Dar a palavra a quem nunca falou

Texto de Cláudia Pinto | Fotografia de Rui Ferreira/Global Imagens

A vida é assim. Perante o que me aconteceu, ou ia abaixo e entrava em depressão ou seguia em frente.» Ondina Ribeiro escolheu a segunda opção. Aos 53 anos, resume desta forma a história de paralisia cerebral da filha. Ondina e Catarina Amélia vivem em Vila Real. O diagnóstico foi a consequência do nascimento prematuro da rapariga de 23 anos, quando tinha 29 semanas de gestação.

«Caiu-me o chão, não sabia como lidar com isto. Chorei muito. Tenho dias em que questiono, em que penso por que é que me aconteceu a mim. Mas depois volto a ganhar forças.» Os dias são passados entre o trabalho, como escriturária, e os cuidados com a filha (Catarina está vestida de amarelo, na fotografia). «É uma menina simpática, gosta de passear e de novas tecnologias. Tento proporcionar-lhe o maior bem estar possível e acho que acaba por ser feliz, à maneira dela.»

Ondina nunca deixou de trabalhar. Conseguiu conciliar a desafiante função de cuidadora com a de profissional. É no trabalho que encontra um escape para os dias difíceis. E o apoio do filho mais velho, João Miguel, de 28 anos, é essencial. «Tive muita sorte, ele sempre aceitou bem a situação. Gosta imenso da irmã e são muito cúmplices.» Os momentos mais complicados surgem quando não é possível saber o que a filha quer ou sente. «Fico muito frustrada e triste quando não consigo entender o que me quer transmitir. E ela fica zangada quando não a percebo.»

A Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real (APCVR) criou o projeto (D)Eficiência na Comunicação, premiado em dezembro passado com uma menção honrosa no Prémio BPI Capacitar 2016.

Apesar de se expressar a nível facial e de emitir alguns sons, a barreira da comunicação traz alguma ansiedade. A pensar nisto, a Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real (APCVR), onde há vinte anos Catarina passa os dias, criou o projeto (D)Eficiência na Comunicação, premiado em dezembro passado com uma menção honrosa no Prémio BPI Capacitar 2016. «Ninguém faz ideia do que estas pessoas sentem.

Num ambiente estranho, não conseguem solicitar pedidos básicos, como um copo de água ou ir à casa de banho», explica Sofia Borges, psicóloga e diretora técnica da APCVR. Com os trinta mil euros do prémio, foi possível comprarem tablets, computadores e telemóveis com software adaptado às necessidades de cada um. O objetivo passa por humanizar e proporcionar melhor qualidade de vida aos 154 utentes.

«Devido às limitações deles, as escolhas são poucas, mas estas pessoas têm direitos. Elas fazem o que os outros querem, nunca o que desejam. O meu filho com 3 anos consegue pedir o que quer beber. Temos utentes com 40 anos que nunca o fizeram. Nós achamos que querem água mas e se preferirem sumo ou leite?»

O projeto tem várias fases. Primeiro é feita uma avaliação pelos técnicos, em equipa (terapeutas ocupacionais, psicólogos, terapeutas da fala e monitor de informática), para saber que tipo de equipamentos se adapta a cada utente. Segue-se o período de testes, para ter a certeza de que determinado equipamento é ou não o mais indicado, sendo necessário testar outro(s).

«Temos equipamentos suficientes que podem ser emprestados para que os utentes possam experimentá-los no seu ambiente familiar e para termos a certeza de que são os mais indicados.» Sofia começou por desenvolver esta estimulação mas de uma forma simples. «Eram usados cadernos com símbolos têxteis cortados e plastificados para comunicar com cadeirantes [pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas]. Eles emitem sons ou gritos mas não comunicam verbalmente.»

«Vamos treinando ao longo do tempo», continua a psicóloga. «Por exemplo: colocamos à frente deles um copo de leite, outro de água e também de sumo. Damos-lhe a provar e para os que não têm qualquer capacidade de movimentação, colocamos os símbolos frente ao computador para que seja possível indicar o que pretendem. A partir do momento em que reconhecem os símbolos, estão prontos para passar à próxima fase. Ao fim de várias sessões, serão capazes de explicar que têm sede e que bebida preferem.»

No final do projeto, serão aproximadamente 450 os beneficiários, alguns deles indiretos, uma vez que a equipa da APCVR desloca-se a várias escolas de Vila Real, intervindo junto de crianças com necessidades educativas especiais, colegas, professores e funcionários. Os técnicos apresentam estas soluções tecnológicas de forma a sensibilizar para os seus benefícios, até porque «muitos deles não conheciam estas respostas. Levamos alguns equipamentos que ficam nas escolas para serem testados». A Catarina e muitos outros vão poder escolher. Ondina e outros cuidadores agradecem. «Imagine-se a diferença que este projeto fará na vida de uma mãe que tem um filho que nunca falou e que passará a ter como comunicar com ele», conclui Sofia Borges.

MAIS AUTONOMIA

António Teixeira (em cima) tem 41 anos, um diagnóstico de paralisia cerebral espástica bilateral e move-se em cadeira de rodas elétrica. «Tem alguma capacidade cognitiva, não se consegue exprimir verbalmente, mas sabe ler e escrever», diz a psicóloga Sofia Borges. «Usa as mãos para trabalhar mas tem dificuldade em manusear utensílios.» Agora, António sente que este projeto veio facilitar-lhe a vida. «Gosto das novas tecnologias», explica por escrito. «Por vezes, não me entendem e agora posso usar o computador para escrever ou escolher uma imagem para que me percebam.» Frederico Alves (em baixo) tem 36 anos e tetraparesia espástica. É um dos mais entusiastas do projeto. «Sinto-me mais livre», escreve. «Os novos equipamentos permitem-me comunicar com as pessoas mais próximas sem ajuda de terceiros.»

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