, explícitos ou camuflados estão, muitas vezes, patentes no discurso dos pais.

Muitos tentam recompensar de forma material as crianças por essa «ausência» ou falta de atenção. Usam esse tipo de compensações como forma de expressão de amor ou como forma de moldar o comportamento da criança.

Além da culpa que sentem por estarem pouco tempo com os filhos, nos momentos restantes não querem ser «os maus», razão pela qual é comum evitarem o «não», cedendo com facilidade às exigências dos mais novos. Entra‑se, assim, num círculo vicioso: quanto mais os pais dão, mais as crianças exigem.

Estudos recentes mostram que o mais importante não é a quantidade de horas passadas juntos, mas sim a forma como esse tempo é aproveitado.

Estudos recentes mostram que a quantidade de tempo passada com os filhos não tem grande influência no seu desenvolvimento. Já quando falamos da qualidade, o caso muda de figura. O mais importante não é a quantidade de horas passadas juntos, mas sim a forma como esse tempo é aproveitado.

As crianças, naturalmente, procuram a atenção do adulto. Querem que as oiçamos, que falemos e que brinquemos com elas. A atenção sincera e dedicada, uma atividade de lazer, o simples brincar com a criança podem ser a maior das recompensas.

O tempo de brincadeira/lazer passado com a criança é promotor de uma boa interação entre pais e filhos e uma boa oportunidade para estreitar laços. À criança, permite modelar o seu comportamento, através da observação do dos pais e, aos pais, permite‑lhes observarem e aprenderem mais sobre os interesses, as potencialidades e as dificuldades dos seus filhos.

Quando falamos em crianças com perturbações do desenvolvimento, isto é ainda mais importante: seja por, de forma geral, promover a relação entre pais e filhos, seja por ser uma forma de desenvolver a intencionalidade comunicativa, de promover e estimular a abertura/fecho de ciclos de comunicação e o desenvolvimento da linguagem ou por reforçar a cooperação e a complacência entre ambos. Todas as áreas do desenvolvimento podem ser reforçadas.

É preciso ser sincero e mostrar entusiasmo pelos momentos partilhados com os filhos. As crianças são muito sensíveis aos humores do adulto e perceberão se o pai ou a mãe estiverem ali «por favor»

Quando a brincar ou desenvolver atividades com os filhos não é comum ou natural, é possível que, nas primeiras vezes, seja recebido com alguma estranheza, que se pode traduzir na exibição de comportamentos «negativos». Isto não é razão para desistir à primeira (… nem à quinta) tentativa!

Acima de tudo, é preciso ser sincero e mostrar entusiasmo e/ou satisfação por partilhar esses momentos com os filhos. As crianças são muito sensíveis aos humores do adulto e perceberão se o pai ou a mãe estiverem ali «por favor». A dedicação e a atenção sincera à criança são o que a vai fazer sentir‑se especial naquele momento.

Os pais são os primeiros professores dos filhos. Isto não implica sê-lo de forma formal e estruturada. É importante parar de pensar só em «aprendizagem vs. brincar» e pensar também em «aprendizagem, através do brincar». Ao desenvolverem atividades de lazer e ao brincarem com as crianças estão a contribuir para o desenvolvimento de competências fundamentais.

A infância não dura para sempre e, quando menos esperamos, os filhos são adolescentes… e depois adultos.

Por exemplo, ler para a criança ou, a partir de determinada idade, permitir que a criança leia para si pode ser não só um momento de prazer partilhado mas também de aprendizagem, desenvolvimento da linguagem (vocabulário, construção frásica,…), desenvolvimento cognitivo (compreensão da história), social (aprender a escutar, não interromper) e promoção da autoestima (confiança na leitura).

A infância não dura para sempre e, quando menos esperamos, os filhos são adolescentes… e depois adultos. Se os laços familiares não forem promovidos precocemente, mais tarde será mais difícil criá‑los.

* Carolina Carneiro é técnica de educação especial e reabilitação no CADIn, Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil.