Como dizer furacão de forma suave?

Notícias Magazine

O fim de semana passado foi marcado pelo espetáculo do ciclone Irma subindo pela Florida. Como fenómeno meteorológico, o Irma conhece as leis naturais e, então, para subir pela Florida, quem vem do mar entra pelo sul – e mais sul não há que Key West. O célebre olho dos furacões não é mito.

Num desses dias viu-se um exibicionista a fotografar-se – ele próprio, o Irma e o marco vermelho com palavras: «O ponto mais a sul dos EUA continental». Chegou uma onda e varreu o exibicionista. Aqueles dias estiveram cheios de adeptos do novo desporto, surfar ciclones, muito popular entre jornalistas e meteorologistas. São profissões um bocado tolas, mas dão fama, embora o Andy Wharol tenha sido um bocado exagerado, quais 15 minutos!

O vento tudo leva num instante. Deve ser por isso que se diz que jornalismo em papel está a acabar. É material que não aguenta nem uma aragem quanto mais um ciclone. Já estive naquele marco algumas vezes. Numa delas, noite de vento sereno, voltei pela rua South (Key West farta-se de homenagear o sul), e no fim do quarteirão, ao encontrar a Duval, a principal rua da vila, estavam um gato e um rato, no meio do cruzamento. O gato, de borco e vigilante como os leões à porta dos bancos chineses e o rato transido de medo. De cada vez que queria mexer-se, o gato punha a pata a tapar-lhe a fuga. Éramos cinco a ver o espetáculo.

Ao fim de talvez cinco horas, ou mais provavelmente três minutos, alguém, entre os seres humanos, disse: «Acabou a brincadeira, estás a ouvir?» O gato, com pachorra, foi para o passeio e o rato desapareceu. E eu regressei ao hotel, aplaudindo a minha ideia de que Key West só na boa época, quando os espetáculos são poéticos.

No passado fim de semana, pois, Irma, o ciclone violento. Nada a ver com Irma La Douce, antigo filme de Billy Wilder, história de um polícia honesto e de uma prostituta que se amam. É uma bonita história porque o polícia (Jack Lemmon) torna-se chulo da prostituta (Shirley MacLaine) com o acordo de que ela só dorme com ele. No fim do filme há uma confusão e o polícia honesto resolve dizer a verdade à Justiça. O seu amigo, dono de um bar, avisou-o: «As prisões estão cheias de pessoas inocentes porque elas contaram a verdade.»

Voltando ao Irma, ciclone, o governador da Florida Rick Scott, que pensa concorrer a senador em 2018, estava cheio de sorte. Há uns anos, o governador Jeb Bush apanhou com oito furacões, em só duas épocas, e a sua taxa de popularidade galgou de tímidos aplausos para ovação. Os ciclones permitem meia dúzia de conferências de imprensa por dia e com as cadeias televisivas interessadíssimas, sobretudo agora que têm de dar serviço aos surfistas de ventos.

São bons adversários, os ciclones. Exagera-se o perigo para além do que eles já são e tudo que aconteça abaixo das más expetativas é tido por boa governança. Mas Rick Scott teve azar no sábado do ciclone, a vedeta da conferência de imprensa não foi ele. Foi, sim, o intérprete gestual, espalhafatoso como um baterista de jazz ou atriz de telenovela portuguesa que acabara de saber não haver manteiga no frigorífico.

A mensagem do governador foi traduzida com os olhos esbugalhados, a boca retorcida, a língua de fora, os braços frenéticos, o bater das mãos no peito… Os especialistas da ASL, da língua gestual americana, consideraram o intérprete notável, porque um furacão não é música de violino e para anunciar rajadas de 250km à hora a contenção de Meryl Streep não é a mais adequada. Os surdos ficaram avisados, mas não houve olhos para o governador, nem dos bons ouvintes, também vidrados no tradutor.

E Scott até tinha aparecido com um boné de basebol dizendo «Navy», almirante pronto para todas as tempestades… Naturalmente, o magnífico intérprete gestual foi despedido.