Recrutou-a para o seu clube quando ela tinha 12 anos e desde aí nunca mais se separaram. José Uva treina Patrícia Mamona há 16 anos. Hoje, ainda passam seis horas por dia juntos para tentarem bater mais recordes, como sucedeu nos Jogos Olímpicos, no Brasil.
Estava na esquadra da polícia de Massamá, depois de ter sido apanhada sem bilhete numa viagem de comboio, aos 13 anos, quando o pai foi buscá-la e descobriu o seu segredo: andava a treinar corridas, desde os 12, na Juventude Operária de Monte Abraão (JOMA) sem os pais saberem e costumava apanhar o comboio no Cacém, onde morava, até Massamá, onde treinava. O seu cúmplice era José Uva, profissional daquele clube desportivo que a tinha recrutado depois de receber um telefonema de um professor de Educação Física da Escola Secundária José Sérgio, a garantir que havia «uma miúda que corria mais do que os rapazes» e era «um verdadeiro talento».
Hoje, 16 anos depois, ela quase a fazer 28 e ele com 46, passam seis horas por dia juntos nos treinos, no Jamor, em Oeiras, e acumulam sucessos. «É meu professor há já mais de metade da minha vida», diz, orgulhosa, Patrícia Mamona, que além de triplo salto começou a praticar muito nova os 100 metros barreiras e o salto em comprimento, ganhando títulos.
Por volta dos 17 anos, teve de optar e escolheu o triplo salto. Pelo JOMA, foi batendo recordes e somando títulos nesta modalidade. O truque para o sucesso dos dois, acredita José Uva, é serem pessoas independentes mas com a mesma vontade e dedicação. «Ela é focada e quer isto tanto quanto eu.»
Em 2010, foram os dois contratados pelo Sporting. «Na altura, eu estava nos Estados Unidos e foi o professor que me deu a novidade», recorda Patrícia, que se encontrava em Clemson, na Carolina do Sul, a tirar um curso de Medicina e a competir no circuito das universidades. Falavam pela internet e, quando ela vinha a Portugal, treinavam intensamente. Regressou em 2011. E tudo continuou igual.
Ela trata-o por professor «por uma questão de respeito». Ele costuma chamar-lhe Patrícia, mas às vezes, a brincar, a atleta diz-lhe «oh! José» e ele chama-a de Pati, diminutivo que ela «odeia».
Conhecem-se tão bem que sabem quando o outro está irritado ou sensível. «Sempre que se aproxima mais de mim é porque anda mais vulnerável», diz José Uva. «Já ele, quando se irrita, nota-se logo», refere Patrícia. Uva detesta atrasos e às vezes a desportista não é pontual. «Mas sou mais tolerante com ela porque é comprometida com tudo o resto.»
Nunca se zangaram, garantem. Só uma vez o treinador a expulsou do treino, quando era ainda adolescente, por estar na galhofa. «Ainda hoje acho que ele não tinha razão. Eu não fiz nada», diz Patrícia.
Já viveram momentos dramáticos, como no Japão, em 2015, onde a atleta se lesionou no estágio, e quando chegou aos Mundiais de Pequim nem sequer foi classificada. E partilharam inúmeros êxitos. Mas no dia em que ela se tornou vice-campeã de triplo salto nos Europeus de 2012, em Helsínquia, ele não estava lá. «Foi um momento especial que não pude partilhar com o meu treinador.» Faltou José Uva para o abraço e a troca de sorrisos habituais, como nos Europeus de 2016, onde se sagrou campeã, e nos Jogos Olímpicos do Rio, onde com o triplo salto de 14.65 metros conseguiu um novo recorde nacional.
«Passamos a vida em pistas, em hotéis e aeroportos», diz José, contando que andam pelo mundo em competições pela seleção nacional, pelo Sporting ou em provas individuais. Ir ao Qatar foi o que mais o impressionou, porque «parecia que estava noutro planeta». Já para Patrícia, a viagem ao Mónaco, onde conheceu o príncipe Alberto, foi a que mais lhe ficou na memória. Lembra-se de estar a competir «com as melhores do mundo» e pensar «naquela miúda de 12 anos» que treinava em Monte Abraão mesmo contra a vontade dos pais.
JOSÉ & PATRÍCIA
Patrícia Mamona é campeã europeia de triplo salto e nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro estabeleceu um novo recorde nacional. Começou a treinar atletismo aos 12 anos, com José Uva, que percebeu de imediato o potencial da atleta, como cúmplice. Trabalham juntos há 16 anos.