Crescer é arriscado

Notícias Magazine

Pouco depois de fazer 11 anos, os meus pais puseram-me num autocarro, com a minha irmã um ano e meio mais velha, para uma viagem de 24 horas. Entregaram-nos à atenção do motorista, em Castelo Branco, e em Paris tínhamos à nossa espera a amiga que nos iria acolher durante as férias.

Pelo meio, desenrascámo-nos com as refeições, fizemos conversa com outros miúdos emigrados em França que regressavam a casa e aguentámos sem dramas a noite mal dormida em andamento.

Costumo brincar dizendo que a sorte deles foi na altura ainda não terem sido criadas as comissões de proteção de menores. E gosto de dar um tom algo dramático ao relato recordando o momento em que quase deixava a minha irmã ficar numa estação de serviço.

Continuo a rever com nitidez a cara de pânico que fez ao sair do edifício e deparar com o autocarro a partir. Enquanto isso eu gaguejava de dedo no ar, pouco eficaz na tentativa de alertar o motorista para a ausência de uma das jovens passageiras pelas quais devia zelar.

Os meus pais nunca tiveram muito dinheiro, mas por sorte sempre souberam que o melhor que se pode dar aos filhos é um olhar aberto para o mundo.

Na altura não havia tanto nervosismo com a segurança e o terreno em que nos movíamos era pacato. Aos 10 anos tinha chave de casa e geria os meus horários, cozinhava e partilhava a maior parte das tarefas domésticas.

Lembro-me muitas vezes da minha aventura de Paris quando enfrento as filas de pais que se acumulam em frente às escolas, para deixar os filhos mesmo encostados ao portão. Ou quando me olham de lado por deixar a minha filha ocasionalmente ir sozinha a pé.

Falam-me dos riscos, dos assaltos, do trânsito, da necessária vigilância, tudo com um alarme que a certa altura me faz duvidar se vivo em Caracas, a cidade com mais homicídios no mundo.

Somos excelentes a dar sinais contraditórios aos nossos filhos. É provável que com poucos anos de vida já tenham tablets, naveguem sozinhos na net e estejam sujeitos a estímulos que os pais só descobriram muito mais tarde.

Queremos que viajem, sejam informados e se preparem desde cedo para um mundo competitivo. Mas hesitamos no momento de lhes dar autonomia e tarefas, a ponto de andar a conhecer cada vez mais miúdos que chegam aos 15 anos sem saber estrelar um ovo.

Não há um manual de instruções nem leis que determinem a idade certa para nada. Cada criança é única na forma de trilhar o seu próprio caminho. Mas cabe-nos a nós, pais, dar segurança e espaço para essa conquista gradual de autonomia.

Desde o primeiro momento em que os entregamos numa creche até à primeira noite que dormem fora de casa, educar é um permanente deixar ir. E às vezes custa assumi-lo nas decisões mais relevantes. Porque um filho não é, não pode ser, o prolongar dos nossos sonhos.

Não nos cabe decidir por eles o curso a seguir, o estilo de roupa, os amigos de que se devem rodear. Apenas lhes damos as ferramentas para os ajudar a tomar decisões. Primeiro decisões pequenas. Depois cada vez mais sérias. Até ao dia em que demonstram já não precisar de nós.

Talvez seja o medo de encarar essa independência que nos faz proteger em demasia. Mas temer em excesso faz sempre mal. É normal que nos custe deixá-los correr riscos. Crescer é, ainda assim, um exercício de risco permanente. A vida só pode ser vivida a plenos pulmões.